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A IDEOLOGIZAÇÃO DE “ROUSSEAU” NO TEATRO DA REVOLUÇÃO FRANCESA

RESUMO

O objetivo deste artigo é ressaltar o impacto das manifestações dos sans-culottes nas ruas de Paris entre 1792 e 1794 e da politização do debate público sobre a ideologização de Rousseau. De fato, no teatro da Revolução Francesa a mobilização do povo parisiense representa a referência “real” das discussões e polêmicas que se desenvolvem acerca da soberania e expressão da vontade popular. A este respeito, as divergências na teoria e na publicística lidam basicamente com a questão da legitimidade, da oportunidade e dos efeitos possíveis da ação desse povo - que ocupa as ruas de Paris - sobre os destinos das nações e as formas constitucionais dos Estados europeus. Assim, estes debates desenvolvem-se produzindo confrontações, fraturas e cisões, inclusive no interior da sociedade jacobina, marcando sua radicalização em nome de “Jean-Jacques”. O eco desta identificação reverbera até hoje. Sendo assim, esta experiência continua influenciando (até inconscientemente) nosso imaginário da política, sobretudo em momentos de crise.

Palavras-chave
Jean-Jacques Rousseau; Maximilien de Robespierre; povo; Revolução Francesa; jacobinos; democracia representativa

ABSTRACT

This paper aims to analyze the effects of sans-culottes movement and that of politicization of the public sphere during the French Revolution on Rousseau ideologization. Thus, the mobilization of Parisian people represented the real material reference for all discussions on popular sovereignty and expression of popular will. The front line was produced by different interpretations on the legitimacy, opportunity, and possible effects of such mobilization on European Nations’ destinies and their constitutional assets. The development of such debates produced confrontations and scissions within the Jacobinist movement. Jacobinism radicalization was conceived and developed “in the name of Jean-Jacques”. The echo of Jacobinist identification with Rousseau still reverberates in our imaginary. Thus, this experience is still influencing (even unconsciously) our way of thinking politics. That is the reason why Rousseau comes back on public discussion in times of crisis.

Keywords
Jean-Jacques Rousseau; Maximilien de Robespierre; people; French Revolution; Jacobinism; representative democracy

No período da Revolução Francesa que vai da “fuga de Varennes” do rei Louis XVI (20-21 de junho de 1791) à execução de Maximilien de Robespierre (27 de julho de 1794), o nome de Jean-Jacques Rousseau torna-se uma espécie de “Kampfbezug”, ou seja, uma referência polêmica e controvertida. Sendo assim, na fase conhecida e caraterizada pela radicalização jacobina, apenas a evocação de seu nome engendra a expressão quase histérica de visões políticas antitéticas acerca do processo revolucionário. Com efeito, convocar ou somente mencionar o autor genebrino suscita reações que tocam intimamente a consciência política e a identidade cultural daqueles que se sentem interpelados tanto na França como no exterior (em particular, nos principados alemães). Brevemente, o nome “Rousseau” ideologiza-se, tornando-se, assim, um indicador tanto da identificação do autor genebrino com o governo revolucionário jacobino, como da mutação profunda dos códigos da comunicação erudita no contexto de formação do espaço público, e da politização das categorias elaboradas no seio das doutrinas do direito natural na idade moderna.

O objetivo deste artigo é ressaltar o impacto das manifestações dos sans-culottes nas ruas de Paris entre 1792 e 1794 e da politização do debate público sobre essa ideologização de Rousseau. No teatro da Revolução Francesa a mobilização do povo parisiense representa a referência “real” (ou material) das discussões e polêmicas que se desenvolvem acerca da soberania e expressão da vontade popular. A este respeito, as divergências na teoria e na publicística lidam basicamente com a questão da legitimidade, da oportunidade e dos efeitos possíveis da ação desse povo - que ocupa as ruas de Paris - sobre os destinos das nações e as formas constitucionais dos Estados europeus. Estes debates desenvolvem-se produzindo confrontações, fraturas e cisões, inclusive no interior da sociedade jacobina, marcando sua radicalização em nome de “Jean-Jacques”. O eco desta identificação reverbera até hoje. Sendo assim, esta experiência continua influenciando (até inconscientemente) nosso imaginário da política, sobretudo em momentos de crise.

1. O surgimento do discurso ideológico e a politização do público

Com base nas reações à radicalização da Revolução Francesa o público alemão se divide em correntes políticas (Valjavec, 1951VALJAVEC, F. "Die Entstehung der politischen Strömungen in Deutschland 1770- 1815". Wien: Verlag für Geschichte und Politik, 1951.). Cabe entender esta divisão no horizonte da politização e ideologização das categorias jurídico- políticas. Em acordo com Koselleck, nesta fase, “não apenas slogans, senão também conceitos com pretensão teórica são cunhados e utilizados com um intuito prático”. Sendo assim, “a relação do conceito com o conceitualizado se transforma”, ou seja, “se desloca designando antecipações (Vorgriffe) verbais que pretendem ter um efeito prático influenciando o futuro”.1 1 “Aber nicht nur Schlagwörter, auch Begriffe mit theoretischem Anspruch werden in praktischer Absicht geprägt oder verwendet […] Das Verhältnis des Begriffs zum Begriffenen kehrt sich um: es verschiebt sich zugunsten sprachlicher Vorgriffe, die zukünftsprägend wirken sollen” (Koselleck, 1972, p. XVIII). Como efeito, os conceitos não descrevem apenas “espaços de experiência”, mas começam também (e sempre mais) a definir “horizontes de expectativas” (Koselleck, 1989KOSELLECK, R. "«Erfahrungsraum» und «Erwartungshorizont»: zwei historische Kategorien". In: Vergangene Zukunft. Zur Semantik geschichtlicher Zeiten. Ed. Reinhart Koselleck. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989.). De acordo com François Furet, “a Revolução francesa batizou o que ela aboliu”, isso é o “Antigo Regímen”. Sendo assim, ela definiu sobretudo “o que ela pretendia ser”, ou seja, “uma ruptura radical com o passado, deitado na escuridão da barbárie” (1988, p. 15). Esta consideração encontra uma prova evidente no discurso que Robespierre pronunciou em 10 de maio de 1793:

Chegou o tempo de chamá-la [a sociedade] a seus verdadeiros destinos; os progressos da razão humana prepararam esta grande Revolução, e a vós especialmente é imposto o dever de acelerá-la. Para cumprir vossa missão, é necessário fazer precisamente o contrário do que existiu antes de vós (1999, p. 95).

Em conformidade com Lucien Jaume, a produção de panfletos e folhetos, que marca neste sentido a Revolução Francesa, constitui o âmbito da emersão do “discurso-ação” ou “discurso ideológico” como “agente essencial dos artifícios da política moderna” (1989, p. 22). Este tipo de discurso é essencial para entendermos o movimento jacobino. Conforme com uma consideração de Jules Michelet, sob determinadas circunstâncias, “palavra e ação são uma única e mesma coisa. A afirmação poderosa e enérgica que alimenta os corações, é uma criação de atos; ela enuncia o que ela produz”.2 2 “Parole et acte, c’est tout un. La puissante, l’énergique affirmation qui assure les coeurs, c’est une création d’actes ; ce qu’elle dit, elle le produit” (Michelet, 1949, p. 95). Por outro lado, é nesse contexto que surge a figura do militante político com a politização das canetas (o que encontra seu paradigma na figura de Jean-Paul Marat) (Barcia, 1988BARCIA, F. "Marat". In: Il Rousseau dei giacobini. Ed. Anna Maria Battistaet al.,Urbino: Pubblicazioni dell’Università di Urbino, 1988, pp. 121-161., pp. 126-127). Analisando o discurso jacobino Jaume sugere que entendamos esta dimensão como “ideológica”. Ele define como ‘ideológico’ “um conjunto de percepções e representações, que tem um valor inibitório ou mobilizador, que se formulam como resposta às tarefas do momento em acordo com a cultura política disponível”.3 3 “ […] un ensemble de perceptions et de représentations, à valeur inhibitrice ou mobilisatrice, qui se formulent en réponse aux tâches du moment, en relation avec la culture politique disponible” (Jaume, 1989, p. 25). Trata-se de uma dimensão que é percebida e criticada na maioria dos textos da época com o atributo “dogmático”.

