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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  n.19 Canoas jun. 2004

 

ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO

 

A construção da pluralidade do conhecimento na formação e na prática do psicólogo no contexto do trabalho

 

The plurality of knowledge in the graduation of the psychology professional in the work context

 

 

Sylvia Mara Pires de Freitas1,I,II; Neuza Maria F. Guareschi2,III

I Universidade Paranaense – UNIPAR. Departamento de Psicologia
II Universidade Estadual de Maringá – UEM
III Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Faculdade de Psicologia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo discutimos como algumas questões políticas que permearam as fases da Psicologia Industrial, Psicologia Organizacional e da Psicologia do Trabalho ajudaram na construção do pluralismo teórico da subárea da Psicologia no contexto do trabalho, uma vez que essas se encontram hoje interagindo no mesmo contexto e assim, tornando-se faces desta subárea. A partir da configuração teórica mais plural da Psicologia no contexto do trabalho, apontamos também para o quanto essa diversidade em relação ao conhecimento interfere na política departamental das instituições, especialmente no que tange a elaboração dos planos de ensino das disciplinas e, conseqüentemente, na formação dos profissionais que desenvolvem atividades nesta área da Psicologia.

Palavras-chave: Psicologia no contexto do trabalho, Formação profissional em psicologia, Pluralismo teórico.


ABSTRACT

In this article, we discuss how political issues which have permeated the phases of Industry Psychology, Organizational Psychology and Psychology of Work, contributed to the construction of the theoretical diversity of the sub-area of Psychology in the working context, since these phases today have been interacting in same context, thus, becoming phases of this sub-area. From the more plural, theoretical configuration of Psychology, we also draw attention to how much this theoretical diversity, in relation to this knowledge, interferes in the departmental politics, especially concerning the construction of education plans and consequently in the graduation of professionals.

Keywords: Psychology in the work context, Professional graduation in psychology, Theoretical diversity.


 

 

Diante das crescentes demandas quanto à responsabilidade social da Universidade, esta se viu dividida entre os apelos do mundo industrial e do mercado e as necessidades sociais das comunidades nas quais está inserida. Esta divergência colabora para produções científicas, tanto no ensino, quanto na pesquisa e na extensão, de concepções teóricas das mais diversas. Por um lado, a necessidade de atender a interesses distintos, propicia o aumento da pluralidade teórica na produção científica. As teorias trazem em seu bojo idéias comprometidas com determinadas concepções de ser humano, com o social, com a ética, com ações, as quais tendem a gerar ou não transformações, marcando um determinado posicionamento político. Por outro lado, esta mesma pluralidade acarreta dificuldades para a política departamental dos cursos de Psicologia, visto que estes precisam atender à exigência de um projeto pedagógico, conforme definido pelas agências governamentais de educação, como o Ministério da Educação e Cultura (MEC). A existência de um projeto pedagógico pressupõe que este se apóia em uma política comum do departamento, que orientará ações dos/as docentes no curso.

Diante o exposto, intentamos mostrar neste artigo, uma discussão3 sobre a construção do pluralismo teórico mediante algumas questões políticas, bem como tal diversidade pode interferir na política departamental dos cursos de Psicologia, no que diz respeito à construção dos Planos de Ensino da subárea4 da Psicologia no contexto do trabalho5 . Em um primeiro momento, mostraremos algumas questões políticas, teóricas e práticas que permeiam a formação do profissional de Psicologia no contexto do trabalho, de acordo com a construção histórica de cada fase/face6 desta subárea. Para isto, realizaremos uma contextualização dos primórdios da Psicologia e da Psicologia no contexto do trabalho uma vez que, quando estas foram gestadas no Brasil, ainda não estavam regulamentadas enquanto profissão, sendo que, após a regulamentação, a Psicologia no contexto do trabalho foi colocada como uma subárea da Psicologia. Em um segundo momento, apresentaremos como essas questões produziram um pluralismo teórico que buscaram atender às distintas facções da sociedade, e o quanto esta pluralidade interfere na política departamental. Para esta discussão, fundamentamo-nos nas falas de 08 (oito) profissionais/docentes entre mestres e doutores, que atuam a mais de 09 (nove) anos na subárea da Psicologia no contexto do trabalho, em Instituições de Ensino Superior, particulares, federais e estaduais, dos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

 

Algumas questões políticas, teóricas e práticas que permeiam a formação em psicologia do trabalho

A Psicologia no contexto do trabalho surgiu no bojo da sociedade capitalista e foi desenvolvendo suas novas fases/faces de acordo com os momentos históricos dessa sociedade. No Brasil, esta subárea teve seus primórdios quando a sociedade brasileira viveu a transição da economia agroexportadora do café para uma economia industrial. A industrialização exigiu que os seres humanos desempenhassem atividades mais complexas e especializadas para atender ao processo produtivo. Deste modo, também foi necessário um campo de saber capaz de selecionar, acompanhar e treinar a mão-de-obra que comporia o trabalho industrial, e que também, com estas atividades, pudesse justificar o processo de inclusão e exclusão do trabalhador no mercado de trabalho.

A Psicologia Industrial - a primeira fase/face da Psicologia no contexto do trabalho - entra no mundo do trabalho para atender às demandas criadas por um sistema de produção sob o controle de classes hegemônicas, as quais visam o acúmulo de capital. Sendo assim, não podemos apartar a criação deste campo de conhecimento científico das questões políticas e econômicas que permeavam e permeiam as relações de produção.

