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CONCEITO, VALOR, IMANÊNCIA: SOHN-RETHEL E A FORMAÇÃO DA IDEIA DE CRÍTICA IMANENTE EM ADORNO*

CONCEPT, VALUE, IMMANENCE: RETHEL AND THE FORMATION OF THE IDEA OF IMMANENT CRITIQUE IN ADORNO

RESUMO

Na segunda metade da década de 1930, Theodor W. Adorno e Alfred Sohn-Rethel estabeleceram um rico intercâmbio teórico, no qual uma enorme convergência inicial evolui para um gradual afastamento. Apesar de não reconhecer de pronto a procedência dos argumentos de Sohn-Rethel contra a formulação de seu procedimento de crítica imanente, Adorno os incorpora anos mais tarde. Além disso, a descoberta dessa revisão subterrânea ajuda a explicitar o sentido da transcendência da crítica imanente adorniana e sua relação com a crítica da economia política marxiana.

Palavras-chave:
Crítica da economia política; Teoria crítica; Dialética; Adorno; Sohn-Rethel

ABSTRACT

In the second half of the 1930s, Theodor W. Adorno and Alfred Sohn-Rethel established a rich theoretical exchange, in which a huge initial convergence evolved into a gradual alienation. Despite not immediately acknowledging the validity of Sohn-Rethel’s arguments against the formulation of his procedure of immanent critique, Adorno incorporates such arguments years later. Moreover, the discovery of this subterranean review helps clarifying the meaning of transcendence of the Adornian immanent critique and its relation with the Marxian critique political economy.

Keywords:
Critique of political economy; Critical theory; Dialectics; Adorno; Sohn-Rethel

Introdução

Uma recuperação da adoção e reelaboração do conceito de crítica imanente por Theodor W. Adorno mostra que um de seus pontos decisivos de virada se encontra no intercâmbio com Alfred Sohn-Rethel na segunda metade da década de 1930. Seu primeiro uso da noção é da malograda tese de habilitação de 1927, rejeitada pelo supervisor Hans Cornelius, na qual Adorno se propõe, numa passagem metodológica, realizar uma “crítica imanente” das teorias dogmáticas do inconsciente (AGS 1, pp. 113 s.). É bastante provável que o conceito tenha proveniência direta, ali, da influência da tese de Benjamin sobre a crítica de arte no romantismo alemão (Benjamin, 1991, pp. 77BENJAMIN, W. “Der Begriff der Kunstkritik in der deutschen Romantik”. In: W. Benjamin, 1991, Vol. I.1, pp. 7-122. ss.), mas isso não pode ser garantido. Em todo caso, após essa ocorrência no escrito de juventude de Adorno, o conceito como que permanece “incubado” até 1949, quando é utilizado já de modo maduro e terminologicamente fixado na Filosofia da nova música (AGS 12, pp. 33-4) e no ensaio “Crítica cultural e sociedade” (AGS 10.1, pp. 11 ss.). Nesse ínterim de 22 anos, o evento mais importante no que diz respeito à formação do conceito adorniano é uma discussão com Alfred Sohn-Rethel entre os anos de 1936 e 38. Nela esteve em jogo um dos problemas mais difíceis e especulativos implícitos no procedimento adorniano: o problema dos limites da imanência à qual a crítica imanente se refere. O nexo de imanência legítimo da crítica imanente é constituído estritamente por relações entre conceitos (ou, como se poderia dizer hoje, por um “espaço lógico de razões”)? O que há “fora” desse espaço? E como uma crítica imanente do que está “dentro” pode afetar o que está “fora” e mesmo a própria linha demarcatória? Além disso, está em jogo o sentido exato a ser dado a esse pressuposto à primeira vista compartilhado pelos debatedores: que há uma relação de posição (no sentido alemão de Setzung) entre, de um lado, as relações materiais de trabalho ou de troca (e este “ou” é um dos pontos de discordância) e, de outro, as relações lógicas entre os conceitos. O modo como Adorno lidou com todas essas questões, primeiro na ocasião e, de modo distinto, anos mais tarde, sugere que aquela discordância repercutiu de algum modo naquele período de 22 anos de “latência” do conceito.

