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Descartes e os médicos

Descartes and the physicians

Resumos

A proposta deste trabalho é fornecer uma visão geral da participação de Descartes no debate concernente a questões médicas, a partir da correspondência mantida com Plempius, Regius, Van Beverwick e Van Hogelande. Essas cartas constituem importante registro da atuação de Descartes junto aos médicos, acompanhando as descobertas da época, discutindo-as e atualizando seus escritos. Além disso, essa correspondência fornece as bases para um estudo sobre o desenvolvimento que a medicina cartesiana teve na Holanda, por alguns de seus interlocutores ligados à medicina.

Cartesianismo holandês; Medicina cartesiana; Método cartesiano e experiência


The aim of this work is to provide an overview of Descartes' role in the debate concerning medical questions, based on his correspondence with Plempius, Regius, Van Beverwick and Van Hogelande. These letters constitute an important record of Descartes' activity together with the doctors, following and discussing the discoveries of his time, and bringing his writings up-to-date. Moreover, this correspondence provides a basis for studying the development of Cartesian medicine in Holland, through some of his interlocutors that were involved with medicine.

Dutch Cartesianism; Cartesian medicine; Cartesian method and experience


ARTIGOS

Descartes e os médicos

Descartes and the physicians

Marisa Carneiro de Oliveira Franco Donatelli

Professora do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Santa Cruz, PRODOC-CADCT. madonat@uesc.br

RESUMO

A proposta deste trabalho é fornecer uma visão geral da participação de Descartes no debate concernente a questões médicas, a partir da correspondência mantida com Plempius, Regius, Van Beverwick e Van Hogelande. Essas cartas constituem importante registro da atuação de Descartes junto aos médicos, acompanhando as descobertas da época, discutindo-as e atualizando seus escritos. Além disso, essa correspondência fornece as bases para um estudo sobre o desenvolvimento que a medicina cartesiana teve na Holanda, por alguns de seus interlocutores ligados à medicina.

Palavras-chave: Cartesianismo holandês. Medicina cartesiana. Método cartesiano e experiência.

ABSTRACT

The aim of this work is to provide an overview of Descartes' role in the debate concerning medical questions, based on his correspondence with Plempius, Regius, Van Beverwick and Van Hogelande. These letters constitute an important record of Descartes' activity together with the doctors, following and discussing the discoveries of his time, and bringing his writings up-to-date. Moreover, this correspondence provides a basis for studying the development of Cartesian medicine in Holland, through some of his interlocutors that were involved with medicine.

Keywords: Dutch Cartesianism. Cartesian medicine. Cartesian method and experience.

I

A Holanda, no século XVII, vivencia um rico período na medicina, de tal forma que se destaca nesse setor , ao lado dos grandes centros já instituídos, como é o caso da Itália, por exemplo, uma vez que os estudos mais recentes têm boa recepção por uma parte dos médicos que se opõe ao ensinamento pautado exclusivamente na tradição. Aí a medicina deixa de enfatizar as especulações teóricas e volta-se para a experiência como método, de forma que a observação torna-se a base do estudo, por meio das dissecações e das vivissecções. Amsterdã torna-se um centro de referência no campo da anatomia humana que constrói toda a sua fundamentação a partir de Vesalius, ao lado de Leiden, que se destaca pelas coleções de corpos dissecados muito bem conservados (cf. Fosseyeux, 1923, p. 4).

A prática de dissecação é difundida de tal forma que, mesmo em cidades desprovidas de universidades, como era o caso de Dordrecht e Haia, são organizados cursos públicos de anatomia, da mesma forma como nas universidades as aulas públicas de dissecação passam a atrair um público cada vez maior, não composto, necessariamente, apenas por estudantes (cf. Zumthor, 1989, p. 184). Esse interesse pela anatomia ficou imortalizado não só na pintura, como pode ser constatado, por exemplo, na Lição de anatomia do Dr. Joan Deijman, de Rembrandt, e na Lição de anatomia do dr. Frederick Ruysch, de Jan van Neck, como também na literatura. O ridículo que compõe os personagens médicos das comédias de Molière não está restrito à prática médica adotada na França do século XVII: ela não apresenta diferenças entre os dois países. Assim, o apego à tradição e o fascínio exercido pelas sessões de dissecação estão imortalizados nas páginas de O doente imaginário.1 1 Quanto ao apego à tradição, o senhor Diafoirus, médico, tece um elogio ao seu filho, Thomas Diafoirus, que o segue na profissão: " Mas aquilo que me agrada nele, sobretudo, e no que ele segue meu exemplo, é o fato de se apegar cegamente às opiniões de nossos antigos, e o fato de ele jamais ter desejado compreender as pretensas descobertas de nosso século concernentes à circulação do sangue e outras opiniões da mesma estirpe" (Molière, 1979, O doente imaginário, ato II, cena V). A crítica ao fascínio exercido pelas sessões de dissecação está retratado na corte que Thomas Diafoirus faz a Angélique: " E, também, com a permissão do senhor, eu convido a todos a assisitr, um dia desses, por divertimento, a dissecação de uma mulher, sobre a qual eu devo explanar" (Molière, 1979, O doente imaginário, ato II, cena V). A medicina, durante esse período, fornece um material inesgotável às sátiras das quais é vítima: seja pelas práticas terapêuticas usuais– a recomendação indiscriminada de sangria e purgação – , seja pela verborragia característica dos médicos que abusam do latim e da tradição grega à qual se apegam de modo ferrenho. Na filosofia, a crítica a essa ciência também está presente: justamente pelo fato de a medicina da época conter pouca coisa da qual se possa vangloriar,2 2 No século XVI, a crítica aos médicos feita por Montaigne nos Ensaios no que diz respeito ao tratamento das doenças (cf. 1972, Cap. 37), que mais ajuda a agravá-las do que a eliminá-las, está em consonância tal com o que se constata no século seguinte, que Beverwick se dedicará a rebatê-las em sua obra Medicinae Encomium (1644). Descartes deposita grande esperança nessa área, no sentido de não só promover um conhecimento que leve à redução ou mesmo à eliminação das doenças que afligem o corpo e o espírito, como também de prolongar a vida, livrando-se do enfraquecimeno da velhice (cf. AT, VI, p. 63). Desde que se instala na Holanda, o filósofo dedica-se ao estudo da anatomia e da fisiologia com a finalidade de construir uma medicina que se distancie daquela que é praticada em sua época. Essa crítica está ligada a uma rejeição, por parte de Descartes, de seguir sem questionar o que está escrito nos manuais de medicina de acordo com as autoridades constituídas na tradição, quais sejam, Hipócrates, Aristóteles e Galeno. Além disso, o filósofo mostra-se muito cauteloso quanto ao uso de remédios químicos. O atributo "perigosos" está sempre atrelado a eles: tártaro, antimônio, mercúrio e vitríolo devem ser usados com muito cuidado. Essa prevenção contra os químicos também é justificada pela linguagem utilizada por eles que se vale, constantemente, de termos obscuros e pouco usuais, o que indica um uso oportuno da linguagem para ocultar a própria ignorância e impressionar os incautos (cf. AT, IV, p. 569-70).3 3 Carta a Newcastle, 23 de novembro de 1646. Nesse universo de crítica aos químicos e aos seus extratos, situa-se o julgamento desfavorável aos médicos que encontramos ao longo dos textos de Descartes: é preciso ter cautela na adoção de todas as recomendações feitas por eles e, principalmente, na administração desses medicamentos provenientes da química.