Como um campo de conhecimento ainda não regulamentado como profissão, a Psicologia no contexto do trabalho iniciou suas atividades no Brasil no início do século XX, mediante a participação de médicos, educadores, administradores e engenheiros, os quais dirigiram sua atenção para o contexto das fábricas a fim de contribuir com seus conhecimentos para o aumento da produtividade (Nunes, 1998). As atividades iniciais da Psicologia Industrial, fundamentadas pela Teoria da Administração Científica de Taylor, restringiram-se à seleção e as técnicas de colocação e orientação vocacional e profissional, apoiada nos testes psicológicos. A criação e o desenvolvimento destas atividades se deram em decorrência da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), inclusive os testes psicométricos, que, nesta guerra puderam “[...] ser usados na designação de civis para diferentes tipos de tarefas militares” (Farr, 1998, p. 185). Mais tarde, com a contribuição dos estudos realizados pela Escola das Relações Humanas, esta fase/face amplia suas atividades, desenvolvendo as técnicas já existentes, direcionadas à seleção e colocação de pessoal, à avaliação do desempenho, à análise e descrição de cargos e aos estudos ergonômicos, e introduzindo o treinamento de pessoal, a partir das técnicas de dinâmica de grupo.

As condições nos campos político-ideológico, econômico, e científico-tecnológico dos EUA no período entre as guerras (1919-1939) foram favoráveis para o desenvolvimento de uma ciência direcionada aos processos grupais naquele país. Estas condições, na década de 30, permitiram que autores fundamentais para a dinâmica de grupo fossem desenvolver seus trabalhos nos Estados Unidos. Muitos deles eram de origem judaica e fugiam do nazismo alemão, como Kurt Lewin e Jacob Levy Moreno. Carneiro (2003) acrescenta que a recessão favoreceu o estudo, por parte dos psicólogos, dos fatores determinantes de rendimento das equipes de trabalho. Na fase de recuperação houve a necessidade de mobilização coletiva, o que necessitou dos cientistas, pesquisas sobre os meios de ações sobre os grupos humanos. No período de preparação para a Segunda Guerra, pesquisas sobre os fatores de coesão e eficácia das pequenas unidades de trabalho, os elementos do moral dos grupos isolados em operações, e outros estudos sobre processos grupais foram intensificados.

Farr (1998) também coloca que houve interesse pelos Estados Unidos, durante e depois da Segunda Guerra Mundial, pela compreensão da dinâmica de pequenos grupos, como por exemplo, os estudos clássicos de Kurt Lewin, com grupos de treinamento, conhecido como T-group, dentre outros. O pressuposto básico deste estudo era de que a conduta individual é possível de modificação através da transformação do comportamento em grupo (Lewin, 1975). Sendo assim, o trabalho da Escola das Relações Humanas, voltado para o contexto do trabalho, contribuiu, como ainda contribui para a modificação da conduta individual através de técnicas grupais objetivando a produtividade e o lucro.

No tocante à profissão de psicólogo, esta foi regulamentada no Brasil no ano de 1962. A Psicologia Industrial já se encontrava como uma subárea consolidada. No início do século vários testes mentais haviam sido construídos por médicos, e várias Instituições, como o Idort, o Dasp, haviam legitimado as atividades psicométricas. No entanto, apesar de esta subárea já ter conquistado seu espaço, observamos que as dificuldades encontradas para a legalização da Psicologia enquanto profissão deveram-se, em grande parte, à hegemonia da classe médica que atuava nesse campo de estudo. Não obstante, a dificuldade da legalização da Psicologia enquanto profissão não ocorreu relacionada aos trabalhos da Psicologia no contexto de produção, mas sim em face das atividades de psicoterapia. A regulamentação somente ocorreu quando foram delegadas aos futuros psicólogos as atividades relativas aos problemas de ajustamento, ficando o termo clínico restrito aos médicos.

A concepção brasileira de uma Psicologia apoiada na idéia de ajustamento, da época de sua regulamentação enquanto profissão foi influenciada pela Psicologia americana, cuja orientação e atitude é de base funcionalista. A ênfase nos estudos dos processos funcionais, através dos testes psicológicos, da aprendizagem, da percepção, e de outros, objetivam investigar o “[...] organismo em sua adaptação e ajustamento ao meio ambiente” (Schultz, 1995, p. 123). Desta maneira, a Psicologia apoiando-se nesta concepção tende a compreender que a sobrevivência ao mercado produtivo cabe aos seres humanos que apresentarem maior capacidade de adaptação ao mesmo. Tal idéia retira do social a responsabilidade pelos problemas de exclusão do ser humano deste mercado. Além disso, o reconhecimento por decreto-lei da Psicologia enquanto profissão coincidiu com o grande desenvolvimento do parque industrial brasileiro, denotando a exigência de profissionais aptos a desenvolver atividades voltadas aos recursos humanos.

Quando da regulamentação da Psicologia como profissão, o objetivo da classe médica era de manter restritas ao seu domínio as atividades psicoterapêuticas, ficando sob responsabilidade dos psicólogos os problemas de ajustamento. Este fato nos faz notar uma separação de status face aos objetos de estudo da Psicologia Clínica e da Psicologia no contexto do trabalho. Enquanto a Psicologia Clínica direcionaria seus estudos à elite, compreendendo um campo individualizado e particularizado, com o objetivo de libertar os indivíduos, a Psicologia no contexto do trabalho teria a classe operária como seu objeto de estudo. Contudo, as atividades dessa última subárea não se respaldaram no sentido de libertação, mas sim da normatização e do ajustamento dos comportamentos.