O encontro entre Sohn-Rethel e Adorno é em geral lembrado para aproximar de modo impreciso o segundo da noção de “abstração real”, cunhada pelo primeiro.1 1 Ao que tudo indica, o conceito, ou melhor, o termo “abstração real” (Realabstraktion) é de introdução tardia no debate ao redor de Marx. No contexto do marxismo, a literatura secundária atesta a autoria do conceito a Sohn-Rethel (Elbe, 2010, p. 38; Jappe, 2013, p. 7), mas sua primeira ocorrência se dá apenas em 1970. Assim, por exemplo, uma afirmação como a de Lotz (2013, p. 111), de que “em uma carta a Sohn-Rethel, Adorno afirma que a interpretação de Sohn-Rethel da abstração real foi a experiência intelectual mais importante que ele já teve”, é, no mínimo, imprecisa, já que o conceito não se encontra nos textos de Sohn-Rethel aos quais Adorno reage na carta à qual Lotz se refere (de 17 de novembro de 1936). Em vez disso, o que é mencionado por Adorno na referida carta como objeto de seu deslumbre são antes três complexos temáticos, dos quais o primeiro é justamente o da crítica imanente, e entre os quais não se encontra o problema da abstração real, mesmo que ainda sem este nome. Cf. Adorno e Sohn-Rethel, 1991, p. 32. A carta é citada por extenso logo a seguir. De fato, a relação intelectual entre eles é complexa e composta por momentos de fascinação, rechaço e indiferença, como reconstrói Braunstein (2011, p. 77)BRAUNSTEIN, D. “Adornos Kritik der politischen Ökonomie”. Bielefeld: Transcript, 2011., e, se há certamente influência, como atesta a importante menção na Dialética negativa (AGS 6, p. 178),2 2 Aliás, menção cujo conteúdo é contestado pelo próprio Sohn-Rethel como impreciso. Cf. Sohn-Rethel, 1972, p. 90. nada seria mais errôneo do que pensar as controversas teorias de Sohn-Rethel sobre a origem histórica material da abstração e das estruturas epistemológicas – derivadas ali, de modo pouco mediado, ora do ato mental de abstração na troca, ora da separação entre trabalho manual e intelectual e ora simplesmente da exploração do homem pelo homem – como uma espécie de pressuposto clandestino que macula o pensamento de Adorno em geral.3 3 Como o faz, por exemplo, Trenkle (2002). No que segue, gostaria de reconstruir um ponto onde a influência pode ser demonstrada sobre uma base mais sólida, qual seja, o modo como Adorno se deixou afetar pelo que viu nos primeiros escritos de Sohn-Rethel como algo muito próximo de seu próprio conceito de método, ainda em desenvolvimento em seus estudos em Oxford, de crítica imanente.

I. Uma coincidência profunda

Em uma carta agora muito famosa, cujo tom afetivo entusiasmado é em geral apresentado na literatura para atestar inequivocamente a sua afiliação a Sohn-Rethel, Adorno relata ter sido sacudido por uma coincidência profunda entre as ideias da última carta de Sohn-Rethel e as suas próprias ideias fundamentais desenvolvidas em seu doutoramento em Oxford. Na Inglaterra desde pouco depois da ascensão ao poder dos nacionais-socialistas e do início da perseguição de Estado aos judeus, exilado sob o pretexto de um segundo doutoramento, Adorno escreve-a em 17 de novembro de 1936. Vale citá-la por extenso.