A crítica cartesiana à filosofia especulativa, contida na sexta parte do Discurso do Método, indica que, a partir da utilização de seu método, é possível chegar a conhecimentos úteis à vida de forma que possamos nos tornar "mestres e donos da natureza". Esse domínio da natureza está estreitamente ligado à conservação da saúde: "o primeiro bem e o fundamento de todos os outros bens desta vida" (Discurso, 6ª parte). Assim, as aplicações úteis da nova ciência proposta por Descartes estão voltadas para uma medicina que se dirija, efetivamente, para a cura dos pacientes.

II

O ponto central da discussão cartesiana na Holanda consiste no método que rejeita o princípio de autoridade e volta-se para objeto estudado com a finalidade de conhecê-lo por meio de procedimentos adequados, afastando-se das teses galênicas4 4 Descartes, na verdade, apropria-se dos termos utilizados por Galeno, reinterpretando-os de acordo com sua concepção física que embasa toda explicação fisiológica. que aprisionaram por tanto tempo os estudos na área médica. Descartes, a exemplo do que ocorre em seu tempo, inscreve-se na tradição da "medicina hipocrática enriquecida e também modificada por Aristóteles e Galeno" (Dreyfus-Le Foyer, 1937, p. 238). No entanto, a partir das concepções filiadas à tradição, a obra cartesiana encarregar-se-á de promover algumas alterações quanto ao seu sentido. De fato, ao se considerar a concepção cartesiana de corpo, que se inscreve no quadro da filosofia mecanicista, pode-se constatar o seu distanciamento em relação à tradição que se mantém na medicina. Afinal, ao interpretar a matéria como composta por partículas dotadas de formas distintas e ao forjar explicações dos fenômenos com base na distinção dessas formas e no movimento desses corpúsculos, Descartes rompe com a tradição aristotélica. Ele não mais considera as três capacidades da alma – vegetativa, sensitiva e intelectiva – como responsáveis por toda ordenação e atividade da vida, além de estarem por trás do desenvolvimento embrionário e do funcionamento do organismo (cf. Roger, 1995, p. 172). Com isso Descartes rejeita as explicações teleológicas que se valem das causas finais.

A herança galênica, na obra cartesiana, passa pela doutrina do coração e das atérias, veiculada pela escolástica. Em seus ensinamentos, os escolásticos dos séculos XVI e XVII recorriam aos Parva naturalia do Colégio de Coimbra. Nesse comentário, é especialmente evocado o médico francês Jean Fernel, quando descrições anatômicas são requeridas. Pelo fato de a medicina de Fernel estar dominada pelo nome de Galeno, e pelo fato de Descartes ter recebido sua formação por meio dessa literatura, supõe-se que essa herança galênica, que aparecerá em sua fisiologia, tenha sido transmitida pela literatura escolástica no colégio de La Flèche (cf. Gilson, 1930, I, Cap. 2). Em sua referência aos espíritos animais e à relação entre a disposição do corpo e estados d'alma, Descartes remete a Galeno.