Já regulamentada, a Psicologia passou a ser oferecida como um curso de graduação universitário. Diante disso, tornou-se uma área de escolha profissional. No entanto, parece-nos que a escolha por esta área enquanto profissão fundamentava-se mais pelo cunho humanitário-assistencialista do que pelo profissional, como nos mostra pesquisa realizada por Bastos e Gomide (1989), na qual há a afirmativa que ideais humanistas são apresentados como motivadores da escolha do curso. A Psicologia nos anos 60 também compreendia, como a Medicina, que as perturbações e doenças do indivíduo eram de responsabilidade individual, dimensionando como responsabilidade do indivíduo o ajustamento às normatizações sociais. Acreditando que a cura estava no âmbito individual, a Psicologia Clínica ganha status. (Cambaúva; Silva e Ferreira, 1998). O ideário de liberdade e igualdade também influenciou os trabalhadores, que viam no curso superior uma forma de poderem estabelecer uma relação autônoma com o mercado de trabalho. A idéia de progresso estava intimamente ligada à autonomia do trabalhador para negociar com o mercado, sendo a educação um dos meios para se conseguir a ascensão social. Estes dois pontos representavam, juntamente com os ideais humanistas, com o tecnicismo - configurado pelas idéias pragmáticas - e com a valorização da Psicologia Clínica, valores que se transformaram em motivos para a escolha da profissão fundamentados na concepção liberal, no romantismo e no racionalismo técnico-disciplinar, ideal este desenvolvido no sistema capitalista. Na década de 70, o Brasil importa os paradigmas do Desenvolvimento Organizacional, enquanto os norte-americanos e japoneses entravam na era da Qualidade Total (Canha, 1998).

O Desenvolvimento Organizacional visava melhorar a eficiência da organização em longo prazo; a mudança organizacional se processaria através da resolução de conflitos entre as forças exógenas, influenciadoras no ambiente organizacional, como as novas tecnologias, as políticas, a economia etc., e as forças endógenas, provenientes do próprio interior da organização (Chiavenato, 1983). Verificamos aqui que a concepção de conflito é vista como inevitável; no entanto, assim como na Teoria da Administração Científica e na da Escola das Relações Humanas, o conflito deve ser amenizado, evitado e/ou extinto. No início da década de 80, o Brasil já tinha apresentado uma abertura em direção à democracia, tendo em vista que a elevação assustadora da dívida externa, a inflação, o baixo poder aquisitivo dos trabalhadores e o aumento dos juros, impossibilitaram a sustentação do modelo econômico implantado no início da ditadura de 64. Em 1978, os trabalhadores, por terem adquirido um elevado nível de consciência política, se convenceram da necessidade de fortalecer a sua organização, deflagrando muitas greves neste período (Chenso e Kupper, 1998).

Um novo campo de estudo tinha começado a ser produzido dentro da Psicologia no contexto do trabalho: o da saúde mental e trabalho. A inclusão dos estudos sobre a saúde mental do trabalhador se deu a partir da prática interdisciplinar construída na década de 80, quando a expressão Saúde do Trabalhador surgiu no Brasil através do Movimento pela Reforma Sanitária, em contraponto aos modelos hegemônicos implantados pelas práticas da Medicina do Trabalho, Engenharia de Segurança e Saúde Ocupacional. A diferença do modelo atual de saúde do trabalhador para o anterior se dava pela concepção de que o trabalhador é um sujeito ativo no processo de saúde-doença, devendo intervir/participar nas ações de saúde, o que se contrapõe à idéia anterior de um sujeito passivo, tomado como objeto da atenção da saúde (Nardi, 1999). Esta mudança do enfoque redefiniu a maneira da Psicologia compreender a saúde mental do trabalhador. Antes, os problemas advindos da relação ser humano-trabalho não eram concebidos como problemas relacionais. O contexto do trabalho só era considerado como uma referência para o ajustamento do trabalhador, e não como um fator constitutivo do adoecimento e da saúde mental, como passou a ser compreendido após a década de 80 (Tittoni, 1999).

Este período foi marcado ainda por dois acontecimentos na área da Psicologia no contexto do trabalho no Brasil, fatos estes contraditórios e vinculados a diferentes compromissos políticos. Um deles foi o movimento questionador, proveniente da Psicologia Social crítica, com relação ao fazer da Psicologia no contexto das relações de trabalho, que era considerado pelos teóricos críticos como um fazer comprometido com a classe dominante e com a manutenção do status quo do sistema capitalista. Este movimento se colocou em oposição ao modelo de Psicologia Social dos Estados Unidos, fundamentado nos pressupostos positivistas de causa/efeito, cujos principais elementos são a objetividade, a experimentação/comprovação, a neutralidade e a generalização (Guareschi, 2001).

