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L'effectif et le rationnel: hegel et l'esprit objectif

RESENHAS

Danilo Vaz Curado R. M. Costa

Doutorando em Filosofia da UFRGS, sob orientação do Prof. Dr. José Pinheiro Pertille, e vinculado ao Núcleo de Estudos sobre Hegel - Nehgl. danilocostaadv@hotmail.com

KERVÉGAN, JEAN-FRANÇOIS. L'EFFECTIF ET LE RATIONNEL - HEGEL ET L'ESPRIT OBJECTIF. PARIS: VRIN, 2008. 410p

Após vinte e cinco anos consagrados às pesquisas sobre Hegel, o Prof. Jean-François Kervégan nos apresenta uma compilação de textos publicados em diversos periódicos, sob o título de O efetivo e o racional: Hegel e o Espírito Objetivo, re-estruturados ao modo de se atingir a coesão e unidade teórica e estilística que perpassa todo o livro. Constitui-se a obra como uma ampla exposição da filosofia social e jurídico-política de Hegel, e mais notadamente de uma análise minuciosa do potencial crítico dos Princípios de Filosofia do Direito. A obra se orienta em um Prefácio, um Prólogo e quatro capítulos, que percorrem a quase totalidade dos temas abordados por Hegel nos Grundlinien.

O tema central do livro e núcleo duro que orienta a leitura, exegese e as conclusões atingidas, cinge-se a uma leitura dos Grundlinien sem metafísica. Hegel sans métaphysique, assim somos abordados logo no Prefácio. Contudo, em que consiste a leitura de Hegel sem metafísica, ora proposta? O autor inicialmente reconhece que uma leitura textual do Espírito Objetivo revela sua íntima relação de repouso no Espírito e na Letra da lógica hegeliana. Não obstante esta constatação, antes de afirmar em que consiste sua leitura sem metafísica de Hegel, propõe-nos numa rememoração da recepção hegeliana a identificação de dois grandes grupos, segundo a forma de interpretar esta mesma adequação entre o Espírito e a Letra do texto de Hegel. Divide-os consoante a já consagrada alcunha de velhos e novos hegelianos. Os velhos são identificados pela leitura e exegese interna, assim como pela fidelidade à estrutura sistemática e à adequação do Espírito à Letra. Os novos hegelianos, ao contrário, jogam com a tensão entre a Letra e o Espírito do texto, são fiéis à diagnose hegeliana e contrários ao seu método.

Após traçar esse quadro mais geral da recepção exegética da obra de Hegel, pontua Kervégan de modo mais específico que, na atualidade, fecundos estudos se fazem nas duas correntes, porém, omite-se em apresentar os estudos da leitura intitulada dos velhos hegelianos e se limita a apresentar a dos novos hegelianos. Os assim chamados novos hegelianos dividem-se em os analíticos, como Robert Brandom e John McDowell entre outros, e os continentais como v.g. Axel Honneth.

Kervégan identifica que ambos, analíticos e continentais, na sua leitura de Hegel sem a metafísica apropriam-se de seu potencial crítico e de diagnose sem estabelecerem uma relação de dependência ou subordinação do Espírito à Letra. Pontua ainda Kervégan a fecundidade desta forma de abordagem, Sans Métaphysique, a partir das constatações identificadas por Honneth em Hegel, como respostas ao debate pós-habermasiano entre liberais e comunitaristas, e que se resumem em: (i) apresentar a Teoria do Direito hegeliana como uma teoria da justiça, que estabelece as condições intersubjetivas de realização da autonomia individual desde diversas esferas de realização de Si; (ii) a compreensão da Sittlichkeit como teoria normativa da sociedade, em consonância com Robert Pippin; e (iii) a apropriação do conceito de Sittlichkeit como recurso terapêutico às patologias sociais da modernidade.

Depreende-se da obra que Hegel sem metafísica é a leitura que repousa na afirmação da autonomia compreensiva do Espírito Objetivo como esfera autorreflexiva, não exigindo uma necessária correlação entre a infraestrutura lógico-metafísica [letra] e a filosofia jurídico-política, tal qual presente no Espírito Objetivo [Espírito]. Para o autor, a metafísica de Hegel pode ser identificada com a Lógica ou com a Doutrina do Espírito Absoluto, em ambas, segundo sua exegese, encontram-se motivos autorizadores desta separação entre o Espírito e a Letra proposta na leitura, tais como: (i) a impossibilidade de reconciliação do princípio da sociedade civil, enquanto esfera irredutível ao estado, pela passagem do Espírito Objetivo ao Absoluto, assim como; (ii) a leitura metafísica de Hegel centrada na Doutrina do Espírito Absoluto denuncia um certo otimismo especulativo, designado pela convicção de uma resolução das contradições sociais e políticas em franca dissonância com o caráter dialético das análises hegelianas.