Galeno propõe a classificação dos espíritos em naturais, vitais e animais. Os espíritos naturais são como um vapor sutil que sai do sangue e vai para o coração. No coração, ao se combinar com o ar, formam os espíritos vitais, que no cérebro transformam-se em espíritos animais. Os espíritos dão origem a três faculdades que têm como sede, respectivamente, o fígado, vinculado a digestão, nutrição e geração; o coração, que envia calor a todo o corpo por meio das artérias e, por fim, o cérebro. Esta última faculdade, a animal, é considerada a mais importante, a que tudo governa. Ela é responsável pelos sentimentos, pelos movimentos e é transportada pelos nervos. Descartes, apesar de fazer referência às três modalidades de espíritos em cartas de 1643 e 1645, reagirá perante essa concepção fisiológica transmitida pela escolástica. O pensamento cartesiano procura reinterpretá-la de acordo com sua física. A descrição fisiológica, elaborada por Descartes, toma por base a extensão e o movimento, a exemplo de suas explicações físicas. Não há mais distinção qualitativa entre os espíritos em três categorias, como ocorre no sistema galênico. Os movimentos e os sentidos são explicados a partir do comportamento dos espíritos animais, as partes mais sutis e agitadas do sangue, e dos nervos que os transportam. Essa eliminação da distinção qualitativa entre os espíritos norteará a explicação dos movimentos do corpo: só serão encontradas referências aos espíritos animais. São eles que determinam os movimentos do corpo, a partir do cérebro e de acordo com a estrutura dos músculos e dos nervos.

Ao ser rejeitado o princípio de autoridade, fica instaurada a dúvida como ponto inicial de um processo, de forma a preparar o solo firme sobre o qual deverá ser erigido o conhecimento. Como foi afirmado, o Discurso do Método é o texto que está por detrás de toda a discussão referente à filosofia cartesiana, com destaque para as partes concernentes aos preceitos do método e à exposição de assuntos relacionados à física, tais como a circulação do sangue e o recurso à experiência, à medida que se avança no conhecimento (cf. Donatelli, 2002, p. 260-2):

eu não acreditei que fosse possível ao espírito humano distinguir as formas ou espécies de corpos que estão sobre a terra de uma infinidade de outros que aí poderiam estar (...), nem, por conseqüência, de relacioná-los ao nosso uso, a não ser que nos dirijamos ao encontro das causas pelos efeitos e que nos sirvamos de muitas experiências particulares (AT, VI, p. 64).

A ênfase na física justifica-se pelo fato de a medicina ser um de seus ramos e estar embasada em seus princípios. Ao se voltar para fenômenos específicos, o procedimento que se pauta na dedução a priori das leis da natureza deixa de ser enfatizada, e a experiência ganha destaque, à medida que as causas vão sendo postuladas a partir daquilo que é observado; no caso da medicina, a partir da dissecação ou da vivissecção de animais, como pode ser constatado nas várias anotações anatômicas deixadas por Descartes, nas quais as observações feitas a partir de dissecações e vivisecções estão registradas.5 5 AT, I, p. 526 (Descartes a Plempius, 15 de fevereiro de 1638); AT, XI, p. 243 ( Descrição do corpo humano), p. 550-94 ( Excertos anatômicos). A estrutura do tratado Homem remete a essa forma de tratamento, por meio da descrição dos movimentos de partículas que estão na base explicativa do funcionamento dos órgãos. As causas, defendidas nesse tratado, são construídas com o auxílio da imaginação, e os efeitos daí decorrentes são assumidos como semelhantes aos existentes no mundo (cf. AT, IX, p. 123-5, 322), guardando a devida restrição no que diz respeito ao corpo humano, cujo funcionamento deve também levar em consideração o fato de estar unido a uma alma, o que acarreta alterações que não podem ser assumidas pelo mecanismo do corpo, simplesmente. Essa limitação imposta pelo modelo adotado, no entanto, não constitui um impedimento para a construção da medicina, segundo o método cartesiano. É assim que ocorre uma diminuição da importância do procedimento que adota a dedução a priori, conferindo primazia ao recurso à experiência, à observação e à construção de hipóteses. Essa diferença de encaminhamento que prioriza a experiência se dá pelo fato de os fenômenos físicos, entre os quais os fisiológicos estão incluídos, serem explicados por meio de descrições, conforme os princípios físicos estabelecidos. Essas descrições não se apresentam revestidas de certeza, a exemplo do que ocorre nas deduções a priori, mas caracterizam-se como hipotéticas, em concordância com nossa experiência, confirmando os princípios.

A medicina tem como pressuposto metafísico, dentre outros, a distinção entre a substância extensa e a pensante, que está na base da concepção mecânica do corpo, e que viabiliza a adoção do modelo da máquina para a compreensão da fisiologia. Ao lado dos princípios metafísicos, a observação dos corpos pela prática da dissecação e da vivissecção, auxiliados pelos fenômenos físicos conhecidos na época, ocupa espaço significativo nas explicações médicas.

III

Em Amsterdã, Descartes conhece o médico Elichman, por meio de quem entra em contato com Plempius, médico católico que, em 1633, torna-se professor na Universidade de Louvain. A ele Descartes encaminhará um exemplar do Discurso do Método, que dará margem a uma importante discussão sobre a circulação do sangue. Na obra de Plempius, Fundamenta medicinæ (Fundamentos da medicina), publicada em 1638, o médico expõe a sua concepção referente ao assunto, que se opõe à concepção cartesiana, e publica as cartas que Descartes lhe escreveu, em resposta às suas objeções ao exposto no Discurso do Método.