O outro movimento foi o surgimento dos CCQ’s (Círculos de Controle de Qualidade), os quais se fundamentaram no envolvimento e na participação dos trabalhadores, mediante uma identificação positiva com o processo de trabalho, objetivando a economia, a racionalização e a melhoria da qualidade final do produto (Morro, 1999). Segundo Vico (1986), o CCQ serve mais para intervir na comunicação verbal entre chefias e grupos do que para contribuir com as transformações no sistema de trabalho em si, tendo em vista que sua metodologia baseia-se em reuniões de discussão sobre a melhoria da qualidade dos produtos para a satisfação do cliente. Outras críticas são realizadas ao CCQ por Fonseca (1984) e Salemo (1985). Estes autores apontam o CCQ como uma estrutura paralela, em que os integrantes continuam subordinados à hierarquia formal, não dando oportunidades para mudanças no processo produtivo, sendo que sua implantação nem sempre está atrelada a uma política de participação. Na realidade, o interesse político e econômico dos donos de empresa eram implantar a Qualidade Total objetivando a certificação do ISO 9000. Canha (1998) menciona que a busca pelo certificado era mais por fins comerciais do que pela própria qualidade dos seus produtos. Se por um lado, eram dirigidas críticas ao “lobo-mau da Psicologia”, parafraseando Codo, por outro, a atividade de implantação da Qualidade Total nas organizações engrossava a lista das atividades do psicólogo.

O início desta nova fase/face da Psicologia no contexto do trabalho brasileiro foi atravessado por uma crise econômica em 1983, que provocou desemprego em larga escala, e a decorrência foi a redução dos quadros de pessoal de forma hierárquica. Os primeiros a serem desempregados foram os trabalhadores não qualificados, e em seguida os de nível superior, dentre eles os psicólogos. Nas organizações, quem sofreu diretamente foram os profissionais de Recursos Humanos (Moura, 1986), e uma das saídas dadas por estes profissionais à crise foi o trabalho autônomo de consultoria. Esta crise econômica gerou a precarização das relações de trabalho. Nos últimos vinte anos o emprego formal vem sendo substituído pelo emprego informal, o emprego sem registro. Sendo este clandestino, dispensa o empregador de arcar com as taxas tributárias do empregado, como o fundo de garantia, 13o salário, aviso prévio, férias etc. No entanto, muitas empresas de grande porte não podem ser coniventes com estas práticas ilegais e então reduzem seus gastos substituindo empregados formais por trabalhadores temporários, que são fornecidos por empresas locadoras de serviços de mão-de-obra temporária ou por prestadores de serviço (Singer, 2000).

O ideário neoliberal apresentou como proposições: a contração da emissão monetária, a elevação das taxas de juros, a diminuição de taxação sobre os altos rendimentos, a abolição de controles sobre os fluxos financeiros, a criação de níveis massivos de desemprego, o controle e repressão sindical, o corte dos gastos sociais pela desmontagem dos serviços públicos e um amplo programa de privatizações (Netto,1990). Estes fatos nos levam a crer que o valor direcionado às atividades práticas foi produzido “pelas exigências do desenvolvimento tecnológico, da crescente transformação da ciência em força produtiva [...]” (Santos, 1999, p. 200).

Assim, vendo-se impelida para direções opostas, “a universidade pôde tomar cada uma delas sem mudar de lugar” (ibidem). Desta maneira, podemos supor que a manutenção de atividades de fases/faces da Psicologia no contexto do trabalho, as quais compreendem objetivos mantenedores do status quo do sistema capitalista, tais como aquelas hegemônicas da Psicologia da Indústria e da Psicologia Organizacional, colabora na resolução dos problemas das classes empresariais; enquanto a inclusão das atividades da Psicologia do Trabalho favorece os “grupos sociais dominados” (ibidem). Talvez por isso, podemos compreender porque o Zeitgeist positivista, apesar de ter sido superado por outros paradigmas, está presente em todos os momentos da história da Psicologia no contexto do trabalho.

 

O pluralismo teórico permeando a formação do psicólogo no contexto do trabalho

Conforme dissemos anteriormente, a necessidade das universidades em atenderem os apelos do mundo industrial e os do mundo dos trabalhadores, colabora para a produção de concepções teóricas das mais diversas. Conseqüentemente, a falta de recursos financeiros do Estado para investimento nestas produções gerou a centralização dos mesmos nas mãos de agências, como por exemplo, grandes empresas interessadas nos ganhos de produtividade, o que impulsiona o crescimento de produções científicas que colaborem com a manutenção do status quo capitalista. O incentivo à busca por recursos externos, não estatais, acaba por privilegiar a investigação aplicada, o que fortifica as relações universidade-indústria. A autonomia docente na escolha dos temas para investigação começa a se fragilizar quando os temas passam também a serem definidos pelos interesses das agentes financiadores das pesquisas. Por outro lado, as pressões de orientações políticas e sociais exigem das IESs produções mais críticas, que denunciem as contradições do sistema capitalista, como a exclusão social, o empobrecimento do operariado, o aumento do desemprego, a baixa qualidade de vida, que são mais evidenciadas em países com uma economia menos desenvolvida, como o Brasil. Diante este fogo cruzado, as IESs começam a perder seus valores da ética científica, tais como “[...] o comunismo, o desinteresse, o universalismo, o cepticismo organizado [...]” (Santos, 1999, p. 204). Esses aspectos nos levam a pensar sobre duas questões. Uma delas é a necessidade de atender a interesses distintos que propicia o aumento da pluralidade teórica na produção científica. A outra é esta mesma pluralidade que também acarreta dificuldades para a política departamental dos cursos de Psicologia:

[...]os programas foram construídos assim, não foi alguém que chegou lá e construiu, teve uma discussão, inclusive agora está havendo uma grande discussão porque o currículo vai mudar. Estão vendo assim, estratégias, que tipo de psicólogo a faculdade quer formar. Essa discussão envolve professores/as, envolve alunos/as [...], existem reuniões por semestre, reuniões anuais e que são discutidas essas coisas. [...] de vez em quando surge algum tipo de necessidade, que são feitas reuniões assim, de nível, como se chama [...].