Se esta ideologização determina a politização do público e sua divisão em correntes, cabe esclarecer o que se entende sob este conceito nessa época. No século dezoito, com ‘público’, definem-se originariamente as formas de agregações de indivíduos de extração burguesa. Estas pessoas tornam-se “público” enquanto leitores de determinadas revistas, clientes de determinados cafés ou espetadores de representações teatrais e concertos. Além disso, a expressão público vai designar o novo fenômeno social das “sociedades” ou “gabinetes” de leitura. Isto é, tanto círculos de pessoas que compartilham o interesse para uma determinada revista ou temática quanto associações nas quais os sócios compartilham seus livros. Sob as distintas denominações de “clubes”, “ressorts” ou “círculos”, formam-se sociedades organizadas de maneira democrática no interior e fechadas para o exterior. Trata-se basicamente de um tipo novo de sociedade particular, na qual a crítica é livre. Seus membros reconhecem a autoridade dos eruditos pela força de suas argumentações e não pelo fato de comprazerem ou obedecerem aos poderes públicos ou religiosos.

A proliferação destes círculos é correlativa a um aumento considerável das publicações. Ambos os fenômenos transformam a composição social do público, suscitando um novo tipo de atenção dos mesmos autores a respeito dos efeitos de seus próprios escritos sobre os leitores (Hölscher, 1979HÖLSCHER, L. "Öffentlichkeit und Geheimnis. Eine begriffsgeschichtliche Unterscuhung zur Entstehung der Öffentlichkeit in der frühen Neuzeit". Stuttgart: Klett-Cotta, 1979., p. 91 e s). Sendo assim, a partir deste momento, o termo “público” vai indicar não apenas o público erudito, mas também um “público misto” (ou heterogêneo), ou seja, erudito e não erudito, que se forma pela atividade dessas sociedades de leitura e pela divulgação das revistas. Trata-se precisamente das “sociedades heterogêneas” mencionadas por Kant na Crítica da razão prática, isto é: “que não se constituem simplesmente de sábios e de sutis raciocinadores mas também de homens de negócio ou de mulheres” (Kant, 2016KANT, I."Crítica da razão prática". São Paulo: Martins Fontes, 2016., p. 242). Sendo assim, os escritores não se dirigem apenas aos leitores tradicionais, ou seja, junto com eruditos, membros das cortes ou altos funcionários, mas também a “novos leitores” que, formando parte dos setores emergentes da burguesia, reivindicam reformas sociais e pedem maiores direitos políticos (Göpfert, 1976GÖPFERT, H. G. "Lesegesellschaften im 18. Jahrhundert". In: Aufklärung, Absolutismus und Bürgertums in Deutschland. Zwölf Aufsätze. München: Nymphenburger Verlagshandlung, 1976, pp. 403-411.).

Embora em uma forma com certeza idealizada, o termo “público” vai designar ao longo do século XVIII, por um lado, um novo sujeito potencial da constituição material e, por outro, o fenômeno da “opinião pública” ou “publicidade” (Öffentlichkeit) (Habermas, 1990HABERMAS, J. "Strukturwandel der Öffentlichkeit". Baden Baden: Suhrkamp, 1990., p. 162). Em ambos os casos o termo pretende definir um sujeito a vocação universal, “porta-voz” da razão e garante dos princípios da filosofia das Luzes. Com efeito, em acordo com Koselleck:

O processo que visa ao progresso envolve o Estado. Isto ocorre na mesma medida em que a vitória sobre a religião revelada parece assegurada - aproximadamente, desde meados do século. A crítica investe-se das funções que Locke em sua época havia atribuído à censura moral: torna-se porta-voz da opinião pública. Embora não pudesse mais influenciar os costumes privados, segundo o verbete “Critique” da Encyclopédie, “ao menos, é incontestável que ela decide sobre as ações públicas” (Koselleck, 2009KOSELLECK, R. "Crítica e crise. Uma contribuição à patogênese do mundo burguês". Traduçao de Luciana Villas-Boas Castelo-Branco.Rio de Janeiro: Contraponto, 2009., p. 102).

Sendo assim, o termo “público” transforma-se semanticamente. Com efeito, até o século XVII “público” reenviava vagamente a destinatários (passivos) de atos jurídicos no espaço exterior ao âmbito da casa (Haus). Depois, este termo vai definir progressivamente uma nova forma de sociedade particular cujos membros participam ativa ou passivamente da troca de opiniões com intento da formação de um julgamento com pretensão universal (Hölscher, 1997HÖLSCHER, L. Verbete "Öffentlichkeit". In: Geschichtliche Grundbegriffe. Historisches Lexikon zur politisch-sozialen Sprache in Deutschland. Ed. Otto Brunner; Werner Konze e Reinhart Koselleck. Bd. 4. Stuttgart: Klett-Cotta, 1997, pp. 413-467., p. 433). Antes da Revolução Francesa o público aparece em ensaios e escritos literários indicando um destinatário fictício, um amigo ou simples interlocutor. Os escritores falam do público como o testemunho ideal e imparcial de suas disputas. Os dicionários da época indicam como o público é imaginado como uma espécie de juiz em última instância das controvérsias entre autores (Hölscher, 1997HÖLSCHER, L. Verbete "Öffentlichkeit". In: Geschichtliche Grundbegriffe. Historisches Lexikon zur politisch-sozialen Sprache in Deutschland. Ed. Otto Brunner; Werner Konze e Reinhart Koselleck. Bd. 4. Stuttgart: Klett-Cotta, 1997, pp. 413-467., p. 435). Contudo, até a Revolução Francesa, isso tem a ver exclusivamente com a atribuição ou reconhecimentos de méritos científicos, literários ou artísticos para obras ou escritores, e não com questões políticas ou sociais.

Sendo assim, a célebre passagem da Segunda seção do Conflito das faculdades, que Kant dedica à relação entre a Revolução Francesa e o público alemão, pode ser entendida como a certificação de uma “politização” do público (da qual o autor, em contrapartida, procura contrastar os efeitos ideológicos) que se produziu na década anterior, marcada pela radicalização jacobina, determinando a transferência da codificação do conceito de público do âmbito estético ao político:

A revolução de um povo espiritual, que vimos ter lugar nos nossos dias, pode ter êxito ou fracassar; pode estar repleta de miséria e de atrocidades de tal modo que um homem bem pensante, se pudesse esperar, empreendendo-a uma segunda vez, levá- la a cabo com êxito, jamais, no entanto, se resolveria a realizar o experimento com semelhantes custos - esta revolução, afirmo, depara todavia, nos ânimos de todos os espectadores (que não se encontram enredados neste jogo), com uma participação segundo o desejo, na fronteira do entusiasmo, e cuja manifestação estava, inclusive, ligada ao perigo, que, por conseguinte, não pode ter nenhuma outra causa a não ser uma disposição moral no género humano (Kant, 1993KANT, I. "O conflito das faculdades". Lisboa: Edições 70, 1993., p. 102).