No Prólogo, intitulado o "Efetivo e o Racional", a obra enfrenta a candente questão que, desde as obras de Rudolf Haim [Hegel und seine Zeit] e Karl Rosenkranz [Hegels Leben], divide os exegetas sobre o papel e o lugar da filosofia jurídico-política hegeliana, e apresenta o equacionamento lógico da efetividade como o efetivo que devém racional, apresentando uma nova proposta de leitura da célebre fórmula <Was vernünftig ist, das ist wirklich; und was wirklich ist, das ist vernünftig>, fonte de toda tensão, interna e externa ao sistema hegeliano e mais especificamente presente na transição ou ampliação (Erweiterung) entre a Lógica e a Filosofia Real.

Em oposição a R. Haym, para quem a Lógica continha o momento revolucionário da filosofia hegeliana e a filosofia prática sua face conservadora, o Prólogo na sua estratégia argumentativa configura-se em desfazer esta leitura, por três vias interdependentes: (i) apresentando o efetivo e o real, como níveis diferentes da inteligência do que é; (ii) demonstrando que o racional não é o efetivo, nem o efetivo é o racional, mas que o racional devém efetivo e o que é efetivo devém racional; (iii) estruturando a racionalidade política como <a razão que é>, o Especulativo, o qual, suprassumindo as dicotomias entre natureza e espírito ou no âmbito normativo entre o sollen und sein, se estrutura como o racional que se apresenta no coração do mundo histórico e o efetivo enquanto a rosa na cruz do presente, através do ato de afirmação e indicação da abertura do pensar para o futuro como um mundo ainda não reconciliado consigo mesmo, onde a razão que é não se esgota no presente, porém, abre-se como amplo devir de Si-mesmo.

Com um subtítulo nomeado de "O objeto da doutrina do Espírito Objetivo", se encerra o Prólogo pela afirmação da filosofia como o pensamento do presente e a impossibilidade da plena identificação do efetivo com o real. Sublinha ainda o autor a estreita identificação entre as configurações do real e as estruturas intemporais da razão, porém assevera com Bernard Bourgeois <La relativité de la philosophie politique>, em virtude de que, segundo sua leitura, existe um déficit entre formas lógicas e configurações históricas, ou seja: a ordem do saber se exprime paradoxalmente de forma cronologicamente retardada, e o Espírito Objetivo tem por objeto a apreensão conceitual destas formas históricas que enquanto expressam a própria constituição da razão a excedem.

Demarcado o corte epistemológico que centra a leitura e exegese da obra hegeliana, o livro deduz de seu princípio hermenêutico — Hegel sans metáphysique — as análises contidas nas 4 (quatro) partes que lhe compõe. Nas duas primeiras partes, intituladas respectivamente de "O Direito. Positividade da abstração" e "Vitalidade e falhas do Social", o autor dialoga com as condições históricas e conceituais de afirmação e estruturação da noção hegeliana de Sittlichkeit, estabelecendo na primeira parte — "O Direito. Positividade da abstração" — a demonstração da formação da vontade enquanto inteligência e sua objetivação como Direito Abstrato, seus estratos de realização, o conceito de direito e o desdobramento desta mesma vontade na sociedade civil. Em continuidade à análise do direito abstrato e de seu devir na objetividade, é analisada a relação entre o direito natural e suas formas de concretização históricas, finalizando com a constatação da superação do direito natural pela afirmação última de suas próprias condições, suprassumindo [negando e conservando] a contratualização do social, porém preservando-a no nível das relações ínsitas à sociedade civil.

Na segunda parte de O efetivo e o racional, o autor estabelece a irredutibilidade do princípio dos novos tempos (neuen Zeit) imanente à sociedade civil burguesa, como ideia diretriz do próprio Espírito Objetivo, sendo sua tarefa o estabelecimento das condições de reconhecimento de direitos às esferas não políticas pela afirmação da supremacia objetiva do Estado-Político.

Nesta intitulada Archéologie de la société, é reconstituído o percurso formativo da relação entre o Citoyen versus o Bourgeois no corpus hegeliano — o qual se estende de Berna a Berlim —, sendo pontuado como esta conceitualização expressa na ordem do pensar revela a dicotomia presente no curso histórico, ao mesmo tempo que constata como essa estratificação interna ao Todo preserva a unidade e coesão social pela afirmação da igualdade de direitos numa unidade que se afirma pela mediação de uma diferença irreconciliável de princípios antagônicos próprios ao social — enquanto constituído pelo indivíduo que é fim em si mesmo — e ao político — momento de reconciliação mediada do subjetivo face ao objetivo. A Sociedade civil e suas aporias constitutivas, segundo a análise do autor, põem as condições de efetivação do Político, sendo reciprocamente a causa da vitalidade e das falhas do social na medida em que afirma e põe as contradições do agir moderno como a reposição da universalidade presente nas instituições objetivas a partir dos déficits da particularidade presentes na sociedade civil burguesa, aos moldes de uma Eticidade perdida em seus extremos.