Os planos são construídos pelos docentes integrantes da subárea de Psicologia no contexto do trabalho: “[...]na verdade nós sentamos e discutimos [...]. Discutimos no coletivo da área”. Do coletivo do departamento de Psicologia, passando pela subárea, chegamos a “[...] um grupo de professores/as que eram responsáveis pela disciplina. Então eles/as montavam um programa, já dentro de um encadeamento prévio, pra não fugir da cadeia e esses/as três professores/as submetiam o programa à área e depois ao departamento”.

A política de construção dos planos de ensino em outra IES corrobora com a idéia do individualismo. Nessa instituição, docente tem autonomia para construir o plano de ensino da disciplina a qual ministrará seu conteúdo:

A construção do plano acho que é muito similar às outras Universidades. Os professores constroem os planos de ensino, passa por uma comissão que avalia os planos, mas avalia mais do ponto de vista pedagógico, assim..., as questões pedagógicas, estruturas, coerência interna, se tem uma programação, se não tem, se cumpre, é aquela coisa mais administrativa, e o professor constrói seu plano, tem absoluta autonomia.

Apesar dos planos serem construídos pelos docentes das disciplinas, os avais finais são centralizados nas mãos de uma pessoa, não oficialmente instituída como coordenadora do eixo de disciplina:

[...]os/as docentes discutem bibliografias das novidades e algumas adaptações de conteúdo programático [...], mas é o coordenador de disciplinas que vai dar, vamos dizer assim, um encaminhamento de uma matéria com a outra e aí vai ser aquela pessoa que vai poder falar: esse conteúdo está demais, esse aqui está de menos.

Notamos que esta política centralizadora forja um movimento na construção dos planos, que a princípio parece ser coletivo. Sendo o objetivo desta IES normatizar os planos “pra que todo mundo fale a mesma linguagem”. A idéia de igualdade parece ser imposta hierarquicamente, e não conquistada pelo coletivo.

Podemos observar que, de uma forma geral, a política de construção dos planos de ensino das IESs envolve os docentes da subárea de Psicologia no contexto do trabalho. No entanto, um profissional refere à pluralidade teórica nesta subárea de sua IES:

[...] nosso curso é muito plural [...], quando a gente fala subárea do trabalho a gente está englobando a subárea organizacional ou a subárea das pessoas preocupadas nas relações entre comportamento e organizações. E aí temos, digamos assim, linhas de trabalho que vão no sentido de pensar as organizações mais como instituições, ou como processos quase que sociopsicológicos, menos necessariamente organizacionais ou do trabalho. Eu tenho uma atuação mais do ponto de vista de uma Psicologia do Trabalho típica, com orientação mais ergonômica, com forte incidência orgânica, mas aí tem também os psicólogos docentes organizacionais, tem os psicólogos formados na subárea organizacional mas com mestrado ou doutorado na área da administração, então são psicólogos mais organizacionais [...].Então tem um espectro, e tem um Psicólogo do Trabalho formado/a em Social, doutorado em Social que tem uma preocupação, vamos dizer assim, mais comunitária ou próxima disso, o trabalho dos movimentos sociais, o trabalho como modo de construção de subjetividade dos processos sociais [..].

Diante esta diversidade teórica, como os docentes conseguem oficializá-las nos planos de ensino? É neste momento que em algumas IESs, a política departamental esbarra em dificuldades. Se por um lado a IES abre espaço para que a subárea seja composta por docentes com concepções teóricas distintas, o qual não podemos negar ser um espaço rico e fértil, por outro esta mesma riqueza demonstra se perder no projeto pedagógico, quando este deve ser orientado para o mercado de trabalho. Observamos a política da educação para o trabalho quando Freitas (2000) nos coloca que o Projeto Pedagógico “[...] como instrumento de ação política, deve propiciar condições para que o cidadão, ao desenvolver suas atividades acadêmicas e profissionais, paute-se na competência e na habilidade, na democracia, na cooperação, tendo a perspectiva da educação/formação em contínuo processo como estratégia essencial para o desempenho de suas atividades” (p. 15).