2. A ária do povo soberano no teatro da Revolução

Como sugere Kant, para o público alemão (e os historiadores posteriores), a Revolução tornou-se um teatro, isto é uma cena na qual as aporias dos direitos humanos (codificados na doutrina do direito natural) explodiram em forma trágica. Ao centro dos debates e das diatribes fica a ambivalência do conceito de povo significando, por um lado, o sujeito ideal da constituição e o poder constituinte, isto é, “populus” (peuple); e, por outro, o conjunto dos mais pobres, isto é, “plebe” ou “populacho” (Pöbel, populace). A partir de 1792 a questão fundamental vem a ser se as manifestações dos sans-culottes eram para ser consideradas ações do povo soberano, como defendiam os jacobinos radicais, ou simplesmente atos da plebe ignorante e violenta, como sustentavam, pelo contrário, os autores contrarrevolucionários (e os jacobinos moderados).

A discussão entre Jacques Pierre Brissot e Maximilien de Robespierre na sociedade jacobina ao final de abril de 1792 representa uma perfeita ilustração do valor político desta questão. Prenunciando a cisão entre girondinos e montanheses, esta discussão surge na sequência do envio às sociedades jacobinas de província do panfleto “O que é um agricultor ou artesão francês?” (Ce que c’est qu’un cultivateur et un artisan français), de Nicolas de Condorcet (1847)CONDORCET, J.-A. N. "Ce que c’est qu’un cultivateur et un artisain français". In: Ouevres, T 10. Ed. A. Condorcet O'Connor e M.-F. Argot. Fo. Paris: Firmim Didot Frêres, 1847. pp. 346-350.. Neste escrito o célebre philosophe fazia um elogio das capacidades dos camponeses para trabalharem e pouparem. Sobretudo, opondo-se a toda expansão da ação violenta, ele exortava os “cidadãos passivos” a trabalharem para, assim, poderem ganhar o estatuto de “cidadãos ativos” no futuro. A ideia que fundamenta esta visão é a de que o progresso da sociedade até formas mais democráticas e igualitárias precisa de tempo e paciência.

Esta tese de Condorcet expressa um convencimento compartilhado por muitos eruditos ao longo do século dezoito. De acordo com a opinião da maioria dos philosophes, para serem realizadas, as transformações sociais exigem um tempo longo durante o qual o povo deve se esclarecer. Sendo assim, Condorcet concebe a Revolução de 1789 como uma simples etapa de um processo mais longo e lento, isso é o progresso das Luzes. Como veremos mais adiante, conforme com os girondinos, a revolução violenta deveria acabar para assegurar suas conquistas e não degenerar em uma “contrarrevolução”. O tema de se a Revolução deveria acabar ou não, ou seja, a oportunidade de transformá-la em uma revolução permanente é a questão sobre a qual se produzem as várias cisões na sociedade jacobina, determinando a progressiva radicalização de seu grupo dirigente (por meio de cisões e condenações). Isto acontece a partir do intento de fuga do rei em 1791 até a execução de Robespierre em 1794. Um fator determinante desta radicalização é a guerra contra os Estados europeus que se torna, no interior da França, uma guerra civil com o Terror e a correlativa caça dos inimigos internos, ou seja, dos traidores da pátria.4 4 Em 10 de abril de 1793, Robespierre denuncia que “uma facção poderosa conspira com os tiranos da Europa para nos dar um rei, com uma espécie de constituição aristocrática. Ela espera conduzir-nos a essa transação vergonhosa pela força das armas estrangeiras e pelos distúrbios internos” (Robespierre, 1999, p. 67).

Em abril de 1792, Brissot apoia a visão de Condorcet. Ressaltando a ligação dele com a filosofia do século das Luzes no dia 24 de abril de 1792, Brissot pede polemicamente a Robespierre para apresentar os “títulos filosóficos” que justificariam sua censura da posição de Condorcet. O Incorruptível não demora para responder a esta provocação. A seu olhar, Condorcet atua de forma semelhante a outros célebres eruditos que usurpam “o nome de filósofos”. Sendo assim, diante deles, o único que mereceria de ser chamado filósofo, isto é, o único “vrai phiilosophe” de sua geração seria “Jean-Jacques”.

As palavras escolhidas por Robespierre para apelar à autoridade moral de Rousseau contra a corrupção de seus coetâneos permitem entender um dos aspectos mais importantes e originais de seu conclamado “rousseaunianismo”.

Se os acadêmicos e os geômetras que o senhor Brissot nos propõe como modelos combateram e ridicularizaram os clérigos, eles não cortejaram menos os grandes e adoraram os reis beneficiando-se amplamente de sua proteção; e quem sabe com quanta obstinação eles perseguiram a virtude e o gênio da liberdade na pessoa de Jean-Jacques, cuja imagem sagrada eu discirno aqui, este verdadeiro filósofo que, na minha opinião, é o único dentre todos os homens célebres desta época que mereceu essas honras públicas, prostituídas desde então pela intriga de charlatães políticos e heróis miseráveis.5 5 “Si les académiciens et les géomètres que M. Brissot nous propose pour modèles, ont combattu et ridiculisé les prêtres, ils n’ont pas moins courtisé les grands et adoré les rois dont ils ont tiré un assez bon parti; et qui ne sait avec quel acharnement ils ont persécute la vertu et le génie de la liberté dans la personne de Jean-Jacques dont j’aperçois ici l’image sacrée, de ce vrai philosophe qui seul, à mon avis, entre tous les hommes célèbres de ce temps-là mérita ces honneurs publics prostitués depuis par l’intrigue à des charlatans politiques et à des misérables héros” (Robespierre, 1939, p. 37).

Conforme Anna Maria Battista, estas palavras não podem ser consideradas uma simples escamoteação retórica. A contraposição que Robespierre encena entre Rousseau e a cultura iluminista neste contexto não lida com nenhuma forma de oportunismo, nem de pragmatismo. Pelo contrário, seu discurso expressa uma de suas convicções mais íntimas (que ele compartilha com poucos outros, como Jean-Paul Marat). Esta convicção marca de forma singular sua referência a Rousseau. De vários Helvétius, Voltaire, D’Alembert, Diderot ou Condorcet, ou seja, todos aqueles que, de acordo com ele, usurpam o nome de filósofos, Robespierre censura dois aspectos. Por um lado, ele condena a atitude moderada que estes autores adotam na política, que, a seu olhar, é acompanhada e, assim, agravada pela indulgência mal camuflada que mostram para os déspotas da época (o caso de Federico Segundo é particularmente eloquente a esse respeito); por outro, Robespierre censura o radicalismo que eles usam para atacar os valores éticos ou religiosos tradicionais, o que, conforme Robespierre, viabiliza a desagregação do nexo social. Sendo assim, diante desse tipo de hipocrisia, “Jean Jacques” seria o único verdadeiro filósofo6 6 No dia 11 de dezembro de 1791, o clube decide a instalação da estátua de Rousseau ao lado daquelas de Mirabau e Helvétius, o que se realizou em 29 de janeiro de 1792 (Aulard, 1889-1897). porque só ele liga a audácia revolucionária com a vontade de restaurar os antigos valores no âmbito dos costumes e da religião (Battista, 1988BATTISTA, A. M. "Robespierre". In: Il "Rousseau" dei giacobini. Ed. Battista, AM. Urbino: Pubblicazioni dell’Università di Urbino, 1988, pp. 29-67., p. 65).