Essa discussão mostra o quanto ainda os médicos se mantêm presos à tradição, mesmo depois da descoberta de Harvey, e coloca Descartes no centro de um dos debates mais importantes em torno da medicina. Aliás, não deve ser desconsiderado o fato de Descartes ter sido um dos primeiros a divulgar a descoberta de Harvey e de aceitar, em sua exposição sobre o movimento do sangue, a circulação tal qual o médico inglês a descreve em suas Exercitatio anatomica de motu cordis et sanguinis in animalibus (Reflexões anatômicas sobre o movimento do coração e do sangue nos animais), porém, no que diz respeito ao batimento cardíaco, o filósofo elabora uma explicação mecanicista que não recebe adesão por parte de Plempius, especificamente quanto à fermentação do sangue que é considerada como invenção (cf. AT, II, p. 54).6 6 Plempius a Descartes, março de 1638.

Recorre, ainda, a um fermento do coração [fermentum cordiale] que será responsável pela rarefação do sangue, temo que esse fermento seja uma criação (AT, II, p. 54).

Plempius, ainda preso à tradição, posiciona-se contra a circulação e defende a existência de uma faculdade pulsátil como causa do movimento do coração, como pode ser constatado em carta a Descartes de março de 1638 (cf. AT, II, p. 54). A explicação cartesiana do corpo, considerado como máquina, necessita de um motor que possibilite todas as funções fisiológicas, e esse motor tem por base o fogo cardíaco que, por um processo semelhante à fermentação, faz com que o sangue entre em ebulição e distribua-se pelo corpo por meio das artérias. A defesa da fermentação, como estando na base do movimento do coração e do sangue, não sofre alteração ao longo da obra de Descartes: na correspondência mantida com Plempius, no Discurso do Método, no Homem, na Descrição do corpo humano, nos Cogitationes circa generationem animalium (Pensamentos sobre a geração dos animais) e nas Paixões da alma são encontradas referências a esse processo, seguidas de analogias com a experiência ordinária. Um exemplo tirado do tratado Homem ilustra, de forma clara, a mencionada referência:

(...) a carne do coração contém em seus poros um desses fogos sem luz, (...) que a torna tão quente e tão ardente que, à medida que o sangue entra em qualquer uma das duas câmaras ou concavidades existentes nela, ele se infla imediatamente e se dilata: assim como vós podeis experimentar o que fará o sangue ou leite de qualquer animal que seja, se vós o verteres gota a gota em um vaso que seja muito quente. E o fogo, que está no coração da máquina que eu vos descrevo, só serve para dilatar, esquentar e rarefazer, assim, o sangue que cai, continuamente, gota a gota, por um tubo da veia cava na concavidade de seu lado direito, de onde se evapora no pulmão; e da veia do pulmão, que os anatomistas denominaram artéria venosa, em sua outra concavidade, de onde se distribui por todo o corpo (AT, XI, p. 123).

É dessa forma que Descartes constrói sua explicação do batimento cardíaco, ou seja, com sustentação nas leis mecânicas. Essa referência ao calor cardíaco como fundamento do movimento do coração recebe uma crítica contundente por parte de Plempius (cf. AT, I, p. 497-9),7 7 Plempius a Descartes, janeiro de 1638. que associa essa interpretação à defendida por Aristóteles.

Em primeiro lugar, como vejo agora, aquela sua sentença não é nova, mas velha e, na verdade, de Aristóteles, tirada do livro sobre a respiração, capítulo 20, cujas palavras são: a pulsação do coração é similar à ebulição, havendo, na verdade, fervura, quando o humor se dilata por obra do calor, pois o humor, por causa disso, levanta-se, porque se eleva para uma massa mais ampla. Nesse mesmo coração, por outro lado, o crescimento do humor que sempre se aproxima do alimento, fazendo elevar a última membrana do coração, produz o pulso, e isso sempre ocorre sem nenhum intervalo, por que o humor, do qual procede a natureza do sangue, escoa continuamente. A pulsação, portanto, é o inflar de um humor que se aquece (AT, I, p. 497).

Descartes reconhece a existência dessa noção em Aristóteles, porém o distanciamento se dá pelo fato de não haver, no texto do filósofo grego, qualquer menção à rarefação do sangue. Essa omissão parece distanciar Descartes de Aristóteles e constituir a sua originalidade. Trata-se de reconhecer que o que está em questão é o fundamento da explicação adotada por Descartes e, nesse aspecto, nota-se o constante esforço em transformar concepções tradicionais por meio do modelo mecânico.

A partir de 1638, Descartes estabelece contato com Regius, professor de medicina na Universidade de Utrecht que o procura depois de ter estudado o Discurso do Método e os Ensaios. Em carta de março de 1639, Regius defende a aplicação dos princípios da filosofia de Descartes na medicina; princípios estes tirados dos textos de Descartes e das aulas de Reneri,8 8 O primeiro divulgador da filosofia natural cartesiana na Universidade de Utrecht. que ensina a Regius a filosofia cartesiana. O ensino da filosofia e do método cartesianos na Faculdade de Medicina provocará, mais tarde, acirradas discussões em torno da obra de Descartes. A disputa se inicia com a defesa, por parte de Regius, de teses cartesianas, com base na Dióptrica e nos Meteoros. Essas teses foram reunidas em um tratado de filosofia natural9 9 As teses foram organizadas e publicadas em 1641 com o título Physiologia. com a finalidade de difundir a filosofia cartesiana. Esse intento foi alcançado quando a Regius foi permitido ministrar um curso mais amplo, no qual ele poderia tratar de questões voltadas para a filosofia cartesiana. A publicação da Physiologia não foi bem recebida pela Universidade de Utrecht, gerando uma discussão que deu início a um debate acirrado, envolvendo a Faculdade de Teologia e uma acusação contra Regius de ateísmo, além da proibição da difusão da filosofia cartesiana: as autoridades de Utrecht organizaram um julgamento público da nova filosofia e retiraram a autorização de Regius para lecionar filosofia natural.