A terceira e quarta partes do livro, "O Estatal e o Político" e "As figuras da subjetividade no Espírito Objetivo - Normas e instituições", analisam como as configurações históricas ao serem conceitualizadas adquirem um potencial para além da imediatidade da Letra revelando a autonomia do Espírito e seu potencial de diagnose. E, ao caminhar pela terceira parte da obra, é retomada a histórica problemática da acomodação de se Hegel é ou não um filósofo do estado Prussiano. A resposta a esta questão não nos é apresentada sob afirmação ou negação, porém passa por um tenso debate sobre o status próprio da modernidade, a relação entre liberdade e igualdade e o redimensionamento da democracia e de suas estruturas pelo advento da sociedade civil, a qual traz consigo uma plêiade de novos fenômenos políticos, como: o esvaziamento do soberano pelo caráter eminentemente representativo da democracia moderna, o sufrágio universal como política de exercício soberano da representação, o surgimento das massas ou multidões, que obliteram a efetividade representativa e a árdua relação entre democracia e liberalismo.

Nesta tensa passagem entre a afirmação configurativa da história e a racionalização destas mesmas formas conceituais, a interpretação do Prof. Kervégan brinda-nos com a afirmação de uma Sittlichkeit em termos Institucionais, numa proximidade ao conceito de Agência da tradição hegelianista norte-americana, de um Charles Taylor, por exemplo.

O Espírito Objetivo enquanto unidade da afirmação das subjetividades no exercício de pôr e ser produto do mundo é reciprocamente o próprio objeto e sujeito deste mundo que diuturnamente se põe e repõe num processo de ação e reação (Wirkung und Gegenwirkung), onde os Citoyens são Instituições que se objetivam em novas Instituições, estabelecendo níveis de força institucionais, como uma teia de relações.

Contudo, a tarefa de uma Sittlichkeit Institucionalista como proposta não fica imune à pecha de esvaziar o conteúdo moral do agir, e o livro trata também de equacionar essa demanda estabelecendo a estreita vinculação entre a moralidade kantiana e a Sittlichkeit hegeliana, apontando seus limites e sua fecundidade, demonstrando como a passagem da universalidade abstrata da moralidade à universalidade concreta da Sittlichkeit não implica o colapsamento da moral nem sua legalização. Mas e a pergunta sobre o quietismo hegeliano? O sofrimento do conceito expressa esta racionalidade imanente ao mundo como um vínculo intersubjetivo de construção efetiva do real, e a tarefa da filosofia é a descrição desta gramática, e o próprio filósofo tem sua obra por defesa.

Em L'effectif et le Rationnel: Hegel et l'Esprit Objectif, somos brindados com uma grandiosa e lúcida, mas comprometida, estratégia de análise da fecundidade dos Grundlinie hegelianos e a demonstração de sua atualidade para o enfrentamento dos problemas da contemporaneidade. Contudo, e em que pese a força e o potencial das reflexões elaboradas, fica sempre a suspeita de se a leitura foi efetivamente Sans Métaphysique, ou, se, em verdade, restou encoberta a Letra e apenas foi exaltado o Espírito da filosofia hegeliana.

O livro com certeza se afirmará como marco divisor de águas na literatura francesa, com comparável impacto (em sentido diverso) à obra Politique et Liberte: une etude sur la Structure Logique de la Philosophie du Droit de Hegel, do Prof. Denis Lerrer Rosenfield. Insta por fim ressaltar a bela homenagem que o Prof. Kervégan faz ao saudoso Prof. Dr. Balthasar Barbosa Filho (in memoriam) na epígrafe do livro.

ANEXO

Índice da obra L'effectif et le rationnel: Hegel et l'Esprit Objectif

Préface -

HEGEL SANS MÉTAPHYSIQUE?

Prologue -

L'EFFECTIF ET LE RATIONNEL

Chapitre I -

LE DROIT, POSITIVITE DE L'ABSTRACTION Le droit : son concept, ses actualisations Entre nature et histoire : le droit Le contrat, les conditions juridiques du social

Chapitre II -

VITALITE ET FAILLES DU SOCIAL L'état de droit : la société civile "L'éthicité perdue dans ses extremes"

Chapitre III -

L'ETATIQUE ET LE POLITIQUE Tocqueville-Hégel, un dialogue silencieux sur la modernité Une théorie de la représentation Au-delà de la démocratie

Chapitre IV -

FIGURES DE LA SUBJECTIVITE DANS L'ESPRIT OBJECTIF, NORMATIVITE ET INSTITUTIONS La vérité de la moralité Les conditions de la subjectivité politique Sujets, normes et institutions, qu'est-ce qu'une vie éthique?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Ago 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009
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