A referência que Robespierre faz a “Jean-Jacques” contra o espírito das Luzes, irremediavelmente corrompido com o poder (do qual Condorcet seria um caso exemplar), constitui não apenas um indicador, senão também um fator fundamental tanto da progressiva ideologização de Rousseau nas discussões entre revolucionários e contrarrevolucionários, ou seja, sua progressiva identificação com o discurso jacobino radical, como da politização da filosofia ou da história da filosofia. Com efeito, por um lado, Robespierre politiza a polêmica de Rousseau contra os eruditos de sua época. Chamando-o com seu nome, “Jean-Jacques”, o Incorruptível refere-se provavelmente ao escrito autobiográfico Rousseau juge de Jean-Jacques. Neste escrito o autor genebrino defendia a si mesmo e a unidade de sua obra contra seus opositores que se se dirigiam a ele chamando-o precisamente com seu nome próprio (Jean-Jacques). Em sua autodefesa Rousseau opunha-se àquela geração que “pretendendo gozar à vontade todas as luzes naturais, violar todas as leis de justiça, todas as regras de bom senso, sem objeto, sem proveito, sem pretexto, apenas para satisfazer uma fantasia” da qual ele não conseguia captar “o fim”, nem a “ocasião”.7 7 “[…] à vouloir éteindre à plaisir toutes les lumières naturelles, violer toutes les loix de justice, toutes les règles du bon sens, sans objet, sans profit, sans prétexte, uniquement pour satisfaire une fantaisie” (Rousseau, 1959, p. 662). Por outro, poder-se-ia também colocar nessa contraposição a emergência de uma politização da filosofia ou da história da filosofia, isso é uma filosofia como “campo de batalha” (Kampfplatz) defendida por Louis Althusser (cf. Althusser, 1998ALTHUSSER, L. "La solitude de Machiavel". Paris: PUF, 1998., p. 201; Labica, 2013LABICA, G. "Robespierre une politique de la philosophie". Paris: La Fabrique, 2013.). Parafraseando a undécima tese de Marx sobre Feuerbach, para quem a fase descrita é crucial para teorizar a revolução social e a democracia radical, a verdadeira filosofia deveria visar à tarefa de transformar o mundo e não apenas de justificá-lo ou interpretá-lo.

3 Populacho contra nação

Cabe agora mostrar como a ideologização de Rousseau nos debates em torno da Revolução e sua direção política lida com a questão da definição do povo e da forma de expressão de sua vontade. Para apreciar toda a porta da política da contraposição encenada pelo Incorruptível no discurso pronunciado no dia 27 de abril de 1792, cabe notar como, à diferença das ilações e acusações de seus adversários, Robespierre não pretende se apresentar como um tribuno, ou mesmo como adulador, recusando as acusações de ser um agitador, moderador, ou defensor do povo. Robespierre pretende ser algo muito diferente e (para nós) problemático. Ele pretende ser ele mesmo povo (“je suis peuple moi-même”). Em breve, sua voz pretende ser, imediata e naturalmente, aquela do povo. Sendo assim, por um lado, Robespierre explora politicamente a ambivalência semântica do termo povo (peuple) entre populus, sujeito ideal da soberania, e populacho (ou seja, a parte que expressa reivindicações mais materiais que ideais); por outro, ele ataca as aporias de expressão da vontade do povo pelas instituições representativas.8 8 Apud Rosanvallon: “C’est d’abord un peuple-principe qui s’affirme dans la modernité démocratique. Principe et promesse à la fois, il symbolise par la seule présence de son nom la constitution de la société en un bloc et sert à universaliser l’entité nationale. Il est la vérité du lien social : il renvoie à une proposition politique avant d’être un fait sociologique. Il en résulte une inévitable tension entre les valeurs qu’il incarne et la réalité qu’il évoque, densité politique et flou sociologique allant de pair. Il est une force historique évidente en même temps que sa nature apparaît problématique” (Rosanvallon, 1998, p. 40).

No discurso mencionado, Robespierre critica implicitamente a dialética entre poder constituinte e poder constituído, na qual se baseia a Constituição de 1791 e que foi teorizada e difundida pelo Abade Sieyès. No panfleto O que é o Terceiro Estado ?, Sieyès sustentava que “a nação existe antes de tudo, ela é a origem de tudo” (2009, p. 165). Dessa maneira, ele teorizava a coincidência entre a vontade da nação e a lei fundamental depositada no ditado constitucional. Sendo assim, a nação tem o poder constituinte preexistindo ao ato pelo qual uma comunidade política se dá uma constituição (Pasquino, 1998PASQUINO, P. "Sieyes et l’invention de la Constitution en France".Paris: Odile Jacob, 1998., p. 70). À diferença dos teóricos do direito natural moderno, Hobbes e Rousseau, que, pelo fato de não pensarem a constituição como uma carta de leis fundamentais, não se preocuparam em distinguir entre as atividades do poder legislativo e aquelas do poder constituinte, Sieyès introduz uma figura nova no pensamento político: a categoria da nação como poder constituinte.

Contudo, seu conceito de nação define apenas uma parte da sociedade. Fazendo do Terceiro Estado a nação, ele define como tal apenas o conjunto dos produtores de bens e de valores nos setores públicos e privados. Isso é o Terceiro Estado, a nação, o estamento dos produtores. Sendo assim, Sieyès faz coincidir o interesse nacional com aquele dos produtores de riqueza. Com efeito, é um critério censitário que define a distinção entre “cidadãos ativos”, ou seja, aqueles dotados de direitos eleitorais, e “cidadãos passivos” (conforme a concepção das Luzes defendida por Condorcet no panfleto mencionado). A nação seria interpelada a atuar como poder constituinte nos momentos de crise aguda de legitimidade da ordem jurídica vigente. Sua mobilização levaria a modificar a constituição, como foi, precisamente, o caso em 1789. A ordem constituída basear-se-ia num processo de legitimação, fundamentado na ação da nação e que vai ser depositado e descrito na carta constitucional em vigor.

A legitimidade da Constituição de 1791 fica justamente na ideia de ela ser a expressão da vontade da nação que, durante a Grande Revolução de 1789, atuou como poder constituinte (Pasquino, 1998PASQUINO, P. "Sieyes et l’invention de la Constitution en France".Paris: Odile Jacob, 1998., pp. 44-49). O interesse nacional é, portanto, aquele de uma classe que se universaliza, ou seja, a classe burguesa. Com a aprovação da nova Constituição, a situação deveria voltar à normalidade. Sendo assim, a partir desse momento, a vontade da nação dever- se-ia expressar pelos representantes eleitos no respeito do ditado constitucional. Em breve, conforme esta visão, o povo soberano não pode ter uma voz diferente daquela da Assembleia Nacional.