A reação de Descartes a essa atitudade está registrada em dois textos: i) a Carta ao P. Dinet, publicada na segunda edição das Meditações, que contém uma narrativa sobre o acontecimento de Utrecht, além de uma ofensa bastante grave a um dos maiores teólogos da Holanda, Voetius, chegando mesmo a defender a sua demissão do cargo de reitor; ii) a Epistola ad Voetium (Carta a Voetius), que foi publicada em latim e em holandês, e teve um efeito desastroso: Descartes foi acusado de calúnia. A partir de então, a relação entre Descartes e Regius entra em fase de deterioração, culminando com o afastamento entre ambos. Mesmo assim, Regius prossegue ensinando a sua interpretação da filosofia natural cartesiana que não recebeu o aval do filósofo, especificamente no que diz respeito à metafísica. Descartes chegou a sugerir a Regius que não abordasse esse assunto, pois ele em nada contribuiria para o desenvolvimento das questões tratadas em seu livro intitulado Henrici Regi fundamenta Physices – 1646 (Os fundamentos da física de Henricus Regius), conforme carta de julho de 1645 (cf. AT, IV, p. 249-50) e relato feito à princesa Elisabeth em carta de março de 1647 (cf. AT, IV, p. 627). O conteúdo aí exposto deturpava a metafísica defendida por Descartes, uma vez que Regius, por um lado, considera o homem como um ser por acidente, ao se voltar para a consideração da alma distinta do corpo; por outro lado, ao considerar a união entre as duas substâncias, afirma que a alma é um modo do corpo, defendendo, portanto, uma dependência da alma em relação ao corpo, confundindo pensamento com sensação. No que diz respeito à física, Regius, na obra supracitada, não segue a ordem proposta por Descartes, o que compromete as provas apresentadas, além de ferir as leis da mecânica em sua explicação sobre o movimento muscular (cf. AT, IV, p. 625-6).

IV

No tratamento de questões médicas, o que se nota, por meio da correspondência, é o destaque do caráter físico-geométrico do corpo que será acatado por seus interlocutores. Regius adota a explicação física e procede à aplicação do método, segundo os padrões cartesianos, conforme pode ser constatado nas cartas enviadas a Descartes, nas quais busca orientação do filósofo na defesa das teses, de forma a serem feitas correções no texto e a ser adotada uma linguagem precisa. Da carta de 24 de maio de 1640, podem ser extraídas partes da teoria médica cartesiana que é defendida por Regius, como é o caso referente ao processo de preparação do sangue a partir da concepção da matéria composta de partículas em movimento. Ainda nessa carta, pode ser encontrada a referência à necessidade da experiência e constatado o esforço constante de Descartes em atualizar os estudos, ao acompanhar as descobertas na área médica. A discussão por elas engendradas e a comparação entre duas obras – Homem (1632?) e A descrição do corpo humano (1648) – oferecem um testemunho bastante confiável. Trata-se da descoberta dos vasos quilíferos10 10 Denominados por Asellius "veias lácteas". por Asellius, em 23 de julho de 1622.

Descartes, ao adotar a descrição encontrada no Homem, parece ignorar a existência dos vasos quilíferos descobertos por Asellius11 11 Gaspare Asellius (1581-1626), nascido em Cremona, estudou em Pávia, onde lecionou anatomia, e depois tornou-se cirugião militar em Milão. A descoberta dos vasos quilíferos se deu no período em que era responsável pela cadeira de anatomia. Durante a vivissecção de um cachorro em processo de digestão, Asellius fez uma incisão em filamentos brancos no mesentério, batizados por ele de "lácteos ou veias brancas", de onde saiu um líquido branco. em 1622 e divulgada em 1627. Louis de La Forge (cf. Descartes, 1667, p. 163-4), em suas anotações a esse tratado, observa que Descartes se refere às veias mesentéricas, uma vez que os vasos quilíferos vão dar diretamente no receptáculo do quilo e não no fígado como é afirmado no tratado: "elas [as pequenas partes do alimentos] escoam nas ramificações de uma grande veia que as leva para o fígado" (AT, XI, p. 121-2). Segundo La Forge, essa referência indica que o tratado deve ter sido escrito antes dessa descoberta, pois em 1648, na Descrição do corpo humano, e mesmo antes, em carta de 1640 (cf. AT, III, p. 69),12 12 Carta a Regius, 24 de maio de 1640. Descartes menciona a descoberta de Asellius, incorporando-a em sua fisiologia.