Apesar desse autor reconhecer as mudanças nas relações do mundo do trabalho pelo processo de globalização, a saída que dá para a formação continua pautada, principalmente, pelas exigências do mercado de trabalho. Sendo assim, quais modelos teóricos melhor atenderiam estas exigências? E exigências de quem? Das classes hegemônicas? Da classe dos trabalhadores? De ambas? As respostas para estas perguntas ficam a cargo das próprias IESs; contudo, a dificuldade em defini-las no coletivo de cada subárea, e principalmente no curso de Psicologia, dá-se justamente porque as concepções teóricas dos docentes encontram-se comprometidas com macropolíticas, sejam elas reacionárias ou revolucionárias. Assim, ao mesmo tempo em que o mundo acadêmico é incitado a atender as demandas do mundo do trabalho nas suas mais diversas contradições, de que são exemplos os problemas relacionados à necessidade da produtividade em oposição àqueles referentes à exclusão social, também é exigida uma definição da política pedagógica do curso, o que abarca, entre outros aspectos, a elaboração dos planos de ensino. Sendo assim, podemos supor que, quanto mais pluralismo teórico um curso - ou mesmo uma subárea - apresentar, mais dificuldades haverá em definir seu projeto pedagógico, assim como na construção dos seus planos de ensino. Não queremos dizer com isto que o ideal seria um curso que apresentasse um reducionismo teórico, pois perderia sua riqueza na produção de conhecimentos, mas que a dicotomia entre a política pedagógica e a pluralidade do conhecimento foi produzida pela própria contradição estabelecida entre o mundo da universidade e o mundo do trabalho.

Como os profissionais se posicionam perante tais contradições? Que análises fazem da subárea da Psicologia no contexto do trabalho a que pertencem? Verificamos que eles apresentam os mais diversos posicionamentos. Alguns demonstram conhecimento sobre tais contradições, apontando por conseqüências diversas, outros referem um posicionamento mais fechado sobre a subárea:

[...] enquanto a gente tem possibilidades que a pluralidade nos revela, boas possibilidades de formação; entretanto na hora em que a gente vai formular o plano de ensino, aí tem dificuldade administrativa, de pensar a Psicologia como se administrativa. Quando a gente vai formular os planos de ensino, aí começa uma dificuldade de abstrair toda essa minha possibilidade e acabo formatando os planos, através do efeito reducionista pedagógico. [...] Você vai ver nos Planos de Ensino aquelas categorias às vezes clássicas, às vezes muito antiga [...], o psicólogo virou zelador do conhecimento.

Isto alerta sobre a redução do pluralismo teórico a temas clássicos. Talvez a forma de não instituir mudanças no plano de ensino que contemplem temas mais polêmicos seja mantê-lo em seu estilo clássico, através dos temas já institucionalizados pela própria subárea no decorrer da história desta. A subárea pode ser tomada como “muito problemática”, quando se observa o pluralismo teórico nas formas diferenciadas dos docentes ministrarem o mesmo conteúdo formalizado nos planos de ensino:

[...] eu vejo que, pelo programa eu não teria muito dessas minhas preocupações com os alunos. O outro professor que divide aula comigo tem uma visão diferente.[...], ele tem uma visão crítica, mas, ele é muito mais do capital do que do trabalho. [...] nosso programa é o mesmo, mas ele dá aula do jeito dele e eu dou aula de outro jeito. As discussões que eu introduzo nas aulas são diferentes das discussões que ele introduz.

Assim, o que parece imperar é a igualdade pela normatização, e não a liberdade e autonomia do docente. Por um lado a exigência é que a subárea seja unívoca; todos devem falar a mesma linguagem, linguagem esta que é definida pela Comissão de Avaliação do Ensino Superior, instituída pelo MEC; contudo, por outro lado se perde a riqueza que a pluralidade teórica proporciona. Ao analisar a subárea de Psicologia no contexto do trabalho de uma IES, pode-se perceber que a formação nesta subárea é “[...] fracionada, não existe uma linha de pensamento coesa, firme, tipo: nós vamos preparar o aluno para uma atuação “x”, dentro da área da Psicologia do Trabalho”. O que o profissional critica é justamente a falta de um projeto pedagógico que dê coerência para a formação nesta subárea:

[...] a disciplina de Psicologia do Trabalho tem que sofrer reformulação, não sei se muito grande [...], ela está muito atrasada em termos de conteúdo teóricos, da preparação do/a aluno/a para ele/a ir pro estágio [...], ela é Chiavenato ainda, ela é muito industrial, muito organizacional, uma visão da organização e não uma visão do indivíduo [...], os/as alunos/as ficando vendo recrutamento, seleção, cargos e salários, avaliação e desempenho [...].

Podemos observar a falta de coerência no projeto pedagógico da subárea de Psicologia no contexto do trabalho, do curso deste profissional quando o mesmo intitula a disciplina como Psicologia do Trabalho e contempla conteúdos relativos a fase/face da Psicologia da Indústria. Um outro ponto é a atribuição de conteúdos, como o recrutamento, seleção, cargos e salários e avaliação e desempenho a “[...] uma visão organizacional e não a uma visão do indivíduo [...]”. Porém, tais atividades não estão ligadas a fase/face da Psicologia Organizacional e sim a fase/face da Psicologia Industrial, bem como estas atividades apresentam concepções que contemplam o indivíduo e não a organização.

A fase/face da Psicologia do trabalho iniciou seus estudos não mais se preocupando com a questão da produtividade, da eficiência, da normatização e do controle do comportamento humano como as duas anteriores, mas sim com o que é produzido nas relações ser humano-trabalho, no contexto das políticas liberal e neoliberal. O sofrimento mental do trabalhador, a psicodinâmica do trabalho, as relações entre subjetividade e trabalho são temas hegemônicos desta subárea.