Contudo, de acordo com Robespierre, “os defensores da República” deveriam adotar “a máxima de César: creem que nada se fez enquanto ainda resta algo a fazer” (1999, p. 129), isso é a perfeita igualdade a ser realizada (com a eliminação da diferença entre cidadãos ativos e passivos). Assim, ele utiliza discursivamente a ambivalência mencionada do termo “povo” pretendendo integrar (e, assim, influenciar) as reivindicações dos sans-culottes (Furet, 1988FURET, F."La Révolution française. De Turgot à Napoléon, 1770-1814". T. 1. Paris: Hachette, 1988., pp. 228-229). Explorando a presença física do populacho nas ruas de Paris, Robespierre pretende legitimar sua própria palavra diante de seus adversários na Convenção, ou seja, os representantes da nação, autorizados pelos mecanismos constitucionais. Evocando Rousseau, Robespierre declara que a máxima deve ser que o “povo é bom e que seus delegados são corruptíveis, que é na virtude e na soberania do povo que é preciso buscar um preservativo contra os viciosos e o despotismo do governo” (1999, pp. 99-100). Como adiantado, sua voz seria a mesma do povo nas ruas. Esta pretensão tem a ver com a ideia de que os moderados fossem aliados dos outros Estados europeus em guerra contra a jovem República. Para “salvar” a Revolução a única opção viável seria, portanto, derrotar os inimigos internos e externos. Esta consideração fundamenta a palavra de ordem: “liberdade ou morte!”. A Revolução não teria se acabado ainda.

Num discurso pronunciado no mês de março de 1793, Brissot condena o povo parisiense falando que a plebe, “pobre e invejosa das riquezas, quer tomá-las aos proprietários, por sedições, ou por leis que ela pretende ditar aos representantes de todo o povo”.9 9 Jacques-Pierre Brissot, “De quelques erreurs dans les idées et les mots relatifs à la Révolution française”, Chronique du mois de mars 1793 (t. II, pp. 27-39); (Jaume, 1989, p. 70). Sendo assim, os girondinos defendem a distinção entre cidadãos ativos e passivos.10 10 A esse respeito: Furet e Halevi, 1996, pp. 190-199. Criticando a visão deles acerca da relação entre representantes e representados, sob a pressão dos Fédérés e dos Engagés (Furet, 1988FURET, F."La Révolution française. De Turgot à Napoléon, 1770-1814". T. 1. Paris: Hachette, 1988., pp. 228-229), Robespierre põe em discussão o que se considera até hoje como uma das conquistas históricas da Revolução Francesa, ou seja, o mandato livre. De acordo com o Incorruptível, “o governo é instituído para fazer respeitar a vontade geral; mas os homens que governam têm uma vontade individual, e toda vontade procura dominar” (1999, p. 97). Neste sentido, Robespierre defende a ideia do controle popular, ou seja, de que “as assembleias primárias possam julgar sobre a conduta de seus representantes, ou que elas possam pelo menos revocar, no respeito das regras que serão estabelecidas, aqueles que teriam abusado de sua confiança”. Pois

Um povo cujos mandatários não devem prestar contas de sua gestão a ninguém não tem Constituição; um povo cujos mandatários só devem prestar contas a outros mandatários invioláveis não tem Constituição, já que depende destes últimos trair o povo impunemente, e deixar que o povo seja traído pelos outros. Se este é o sentido que se atribui ao governo representativo, confesso que adoto todos os anátemas pronunciados contra ele por Jean-Jacques Rousseau (Robespierre, 1999ROBESPIERRE, M. d. "Discursos e Relatorios na Convenção". Traduçao de Maria Helena Franco Martins. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999., p. 106).

Sendo assim, entre direito natural, direito positivo e práxis política, a definição do povo e as modalidades da expressão de sua vontade tornam-se objeto de disputa tanto na teoria como na prática a partir da radicalização dos jacobinos e dos sans-culottes. Isso acontece nos dias nos quais, conforme Furet, “a Revolução é um teatro no qual se toca sem interrupção a ária do povo soberano”.11 11 “La Révolution est un théâtre où se rejoue sans cesse dans la rue l’air du peuple souverain” (Furet, 1988, p. 229). Neste cenário resulta evidente que o termo “povo” constitui o principal vetor da politização dos termos técnicos da doutrina do Estado, e, enquanto tal, domina os debates também nos Principados alemães. O fator que desempenha um papel fundamental na abertura e no desenvolvimento dessa guerra de canetas, tanto no interior como no exterior da França, é o eco, o fantasma, o medo do “terror da virtude” teorizado por Robespierre, e acompanhado pelos barulhos e pelo sangue da guilhotina. Isso vai ser identificado com seu proclamado “rousseauinismo”. Com outras palavras, na medida em que a “segunda revolução” (isso é a revolução como guerra civil) canibaliza a primeira (contra os privilégios da aristocracia e do clero), a defesa da Revolução como etapa no “progresso das Luzes” feita pelos girondinos não é mais, pelo menos nesse cenário, uma opção viável.

4. A identificação de Rousseau com a Terror por parte dos contrarrevolucionários

Os críticos da Revolução consideram todo elogio para Rousseau como uma apologia do Terror, ou seja, da ditadura jacobina - o governo revolucionário do Comité de Salvação Pública. Para os autores contrarrevolucionários como Edmund Burke, Ernst Brandes, Friedrich Gentz, Jacques Mallet du Pan ou Wilhelm Rehberg, a radicalização jacobina e seus horrores provam que o caráter abstrato dos princípios sobre os quais se baseia desde seu começo o processo revolucionário não pode ter outra saída que não a barbárie (Godechot, 1961GODECHOT, J. "La contre-révolution. Doctrine e action 1789-1804".Paris: PUF, 1961., pp. 2-3). Por exemplo, de acordo com Brandes, a França deveria adotar ou se inspirar no modelo inglês, que, na esteira de Burke, considerava como o êxito das mais sábias revoluções (pacíficas) do século XVII. Conforme esse modelo, a soberania ficaria no “rei no Parlamento” (King in Parliament). Neste contexto, o exercício da soberania efetua-se por uma ação de concerto entre três instâncias na atividade legisladora: o rei e as Câmeras dos Lordes e das Comunas (Canale, 2000CANALE, D. "La Costituzione delle differenze. Giusnaturalismo e codificazione del diritto nella Prussia del 700". Torino: Giappichelli, 2000., pp. 111-112 nota 77). Com povo (Volk), Brandes designa o populacho que não se beneficia de nenhum direito político. As assembleias populares atuariam sob a influência das impressões do momento sendo, assim, manipuláveis por hábeis demagogos (Brandes, 1790BRANDES, E. "Politische Betrachtungen über die Französische Revolution". Jena: Mauke, 1790., p. 9).

A identificação de Rousseau, como autor do Contrato social, com a Revolução Francesa, no contexto alemão, é ilustrada perfeitamente pelo anúncio do primeiro de outubro de 1789 na Allgemeine Literatur Zeitung na qual se apresentam seus discursos políticos editados pelo editor berlinense Rellstab como “as obras do autor que mais preparou os caminhos para a grande Revolução que está inflamando a França” (ALZ, n. 305, 1/10/1789, p. 3). O impacto da Revolução no exterior, a presença tutelar de Rousseau nos discursos e relatórios de Robespierre na Sociedade Jacobina e na Convenção e as críticas ao modelo inglês presentes nos seus escritos fazem do autor do Contrato social o objetivo polêmico fundamental dos escritores contrarrevolucionários. A partir dessa identificação, além do fato de que a Revolução se radicaliza, a intensidade das críticas aumenta minorando as distinções perceptíveis nos escritos dos contrarrevolucionários antes de 1793, que procuravam destacar as contradições nas teses de Rousseau, por um lado, e a incongruência destas com a interpretação dada pelos políticos revolucionários que, porém, pretendiam se inspirar nelas, por outro.