Na correspondência mantida com Regius pode ser encontrado o registro do cuidado de Descartes quanto à atualização dos estudos médicos e à aceitação dentro dos padrões instituídos por sua física. Na carta de 24 de maio de 1640, é encontrada a referência à necessidade da experiência e constatado esse esforço constante em atualizar os estudos. Nela, quando Regius intenta mencionar os vasos quilíferos em suas teses,13 13 Regius envia cartas a Descartes com a intenção de buscar orientação na defesa das teses que defendem a física cartesiana, de forma a serem feitas correções no texto e a ser adotada uma linguagem precisa. Descartes desaconselha, uma vez que pretende repetir a experiência feita por Asellius em um cão vivo, para constatar a existência desses vasos e, a partir da observação, acrescentar essa informação ao corpo de sua fisiologia, promovendo acertos no trajeto do alimento, quanto ao processo de digestão. Alguns meses depois, em carta a Mersenne (cf. AT, III, p. 138-42), Descartes afirma a existência dos vasos com base na vivissecção de um cachorro por ele realizada. Afinal, a observação dessas veias só é possível no animal vivo, como o fez Asellius e dois médicos de Amsterdã mencionados por Descartes na carta a Regius, acima referida: Sylvius e Van der Schagen. Por conta dessas referências, Descartes, mesmo antes de realizar a experiência, mostrava-se propenso a reconhecer a existência dos vasos quilíferos. A importância do papel da experiência na atualização dos estudos médicos mostra-se, nesse exemplo, de forma flagrante, sendo reafirmada em uma outra carta a Regius de 1641 (cf. AT, III, p. 374), que defende a posição segundo a qual as veias mesentéricas recebem o quilo que chegou ao pâncreas pelos vasos quilíferos, sendo levado, depois, para o fígado, porém não apresenta nenhuma sustentação firme para defendê-la. Quanto a isso, Descartes afirma:

Na verdade, não deves afirmar, a não ser o que tenhas conhecido por meio de uma experiência absolutamente certa. Não deves, também, escrever a respeito desse assunto como se não houvesse nenhum vaso quilífero (veia láctea) que levasse, continuamente, o quilo para o fígado (AT, III, p. 374).

Em 1641, Descartes assume a posição defendida por Asellius, com base na repetição da experiência, que confirma a existência dos vasos quilíferos. Porém, em 1648, na Descrição do corpo humano, a posição do filósofo quanto ao trajeto do quilo sofre alteração, provocada desta vez pelas descobertas de Jean Pecquet – reservatório do quilo e vasos linfáticos. Jean Pecquet, em 1647, ao proceder a uma vivissecção de um cachorro, observou a existência de veias torácicas e de um reservatório "de onde saiu uma grande quantidade de leite".14 14 Citação de Pecquet em Daremberg (1870), p. 629-35. Essa descoberta complementa a de Asellius e promove alterações no que diz respeito ao trajeto do quilo, pois coloca por terra o trajeto que se apóia sobre os vasos quilíferos saindo do pâncreas. Com base nas descobertas de Pecquet, Descartes afirmará na Descrição do corpo humano que "o suco dos alimentos corre nas veias que o levam diretamente ao coração" (AT, XI, p. 227). Dessa forma, adotando a nova informação, os vasos quilíferos (veias lácteas) estão expandidos por todo o corpo, e não mais se limitam ao pâncreas ou ao fígado.

V

Um outro médico com quem Descartes manteve correspondência foi Jan Van Beverwick (Johannes Beverovicius), magistrado de Dordrecht, autor de várias obras médicas, dentre as quais merecem destaque um manual de medicina doméstica e clínica denominado Schat der Gesontheyt en Ongesontheyt – 1656 (Tesouro da saúde e da doença) e o livro Van de Wtnementheit des vrouwelijke geslachts _ 1643 (Sobre a excelência do sexo feminino), dedicado a Ana Maria Schurman (cf. Schama, 1992, p. 163, 385). Em 10 de junho de 1643, Beverwick escreve a Descartes solicitando comentários a respeito da circulação do sangue e do movimento do coração – questões que estão em destaque nas discussões médicas da época e que integrarão a publicação das Epistolicæ Quæstiones (Questões epistolares) que estão sendo preparadas nesse ano. A esse médico, Descartes retoma o Discurso do Método, no que diz respeito ao movimento do coração, e propõe enviar os textos das duas cartas remetidas a Plempius, em 1638, sobre esse assunto, com a finalidade de recuperar o seu conteúdo, uma vez que, segundo Descartes, elas foram publicadas de forma distorcida e incompleta pelo médico de Louvain. Na carta de 5 de julho do mesmo ano, Descartes deduz esse movimento do calor do coração e da conformação dos vasos, destacando o processo de evaporação e condensação do sangue como parte de sua explicação eminentemente mecânica com respaldo na experiência. Van Beverwick, nas Questões epistolares, deu destaque à palavra de seus interlocutores, sem deixar entrever a sua posição referente aos assuntos aí tratados (cf. Aucante, 1998, p. 71). Mas o interesse de Beverwick em incluir as teses cartesianas em sua compilação, além da adoção da explicação da circulação sangüínea defendida por Descartes, deixa entrever a importância do filósofo nas discussões que são travadas no meio médico.