Por expandir o contexto de estudo, a Psicologia do Trabalho deparou-se com novas formas de relações de trabalho, dentre elas o mercado informal. A fragilização das instituições formais no Brasil, pelo processo de abertura da economia ao comércio e investimentos exteriores e o aumento da taxa tributária com empregados registrados que as empresas de médio e pequeno porte se vêem incumbidas de pagar ao governo, aumentam o mercado informal e o mercado terceirizado (Singer, 2000 p. 112), o que se configura num montante de mão-de-obra autônoma, a maioria sem respaldo das leis trabalhistas. Este autor menciona que, no Brasil, em 1990, “[...] 54% eram de empregados informais, 30,5% eram autônomos, 13,7% eram mão-de-obra familiar e apenas 1,8% eram empregados”. Estes dados nos mostram os índices de excluídos do emprego formal, índices altíssimos de exclusão social.

Verificamos com isto uma nova dicotomia dentro da subárea da Psicologia no contexto do trabalho. Se, até então, as atividades das fases/faces da Psicologia da Indústria e da Psicologia Organizacional, orientavam por uma educação para o mercado de trabalho, passou a se perguntar: a que mercado deve orientar a Psicologia do Trabalho? Para o mercado formal ou informal? Ou para os dois? Se esta não orienta para o mercado produtivo, mas fundamenta-se na intenção de denunciar o que as relações de trabalho têm produzido na subjetividade do trabalhador, como sobreviverá no mercado de trabalho? Estamos diante de contradições na formação de psicólogo para a subárea da Psicologia do Trabalho. E tais contradições são colocadas de forma a fazer oposição ao movimento da Psicologia Social crítica:

[...] essa área social invadiu a Psicologia do Trabalho, e os professores novos começaram a ter uma interpretação daquelas teorias, daqueles textos, de uma forma muito radical. Então chegou ao ponto em que a gente não faz Psicologia do Trabalho, mas só faz Psicologia Social [...]. Então a área de Psicologia do Trabalho na universidade era uma área de Psicologia Social [...]. Do ponto que tá, nós só ficamos criticando, criticando, criticando [...]. Então a gente não ensina pro aluno, por exemplo, como fazer seleção de pessoal. Quando ele sai da universidade e vai arrumar um trabalho, o primeiro que ele arruma é pra fazer seleção, aí o aluno volta desesperado, ou não volta e faz do jeitinho que a empresa faz e acha que não ta cumprindo o papel dele. Embora seja um sistema perverso, ele existe, ele está aí, é ele que mantém a sociedade.

Estes tipos de posicionamentos ilustram contradições da formação nesta subárea. Ao mesmo tempo em que se mostram críticas, também revelam concepções naturalistas ou formas diferenciadas de compreender o mercado de trabalho:

[...] nós começamos a configurar as disciplinas de trabalho em torno das mudanças do trabalho mesmo. Então a gente já trabalhava com o setor informal naquela época [...], estamos trabalhando com uma parte do mercado mais voltado para as políticas públicas [...], muito por conta da abertura do mercado em absorver grande parte dos formados na saúde pública, e porque essa abertura coloca também o trabalho na rede pública e não só no universo organizacional [...].

Apesar de se evidenciarem preocupações políticas para o público, para o coletivo, para as questões sociais, ou seja, uma política que transcende as questões pautadas somente nas relações produtivas do mercado, a dificuldade de intersecção com outras áreas e outros departamentos, ocasionada pelo pluralismo teórico e pela autonomia departamental, é também reconhecida:

[...] nós temos uma questão no curso, os departamentos são muito autônomos e a gente tem muita dificuldade, até porque temos muitas diferenças teóricas, de produzir intersecções entre os departamentos. Então hoje a gente tem uma discussão com a clínica na área da saúde pública, a gente está tentando interseccionar com a clínica pra poder discutir políticas de saúde e trabalho que nos interessa, mas ainda é uma coisa bem recente. Mas depende muito das atividades que as pessoas tem entre elas, isso não tenha dúvida. [...] a gente vai criando, vai fazendo parcerias com as pessoas assim que a gente tem entendimento, e às vezes não é só dentro do departamento, mas também outros departamentos.

A Psicologia do Trabalho, por abarcar o tema do trabalho e por este ser de interesse de várias disciplinas, apresenta como “[...] uma característica recente [...] a interação e a interdisciplinaridade. Conhecimentos de áreas afins são úteis à compreensão do fenômeno humano na situação de trabalho [...]” (Sampaio, 1998, p.29-30). Este autor cita algumas disciplinas com as quais a Psicologia do Trabalho se intersecciona: Administração, Sociologia do Trabalho, Antropologia das Organizações, Filosofia, Ergonomia, Engenharia, Direito Trabalhista, Medicina, Economia e outras áreas da Psicologia.

O interesse do Estado pelo desmonte do aparelho público veio favorecendo o fortalecimento do campo privado. O compromisso do MEC com o ajuste neoliberal incentiva o aumento dos convênios com empresas e IESs privadas, o que proporciona, na relação universidade - mundo do trabalho, o aumento de pesquisas aplicadas para atender ao interesse destes campos (Silva JR. e Sguissardi, 1997). De outro lado, o aumento da exclusão social por este tipo de política proporcionou o surgimento de movimentos políticos que denunciassem a exclusão social. A criação do PT, em 1980; a criação da Abrapso, também neste ano, dentre outros, foram alguns destes movimentos que também incitaram a universidade a assumir sua responsabilidade social. Esta subárea, antes dos anos 80, apresentava duas fases/faces históricas criadas e geradas por uma concepção adaptacionista e mantenedora de relações autoritárias. Com a pressão dos movimentos de resistência por parte, especialmente, do operariado, surgiu a Psicologia do Trabalho, questionando a concepção de ser humano-trabalho. Não mais somente comprometida com o aumento da produtividade, mas também com as vivências e experiências estabelecidas pelo trabalhador na relação com o processo de trabalho, esta nova fase/face, amplia seus campos de intersecção com outras disciplinas.