Com esse tipo de crítica diferenciada, autores como Brandes e Rehberg na Alemanha tocavam um ponto crucial. Em Paris, de fato, embora os jacobinos mais radicais fizessem do Contrato social sua guia teórica na elaboração de suas estratégias discursivas e práticas, as políticas que eles adotam não se conciliam sempre pacificamente com a letra de Rousseau. Com outras palavras, inspirando- se nas teses do autor genebrino para dirigirem o processo revolucionário, os jacobinos experimentam e, assim, mostram na cena da história os paradoxos de algumas delas (Jaume, 1989JAUME, L. "Le discours jacobin et la démocratie." Paris: Fayard, 1989., pp. 52-53). Este aspecto é perfeitamente ilustrado pela oposição dos jacobinos radicais à abolição das “sociedades políticas” que Le Chapelier - já conhecido como relator da célebre lei contra as corporações operárias - propõe em seu relatório de 29 de setembro de 1791 na Assembleia Nacional.

Com o apoio silencioso de Sieyès (Pasquino, 1998PASQUINO, P. "Sieyes et l’invention de la Constitution en France".Paris: Odile Jacob, 1998., pp. 68-69), Le Chapelier apela para que “a Revolução acabe”. Sendo assim, ele pretende delegar a expressão da vontade geral apenas para os órgãos definidos pela nova Constituição e autorizados pelo voto dos cidadãos ativos (Biral, 2009BIRAL, A. "La società senza governo. Lezioni sulla Rivoluzione francese". Vol 1. Padova: Il Prato, 2009., p. 274). Não há nenhuma dúvida de que a supressão destas sociedades fosse coerente com a recusa de Rousseau a respeito das sociedades intermediárias dentro do Estado. Conforme o terceiro capítulo do segundo livro do Contrato social: “Para ter claramente o enunciado da vontade geral, é importante que não haja sociedade parcial no Estado e que cada cidadão opine apenas por si mesmo” (Rousseau, 2007ROUSSEAU, J.-J. "O Contrato social". Traduçao de Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2007., p. 46). Contudo, também a posição dos jacobinos mais radicais pode ser reconduzida ao Contrato social, ressaltando a oposição inequívoca, aí feita, contra toda forma de representação para a vontade geral ser expressada: “Se, quando o povo suficientemente informado delibera, os cidadãos não tivessem nenhuma comunicação entre si, do grande número de pequenas diferenças resultaria sempre a vontade geral e a deliberação seria sempre boa” (Rousseau, 2007ROUSSEAU, J.-J. "O Contrato social". Traduçao de Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2007., p. 45). No âmbito político, essa confrontação resolveu-se com um compromisso. Aquelas sociedades chamadas “políticas” não foram criminalizadas, senão mudaram apenas a denominação: de “políticas” para “públicas” (Jaume, 1989JAUME, L. "Le discours jacobin et la démocratie." Paris: Fayard, 1989., pp. 59-65). Neste sentido a vocação jacobina vai ser porta-voz do “público”, ou seja, do povo soberano.

No plano filosófico-político, esta confrontação mostra em toda sua problematicidade a relação entre revolução e constituição. Conforme a visão de Sieyès, a revolução seria o momento no qual a nação desempenha diretamente, de maneira excepcional, seu papel constituinte. Contudo, esta modalidade de ação seria extraordinária, não podendo ser a norma. Sendo assim, a Revolução devia acabar com a promulgação da Constituição de 1791. Conforme os girondinos, na esteira de Sieyès, a revolução como ação violenta é um meio excepcional e temporário para a nação estabelecer uma nova ordem constitucional (sob a forma do poder constituinte). Pelo contrário, conforme os montanheses, a Revolução devia continuar tornando-se uma “revolução permanente” (a ‘segunda revolução’). Esta ideia fundamenta a experiência da Comuna e do governo revolucionário, ou ditadura jacobina. Trata-se da Revolução que, de acordo com Danton, comeria “seus filhos”, e que, de acordo com Saint-Just, exigia simplesmente a eliminação de “seus inimigos” (neste caso, internos). Nessa passagem, nasce a noção de “inimigo interior”, que vai dar um novo sentido à ‘revolução’ por meio de sua associação com a guerra civil. Conforme Robespierre, “o governo revolucionário necessita uma atividade revolucionária, precisamente porque está em guerra” (1999, p. 130). A necessidade “de defender-se contra todas as facções que o atacam” é o princípio que o funda e legitima. Aí ele dirige todas “as forças morais e físicas da nação para a meta de sua instituição ”, pois, se “a meta do governo constitucional é conservar a República, a do governo revolucionário é de fundá- la” (Robespierre, 1999ROBESPIERRE, M. d. "Discursos e Relatorios na Convenção". Traduçao de Maria Helena Franco Martins. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999., p. 130). Esta instituição lida com um objetivo ideal, isto é, a realização ideal ou utópica de uma perfeita igualdade, ou seja, a abolição da distinção entre cidadãos ativos e passivos.

5 O paradoxo jacobino

Mantendo uma relação ambígua com os sans-culottes os jacobinos mais radicais pretendem expressar a vontade popular, ou seja, a vontade daquele povo que se materializa nas ruas parisienses e que rodeia a Convenção nos dias 2 de junho e 10 de agosto de 1792.12 12 Sobre a noção ambígua de sans-culottes: Burstin, 2005. Como visto, eles pretendem se identificar com este povo, e, assim, com o povo soberano. Sendo assim, eles pretendem ser os representantes naturais do povo soberano diante dos deputados “autorizados” pelo processo eleitoral que envolve apenas os cidadãos ativos. O Discurso sobre a utilidade das sociedades patrióticas e políticas, que Brissot (neste momento ainda próximo de Robespierre) pronuncia em 28 de setembro de 1791 contra a proposta de Le Chapelier pela abolição das sociedades políticas, permite ressaltarmos este ponto. Depois de ter mostrado como, para a dissolução das sociedades políticas, se coalizaram todas as forças contrarrevolucionárias ou seja, “todos aqueles que têm alguma razão para ter medo do controle pelo povo” (Biral, 1999BIRAL, A. "Rivoluzione e costituzione: la costituzione francese del 1791". In: Storia e critica della filosofia politica moderna. Ed. Alessandro Biral, A. Milano: Franco Angeli, 1999, pp. 207-225., p. 221), Brissot pergunta se esse povo não teria, pelo contrário: “o direito inalienável, imprescritível para comunicar seus pensamentos, de reunir- se pacificamente; para esclarecer a conduta daqueles que encargou do governo, de discutir sobre as leis que seus comitentes fazem para ele?”13 13 “Ce peuple n’a-t-il pas le droit inaliénable, imprescriptible, de s’assembler paisiblement, d’éclairer la conduite de ceux qu’il a chargés du gouvernement, de discuter des lois que ses commettants font pour lui ?” (Brissot, 1791, p. 5).

De acordo com Jaume, estas palavras de Brissot ilustram perfeitamente o “paradoxo jacobino”. Conforme o historiador francês, a organização jacobina relaciona elementos tradicionais da cultura monárquica francesa com elementos novos que prefiguram a organização dos partidos políticos.

Ao centro desta união paradoxal, há uma busca para ser instituída uma democracia sempre mais transparente e mais igualitária; ela procura pensar-se através de Jean- Jacques Rousseau, invocado milhares de vezes, mas finalmente ela viabiliza um poder cuja configuração lida com a encarnação monárquica do Estado (Jaume, 1989JAUME, L. "Le discours jacobin et la démocratie." Paris: Fayard, 1989., p. 22).