As cartas de Descartes a Plempius apresentam-se revestidas de importância no que diz respeito à influência cartesiana no campo da medicina, pois nelas está exposta a defesa da fermentação, rejeitada por Plempius, na base do processo do batimento cardíaco. A teoria da fermentação exercerá influência nas pesquisas na área fisiológica do XVII, podendo ser encontrada em Van Hogelande, médico atuante em Leiden, e com quem Descartes manteve contato, chegando a acompanhá-lo em sua prática médica, como indica a carta a Wilhelm15 15 Devid Le Lieu de Wilhelm (1691-1648), conselheiro do Príncipe de Orange, casado com Constantia, filha de Huygens. de 13 de junho de 1640 que versa sobre a necessidade de cirurgia para uma retificação óssea da filha de Wilhelm – indicação feita sob a orientação de Van Hogelande. O médico holandês é mencionado em carta a Elisabeth (cf. AT, IV, p. 627) como defensor de seus princípios na construção de suas explicações médicas contidas em livro publicado em 1646.16 16 Cornelius Van Hogelande, Cogitationes, quibus Dei existentia et animæ spiritalitas, et possibilis cum corpore unio, demonstrantur: necnon brevis historia œconomiæ corporis animalis proponitur, atque mechanique explicatur ( Pensamentos nos quais a existência de Deus, a espiritualidade da alma e sua união com o corpo são demonstradas, com uma breve descrição da economia do corpo animal e sua explicação mecânica), Amsterdã, 1646. Convém ressaltar que esse livro é dedicado a Descartes. Van Hogelande adota os princípios mecânicos em suas explicações acerca dos sentidos e do homem, sob o ponto de vista médico, bem como refere-se aos vasos quilíferos e adota a mesma exposição concernente ao quilo encontrada em Descartes, conforme referência feita acima.

Nesses contatos mantidos com médicos, pode ser notada a importância dada à experiência, o distanciamento da tradição e a adoção de princípios mecânicos na explicação da funcionamento do corpo humano. Além disso, a participação de Descartes nas discussões médicas deixa entrever o seu papel de consultor. A análise da correspondência que Descartes manteve com os médicos possibilita a constatação de que eles lhe escreviam com o objetivo de buscar a sua opinião sobre assuntos ligados à medicina, e não para estabelecer correções e impor juízos, o que deixa transparecer a importância que o filósofo teve no cenário médico holandês.17 17 Sucessores na Holanda: Regius, T. Craanen, Van Beverwick, Van Hogelande e E. Blancard. Na França: La Forge – comentários ao tratado L´Homme; Louis Henri de Rouveière – Nouveau cours de médecine où selon les principes de la nature et des mécaniques expliqués par MM. Descartes, Hogelande, Regius on apprend le corps de l´homme avec les moyens de conserver la santé et de classer les maladies ( Novo curso de medicina no qual se ensina a respeito do corpo do homem juntamente com os meios de conservar a saúde e classificar as doenças, segundo os princípios da natureza das mecânicas explicados pelos senhores Descartes, Hogelande, Regius ...), 1669.

É importante lembrar que a obra cartesiana foi composta, em sua maior parte, na Holanda, país no qual o filósofo estabeleceu contato com pessoas ligadas à medicina. A Holanda aparece, então, como cenário das discussões em torno da obra de Descartes, e nesse sentido ela pode ser tomada como o berço do cartesianismo, uma vez que nesse país são encontrados fortes defensores dessas idéias: filósofos, matemáticos, teólogos e médicos efetivamente se valem das idéias cartesianas como instrumentos apropriados para a construção do conhecimento em diversas áreas. No que diz respeito à área médica, Descartes contará com fervorosos defensores que darão prosseguimento a sua medicina inacabada, como foi o caso de Van Hogelande, Van Beverwick e mesmo Regius, de quem Descartes se afastou por causa de desentendimentos quanto à interpretação incorreta de sua obra por parte do médico.

BREVES NOTAS BIOGRÁFICAS

VOPISCUS FORTUNATUS PLEMP (PLEMPIUS) (1601-1671) – Nascido em Amsterdã, estudou filosofia em Louvain e medicina em Leiden, Pádua e Bolonha. Conheceu Descartes no período em que exerceu sua profissão em Amsterdã. Em 1633, tornou-se professor e, em 1637, reitor da Universidade de Louvain.

HENRICUS REGIUS (1598-1679) – Nascido em Utrecht, iniciou seus estudos de medicina em Leiden, passou por Paris, Montpellier e concluiu sua formação em Pádua, em 1634. Ao voltar para a Holanda, travou conhecimento com a proposta cartesiana que passou a defender na Faculdade de Medicina, em Utrecht, onde se tornou professor de medicina e botânica.

JAN VAN BEVERWICK (BEVEROVICIUS) (1594-1647) – Nascido em Dordrecht, estudou medicina em Leiden, Paris, Montpellier e Pádua, onde obteve o doutorado em filosofia e medicina. Em 1625, passou a ensinar medicina na Universidade de Dordrecht.

CORNELIUS VAN HOGELANDE (1590-1662) – Médico em Leiden, conheceu Descartes, provavelmente, em 1637 e tornou-se seu correspondente nessa cidade, além de um grande amigo, a quem Descartes confiou seus manuscritos antes de sua viagem para a Suécia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Primárias

DESCARTES, R. Oeuvres de Descartes. 12 vols. Ed. de Ch. Adam & P. Tannery. Paris, Vrin/Centre National du Livre, 1996. (AT)

_______. L'homme de René Descartes et un traité de la formation du foetus du même auteur, avec les remarques de Louis de La Forge, docteur en médecine, demeurant à la Fléche, sur le Traité de l'homme de Descartes et sur les figures pour lui inventées. Paris, Th. Girard, 1667.

MOLIÈRE. Oeuvres complètes. 4 vols. Paris, Flammarion, 1979.

MONTAIGNE, M. Ensaios. Col. "Os Pensadores". São Paulo, Abril Cultural, 1972.

2. Secundárias

AUCANTE, V. "Os médicos e a medicina." Cadernos de História e Filosofia da Ciência, Série 3, 8, 1, 1998, p. 59-78.

DAREMBERG, C. Histoire des sciences médicales. Paris, Baillière, 1870.