 

Considerações finais

Se por um lado, a pluralidade teórica representa uma riqueza, pela multiplicidade de análises sobre produções científicas, por outro, a diversidade no conhecimento pode gerar competitividade e uma tendência a se tomar posturas sectárias em relação a este. Estas questões então, algumas vezes, presentes nas IES, dificultando assim, o crescimento para o projeto pedagógico do curso de Psicologia.

Diversas razões podem justificar o pluralismo do conhecimento na formação da Psicologia no contexto do trabalho; mas o que parece ser primordial é reconhecer que a diversidade teórica é também produzida por posturas epistemológicas cujos pressupostos possuem maneiras diferenciadas tanto para a compreensão de ser humano quanto para as análises deste nas suas relações no processo de trabalho. Podemos supor que é justamente a crise permanente das relações de trabalho que se mostra mais explícita nos países ditos emergentes, pois gera uma tensão entre as teorias que procuram falar a linguagem do capital e aquelas que o criticam. Essa tensão denota a necessidade de que, em momentos de transição paradigmática, as dicotomias ou polarizações sejam superadas em questões fundamentais como, por exemplo, a importância do trabalho na vida das pessoas.

Ao invés de tentar contrapor as ações transformadoras às adaptacionistas, podemos pensar em um movimento de idéias e ações que não se reflitam em sínteses rápidas ou superficiais sobre os processos históricos e políticos que constroem as áreas de conhecimento da formação profissional. Entretanto, não podemos ser ingênuos para pensar que uma teoria crítica, a curto prazo, venha deflagrar e irromper com o sistema mantido à custa das relações de trabalho e produção vigentes e, que esta, também não possua contradições. Além disso, os conhecimentos de cunho crítico tendem, com o passar do tempo ou pela continuidade das práticas sem reflexões, a serem incorporados pelos discursos hegemônicos como forma de apropriações para uso próprio.

O sistema procura resolver as suas contradições atacando justamente os pontos que mais o deflagra, apropriando-se do discurso de seus críticos. A concepção crítica não pode estabelecer “por si” os fundamentos de oposição, mas procurar mostrar o que está posto, na tentativa de dar visibilidade das relações contraditórias ou hegemônicas, como forma de criar condições para que se possa vislumbrar novas relações de trabalho.

É neste sentido que consideramos de extrema importância o conhecimento da Psicologia no contexto do trabalho e a reflexão epistemológica que permeiam as teorias que fundamentam esta área. Direcionando suas atividades para as relações de trabalho, essa área do conhecimento e o profissional dela têm lidado, historicamente, com questões hegemônicas que procuram manter políticas adaptacionistas no campo das relações de trabalho. A preponderância desse modelo inclina-se para a produção de concepções naturalistas sobre a análise dos objetos sociais. Por isso, a necessidade de discussões sobre as implicações políticas que teorias hegemônicas podem produzir através das práticas da Psicologia no contexto das relações de trabalho.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail: sylucoci@wnet.com.br

Recebido em 04/2004
Aceito em 05/2004

 

 

1 Sylvia Mara Pires de Freitas – é Mestre em Psicologia Social e da Personalidade – PUCRS; Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Paranaense – UNIPAR e da Universidade Estadual de Maringá – UEM
2 Neuza Maria F. Guareschi – é Professora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Psicologia da PUCRS. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Estudos Culturais, Identidade/Diferença e Teorias Contemporâneas
3 A discussão aqui apresentada é o resultado da pesquisa de dissertação do Programa de Mestrado em Psicologia Social e da Personalidade, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul intitulada A Psicologia no contexto do trabalho: uma análise dos saberes e dos fazeres, e os assuntos aqui abordados, referem-se a duas questões que nortearam nossa pesquisa, quais sejam, (a) a necessidade de conhecer como estão construídos os planos de ensino da subárea de Psicologia no contexto do trabalho, em algumas Instituições de Ensino Superior (IESs) das regiões Sudeste e Sul do Brasil e, (b) como os/as profissionais/docentes se posicionam frente à construção dos planos de ensino desta subárea em suas IESs
4 O termo subárea é utilizado para identificar a Psicologia no contexto do trabalho, como uma especialidade da área de conhecimento mais ampla, que é a Psicologia
5 Quando optamos por denominar essa subárea da Psicologia como Psicologia no contexto do trabalho, estamos nos referindo, de maneira geral, à Psicologia Industrial, à Psicologia Organizacional e à Psicologia do Trabalho
6 Utilizamos a expressão face com fundamento no autor Sampaio (1998), que coloca que os diferentes momentos da construção desta subárea da Psicologia teriam suas faces compreendidas na Psicologia Industrial, na Psicologia Organizacional e na Psicologia do Trabalho, as quais atualmente coexistem no mesmo contexto. A expressão fase é utilizada conjuntamente, porque optamos também por dar ênfase aos momentos históricos em que foi construída cada uma delas

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