De um ponto de vista conceitual, o “paradoxo jacobino” que Jaume destaca relaciona-se com a aporia fundamental da soberania popular e da lógica da representação-autorização conforme a doutrina moderna do direito natural. Esta lógica é formalizada com mais coerência por Hobbes, pelo menos na maneira na qual Carl Schmitt considera o filosofo inglês. Hobbes e Rousseau representam os dois princípios fundamentais, respectivamente, da identidade e da representação, para a construção da vontade de um povo (Schmitt, 1928SCHMITT, C. "Verfassungslehre". Berlin: Duncker & Humblot, 1928.). Não representar diferentes partes da sociedade senão “formar algo que não existe ainda de forma determinada”, ou seja, o povo ideal (populus). A representação constitui, assim, a modalidade mesma (aparentemente a única) para existir a vontade do sujeito coletivo e, ao mesmo tempo, contém também a fonte da legitimação do comando político na forma da autorização da eleição (Duso, 2004DUSO, G. "Genesi e aporie dei concetti della democrazia moderna". In: Oltre la democrazia. Un itinerario attraverso i classici. Ed. Giuseppe Duso. Roma: Carrocci, 2004, pp. 107-129.). No Contrato social, Rousseau pretende se opor da maneira mais coerente e resolvida ao princípio representativo: “seja como for, do momento em que um Povo se dá representantes, ele não é mais livre, não existe mais” (2007, p. 109). Contudo, o resultado de sua tentativa parece ser o de interiorizar a cisão entre soberano e súdito no mesmo homem (Duso, 2004DUSO, G. "Genesi e aporie dei concetti della democrazia moderna". In: Oltre la democrazia. Un itinerario attraverso i classici. Ed. Giuseppe Duso. Roma: Carrocci, 2004, pp. 107-129., p. 140). De um ponto de vista prático-político, o Contrato social constitui, sem qualquer dúvida, uma linha de transmissão e difusão da lógica cunhada por Hobbes para a dinâmica histórica e o pensamento comum. Os jacobinos encontram as aporias teóricas dessa lógica nas discussões e definições de sua prática revolucionária.

O documento mais importante para a difusão e popularização das categorias do direito natural é a Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789. Este texto põe a atualidade da questão da fundação de um poder a partir dos princípios de liberdade e igualdade, que aí são proclamados como direitos universais. A contribuição de Sieyès ao pensamento político é precisamente o fato de que ele pensou esta fundação não apenas num plano teórico, ou seja, como simples ficção com o intento de justificar o poder existente, senão como possibilidade real. Este é o aporte fundamental de sua teorização da nação como poder constituinte.

A Declaração é o objeto principal das críticas dos autores contrarrevolucionários. O primeiro a formulá-la é Justus Möser, fixando o horizonte para autores como Rehberg e Gentz. Em seu artigo “Über das Menschenrecht als den Grund der französischen Revolution”, Möser recusa a possibilidade de colocar a fonte da legitimidade na doutrina do direito natural, ou seja, em uma categoria abstrata como o conceito de indivíduo. Ao parecer de Möser, a única fonte de legitimidade para possibilitar a conservação pacífica e o fortalecimento da comunidade política é uma norma concreta que leve em conta as necessidades e as preocupações dos homens reais (Möser, 1790MÖSER, J. "Über das Menschenrecht als den Grund der französischen Revolution". Berlinische Monatsschrift, 1(1), 1790, pp. 499-505.). Para Rehberg, Rousseau é o teórico mais coerente da visão que fundamenta a Declaração (1793, p. X). Sendo assim, o nome do autor genebrino vai se ligar a um sistema que ele havia, porém, criticado (Manin, 1988MANIN, B. Verbete “Rousseau”. In: Dictionnaire critique de la révolution. Ed. François Furet e Mona Oznouf. Paris: Flammarion, 1988, pp. 872-886.).

A crítica do jacobinos radicais à Constituição de 1791 inspira-se profundamente no Contrato social, sobretudo na tese de Rousseau de que se “o povo inglês pensa ser livre, está muito enganado, pois o é apenas durante a eleição dos membros do parlamento; tão logo estes são eleitos, ele é escravo, é nada. Nos curtos momentos de sua liberdade o uso que faz dela mostra bem que merece perdê-la” (2007, p. 107). De acordo com Biral, arrogando-se o monopólio da expressão da consciência revolucionária a vocação da sociedade jacobina seria a de encarnar a figura do Legislador do Contrato social. A sociedade jacobina como sociedade antes “política” e , depois, “pública” pretende formar a voz do povo soberano (Biral, 2009BIRAL, A. "La società senza governo. Lezioni sulla Rivoluzione francese". Vol 1. Padova: Il Prato, 2009., p. 279).

Sendo assim, de acordo com Furet, a Revolução torna-se “o teatro do dilema da representação democrática explorado por Rousseau”. A questão que domina a cena é: como se pode evitar “a usurpação da soberania do povo pelos representantes?” (1988, p. 197). Como resume com eficácia Jaume, existem:

duas aporias capitais que pesam sobre o pensamento do Contrato social: existe a necessidade de um governo, mas ele constitui, por definição, um perigo para a soberania do povo; existe a necessidade de rejeitar a representação mas ela é, nos Estados empiricamente existentes, uma instituição da qual não se pode prescindir, mas, no máximo, tentar atenuar a nocividade (2005, p. 193).

Tanto a Monarquia de 1791 quanto a República de 1793 e o Império de Napoleão são momentos do processo de construção da França como Estado moderno, isto é, um aparelho estatal centralizado que aniquila a constituição jurídica anterior por estamentos. Este processo se legitima na lógica do direito natural que perpassa a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e se relaciona aos saberes elaborados na pauta das Ciências do Estado (Staatswissenschaften) que se desenvolvem a partir dessa época.

Conforme Furet, ao longo da Revolução, o povo apropriou-se da herança absolutista e colocou-se no lugar do rei. Mas, assim, não há outra maneira de pensar sua legitimidade a não ser pensando-se como um e como independente dos interesses particulares que marcam cada um dos indivíduos que formam parte dele (2007, p. 369). Desta perspectiva, a Revolução Francesa constitui um momento essencial para a constitucionalização da lógica do direito natural e das aporias do poder soberano, como foi denunciado pelos autores contrarrevolucionários (Chignola, 1999CHIGNOLA, S. "Il concetto controrivoluzionario di potere". In: Il potere. Ed. Giuseppe Duso. Roma: Carrocci, 1999, pp. 323-339., p. 324).

Em conclusão, com a Revolução Francesa as aporias das doutrinas do contrato social passam da teoria à prática pela atribuição de um sentido inteiramente novo ao termo “povo”. O povo não é mais uma realidade constituída por partes, senão a totalidade de indivíduos livres e iguais, sujeitos dotados de vontade. Este povo é uma entidade ideal que, fusionando-se com o conceito de soberania, vem a ser a única fonte de legitimidade para a ação política. A Revolução Francesa põe o problema na prática concreta: como se expressa a vontade do povo? A aporia que se evidencia está no fato de que, se o poder soberano é inalienável do povo e se esse povo é apenas uma realidade abstrata, a necessidade do governo pede a ação de um outro sujeito material, constituído de verdade. Como afirmou Hobbes, a única possibilidade para a vontade do povo ser expressada fica na unidade física do representante. E da diferença real e irredutível entre vontade geral, vontade do povo como poder constituinte e vontade do poder constituído surgem as questões da usurpação e da corrupção do poder pelos representantes. Esta diferença engendra todas as aporias do novo lema “democracia representativa” (Rosanvallon, 2000ROSANVALLON, P. "La démocratie inachevée. Histoire de la souveraineté du peuple en France".Paris: Gallimard, 2000., pp. 59-74). Como ensina nossa história recente, trata-se de aporias que a partir da Revolução Francesa demoram e pesam no imaginário político ocidental. Para entendê-las e estudá-las, a radicalização jacobina permanece até hoje uma experiência fundamental e paradigmática. Seu estudo é essencial também para entender a ideologização da qual Rousseau foi objeto , pois, como ressalta Jaume, “o discurso da soberania popular quando entra em cena na modernidade assume no seu intérprete mais exigente, Jean-Jacques Rousseau, um acento trágico” (2005, p. 193).