DONATELLI, M. C. de O. F. "A necessidade da certeza na explicação científica cartesiana e o recurso à experiência." Cadernos de História e Filosofia da Ciência, Série 3, 2, 1-2, 2002, p. 257-68.

DREYFUS-LE FOYER, H. "Les conceptions médicales de Descartes." Revue de Métaphysique et Morale, 44, 1937, p. 237-86.

FOSSEYEUX, M. "Les études anatomiques de Descartes en Hollande: 1628-1649." 3e congrès de l'histoire de l'art de guérir. Anvers, Imprimerie De Vlijt, 1923.

GILSON, E. Études sur le rôle de la pensée médievale dans la formation du système cartésien. Paris, Vrin, 1930.

ROGER, J. Pour une histoire des sciences à part entière. Paris, Albin Michel, 1995.

SCHAMA, S. O desconforto da riqueza: a cultura holandesa na época de ouro. São Paulo, Companhia das Letras, 1992.

ZUMTHOR, P. A Holanda no tempo de Rembrandt. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.

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  • ZUMTHOR, P. A Holanda no tempo de Rembrandt São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
  • 1
    Quanto ao apego à tradição, o senhor Diafoirus, médico, tece um elogio ao seu filho, Thomas Diafoirus, que o segue na profissão: "
    Mas aquilo que me agrada nele, sobretudo, e no que ele segue meu exemplo, é o fato de se apegar cegamente às opiniões de nossos antigos, e o fato de ele jamais ter desejado compreender as pretensas descobertas de nosso século concernentes à circulação do sangue e outras opiniões da mesma estirpe" (Molière, 1979,
    O doente imaginário, ato II, cena V).
    A crítica ao fascínio exercido pelas sessões de dissecação está retratado na corte que Thomas Diafoirus faz a Angélique: "
    E, também, com a permissão do senhor, eu convido a todos a assisitr, um dia desses, por divertimento, a dissecação de uma mulher, sobre a qual eu devo explanar" (Molière, 1979,
    O doente imaginário, ato II, cena V).
  • 2
    No século XVI, a crítica aos médicos feita por Montaigne nos
    Ensaios no que diz respeito ao tratamento das doenças (cf. 1972, Cap. 37), que mais ajuda a agravá-las do que a eliminá-las, está em consonância tal com o que se constata no século seguinte, que Beverwick se dedicará a rebatê-las em sua obra
    Medicinae Encomium (1644).
  • 3
    Carta a Newcastle, 23 de novembro de 1646.
  • 4
    Descartes, na verdade, apropria-se dos termos utilizados por Galeno, reinterpretando-os de acordo com sua concepção física que embasa toda explicação fisiológica.
  • 5
    AT, I, p. 526 (Descartes a Plempius, 15 de fevereiro de 1638); AT, XI, p. 243 (
    Descrição do corpo humano), p. 550-94 (
    Excertos anatômicos).
  • 6
    Plempius a Descartes, março de 1638.
  • 7
    Plempius a Descartes, janeiro de 1638.
  • 8
    O primeiro divulgador da filosofia natural cartesiana na Universidade de Utrecht.
  • 9
    As teses foram organizadas e publicadas em 1641 com o título
    Physiologia.
  • 10
    Denominados por Asellius "veias lácteas".
  • 11
    Gaspare Asellius (1581-1626), nascido em Cremona, estudou em Pávia, onde lecionou anatomia, e depois tornou-se cirugião militar em Milão. A descoberta dos vasos quilíferos se deu no período em que era responsável pela cadeira de anatomia. Durante a vivissecção de um cachorro em processo de digestão, Asellius fez uma incisão em filamentos brancos no mesentério, batizados por ele de "lácteos ou veias brancas", de onde saiu um líquido branco.
  • 12
    Carta a Regius, 24 de maio de 1640.
  • 13
    Regius envia cartas a Descartes com a intenção de buscar orientação na defesa das teses que defendem a física cartesiana, de forma a serem feitas correções no texto e a ser adotada uma linguagem precisa.
  • 14
    Citação de Pecquet em Daremberg (1870), p. 629-35.
  • 15
    Devid Le Lieu de Wilhelm (1691-1648), conselheiro do Príncipe de Orange, casado com Constantia, filha de Huygens.
  • 16
    Cornelius Van Hogelande,
    Cogitationes, quibus Dei existentia et animæ spiritalitas, et possibilis cum corpore unio, demonstrantur: necnon brevis historia œconomiæ corporis animalis proponitur, atque mechanique explicatur (
    Pensamentos nos quais a existência de Deus, a espiritualidade da alma e sua união com o corpo são demonstradas, com uma breve descrição da economia do corpo animal e sua explicação mecânica), Amsterdã, 1646. Convém ressaltar que esse livro é dedicado a Descartes.
  • 17
    Sucessores na Holanda: Regius, T. Craanen, Van Beverwick, Van Hogelande e E. Blancard. Na França: La Forge – comentários ao tratado
    L´Homme; Louis Henri de Rouveière –
    Nouveau cours de médecine où selon les principes de la nature et des mécaniques expliqués par MM. Descartes, Hogelande, Regius on apprend le corps de l´homme avec les moyens de conserver la santé et de classer les maladies (
    Novo curso de medicina no qual se ensina a respeito do corpo do homem juntamente com os meios de conservar a saúde e classificar as doenças, segundo os princípios da natureza das mecânicas explicados pelos senhores Descartes, Hogelande, Regius ...), 1669.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2003
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