  • 1
    Aber nicht nur Schlagwörter, auch Begriffe mit theoretischem Anspruch werden in praktischer Absicht geprägt oder verwendet […] Das Verhältnis des Begriffs zum Begriffenen kehrt sich um: es verschiebt sich zugunsten sprachlicher Vorgriffe, die zukünftsprägend wirken sollen” (Koselleck, 1972KOSELLECK, R. "Einleitung". In: Geschichtliche Grundbegriffe. Ed. O. Brunner; W. Conze e R. Koselleck. Bd. 1. Stuttgart: Klett-, 1972, pp. XII-XXVIII., p. XVIII).
  • 2
    “Parole et acte, c’est tout un. La puissante, l’énergique affirmation qui assure les coeurs, c’est une création d’actes ; ce qu’elle dit, elle le produit” (Michelet, 1949MICHELET, J."Histoire de la Révolution française (1847-1856)". Tome I. Paris: Chamerot Libraire, 1949., p. 95).
  • 3
    “ […] un ensemble de perceptions et de représentations, à valeur inhibitrice ou mobilisatrice, qui se formulent en réponse aux tâches du moment, en relation avec la culture politique disponible” (Jaume, 1989JAUME, L. "Le discours jacobin et la démocratie." Paris: Fayard, 1989., p. 25).
  • 4
    Em 10 de abril de 1793, Robespierre denuncia que “uma facção poderosa conspira com os tiranos da Europa para nos dar um rei, com uma espécie de constituição aristocrática. Ela espera conduzir-nos a essa transação vergonhosa pela força das armas estrangeiras e pelos distúrbios internos” (Robespierre, 1999ROBESPIERRE, M. d. "Discursos e Relatorios na Convenção". Traduçao de Maria Helena Franco Martins. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999., p. 67).
  • 5
    Si les académiciens et les géomètres que M. Brissot nous propose pour modèles, ont combattu et ridiculisé les prêtres, ils n’ont pas moins courtisé les grands et adoré les rois dont ils ont tiré un assez bon parti; et qui ne sait avec quel acharnement ils ont persécute la vertu et le génie de la liberté dans la personne de Jean-Jacques dont j’aperçois ici l’image sacrée, de ce vrai philosophe qui seul, à mon avis, entre tous les hommes célèbres de ce temps-là mérita ces honneurs publics prostitués depuis par l’intrigue à des charlatans politiques et à des misérables héros” (Robespierre, 1939ROBESPIERRE, M. d. "Le defenseur de la Constitution". In: Oeuvres de Maximilien, T. IV. Paris: Publications de la Société des études robespierristes, 1939., p. 37).
  • 6
    No dia 11 de dezembro de 1791, o clube decide a instalação da estátua de Rousseau ao lado daquelas de Mirabau e Helvétius, o que se realizou em 29 de janeiro de 1792 (Aulard, 1889-1897AULARD, F. V. A."La société des Jacobins. Recueil de documents pour l'histoire de Jacobins de Paris". Vol. III. Paris: Joaust-Noblet-Quentin, 1889-1897.).
  • 7
    “[…] à vouloir éteindre à plaisir toutes les lumières naturelles, violer toutes les loix de justice, toutes les règles du bon sens, sans objet, sans profit, sans prétexte, uniquement pour satisfaire une fantaisie” (Rousseau, 1959ROUSSEAU, J.-J. Œuvres Complètes. V. I. Paris: La Pleyade, 1959., p. 662).
  • 8
    Apud Rosanvallon: “C’est d’abord un peuple-principe qui s’affirme dans la modernité démocratique. Principe et promesse à la fois, il symbolise par la seule présence de son nom la constitution de la société en un bloc et sert à universaliser l’entité nationale. Il est la vérité du lien social : il renvoie à une proposition politique avant d’être un fait sociologique. Il en résulte une inévitable tension entre les valeurs qu’il incarne et la réalité qu’il évoque, densité politique et flou sociologique allant de pair. Il est une force historique évidente en même temps que sa nature apparaît problématique” (Rosanvallon, 1998ROSANVALLON, P. "Le peuple introuvable. Histoire de la représentation démocratique en France." Paris: Gallimard, 1998., p. 40).
  • 9
    Jacques-Pierre Brissot, “De quelques erreurs dans les idées et les mots relatifs à la Révolution française”, Chronique du mois de mars 1793 (t. II, pp. 27-39); (Jaume, 1989JAUME, L. "Le discours jacobin et la démocratie." Paris: Fayard, 1989., p. 70).
  • 10
    A esse respeito: Furet e Halevi, 1996FURET, F. & HALÉVI, R. "La Monarchie républicaine. La Constitution de 1791". Paris: Fayard, 1996., pp. 190-199.
  • 11
    La Révolution est un théâtre où se rejoue sans cesse dans la rue l’air du peuple souverain” (Furet, 1988FURET, F."La Révolution française. De Turgot à Napoléon, 1770-1814". T. 1. Paris: Hachette, 1988., p. 229).
  • 12
    Sobre a noção ambígua de sans-culottes: Burstin, 2005BURSTIN, H. "L’invention du sans-culotte. Regard sur le Paris révolutionnaire ". Paris: Odile Jacob, 2005..
  • 13
    Ce peuple n’a-t-il pas le droit inaliénable, imprescriptible, de s’assembler paisiblement, d’éclairer la conduite de ceux qu’il a chargés du gouvernement, de discuter des lois que ses commettants font pour lui ?” (Brissot, 1791BRISSOT, J. P. "Discours sur l'utilité des Sociétés Patriotiques et Populaires et sur la nécéssité de les mantenir et multiplier partout". In: Patriote Français, 1791., p. 5).

Referências

  • ALTHUSSER, L. "La solitude de Machiavel". Paris: PUF, 1998.
  • AULARD, F. V. A."La société des Jacobins. Recueil de documents pour l'histoire de Jacobins de Paris". Vol. III. Paris: Joaust-Noblet-Quentin, 1889-1897.
  • BARCIA, F. "Marat". In: Il Rousseau dei giacobini. Ed. Anna Maria Battistaet al.,Urbino: Pubblicazioni dell’Università di Urbino, 1988, pp. 121-161.
  • BATTISTA, A. M. "Robespierre". In: Il "Rousseau" dei giacobini. Ed. Battista, AM. Urbino: Pubblicazioni dell’Università di Urbino, 1988, pp. 29-67.
  • BIRAL, A. "Rivoluzione e costituzione: la costituzione francese del 1791". In: Storia e critica della filosofia politica moderna. Ed. Alessandro Biral, A. Milano: Franco Angeli, 1999, pp. 207-225.
  • BIRAL, A. "La società senza governo. Lezioni sulla Rivoluzione francese". Vol 1. Padova: Il Prato, 2009.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Set 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2019
  • Aceito
    26 Jul 2019
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