Caro Alfred,

creio não exagerar se lhe digo que sua carta significou o maior abalo intelectual que experimentei desde que me deparei pela primeira vez com o trabalho de Benjamin – e isso foi no ano de 1923! Esse abalo registra a grandeza e a violência de sua concepção – mas ele registra também a profundidade de uma coincidência que vai incomparavelmente mais longe do que o senhor podia imaginar e do que eu mesmo imaginava. E apenas a consciência dessa coincidência (da qual o senhor teria podido perceber vestígios no conceito de síntese falsa no trabalho sobre o Jazz) que, no entanto, consiste essencialmente [a)] na condução crítico-imanente (= identificação dialética) do idealismo até o materialismo dialético, [b)] no entendimento de que não é a verdade que está contida na história, mas sim a história que está contida na verdade, e [c)] na tentativa de uma pré-história da lógica – apenas essa enorme e confirmadora coincidência me impede de chamar o seu trabalho de genial – o medo de que então, no fim, também seria o meu próprio! Depois disso, nem preciso dizer o quanto anseio pelo nosso encontro. Leibniz deve ter se sentido assim quando ouviu falar da descoberta de Newton, e vice-versa. Não me tome por louco. Eu acredito agora com segurança naquilo que supus há tempos sobre minha tentativa: que somos capazes de explodir o idealismo concretamente: não pela antítese “abstrata” da práxis (como ainda em Marx), mas a partir da característica antinômica própria do idealismo. E isso seria – mas o que isso seria eu preferiria não dizer agora. Mas eu gostaria de dizer o que mais tarde vai soar ridículo – que irei fazer junto ao Instituto tudo o que sou capaz pelo seu trabalho!

Venha, por favor, se de algum modo for possível, já no sábado, por volta do meio-dia, e me avise rápido de modo mais exato.

Em amizade, do seu,

Teddie. (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 32ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.)

Mesmo julgando por um instante a comparação desatinada, Adorno aproxima a si próprio e a Sohn-Rethel de Leibniz e Newton, que descobriram independentemente um do outro o cálculo infinitesimal, tamanha é a pretensão das ideias próprias que vê confirmadas no seu correspondente. Essas ideias, Adorno as vinha justamente desenvolvendo naquele seu novo doutoramento em Oxford, investigação, como a do primeiro doutorado, outra vez dedicada a Husserl e que viria, vinte anos mais tarde, a se tornar a Metacrítica da teoria do conhecimento (AGS 5, p. 7 ss.).

A reação admirada de Adorno tem por objeto a carta de Sohn-Rethel datada de 4 e 12 de novembro de 36, que, por sua vez, constitui uma espécie de resumo de um trabalho maior anterior também enviado a Adorno. Sua história remonta a 1929, quando Sohn-Rethel inicia a redação do manuscrito que viria a ligá-lo aos frankfurtianos sob o impacto da audiência da discussão entre Cassirer e Heidegger em Davos. Sua escrita é retomada apenas bem mais tarde, em fevereiro de 1936, quando emigra, através da Suíça, da Alemanha, agora nacional-socialista, para Paris, aonde chegaria em setembro do mesmo ano. Consta que no segundo dia de sua estadia de meses na cidade helvética de Lucerna, Sohn-Rethel retoma um trabalho teórico há seis anos abandonado a fim de submetê-lo à apreciação do Instituto de Pesquisa Social, na pessoa de seu presidente Max Horkheimer, com vistas a uma eventual posição de colaborador científico. O manuscrito escrito entre março e julho, de título Teoria sociológica do conhecimento, também conhecido como o “exposé de Lucerna”, é enviado ainda a Bloch, Lukács, Benjamin e Adorno.

O manuscrito chega às mãos de Adorno num encontro pessoal em Paris em outubro de 1936, que escreve no início de novembro a Horkheimer sobre o texto: que ele é “extremamente difícil”, que ainda não o leu, e se o oferece para redigir um parecer para o eventual financiamento de seu desenvolvimento (Adorno; Horkheimer, 2003, p. 187_____. “Gesammelte Schriften”. 20 Vol. Ed. por R. Tiedemann, com a colaboração de G. Adorno, S. Buck-Morss e K. Schulz. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 2003 (Citado como AGS + número do volume).). No mesmo dia, escreve a Sohn-Rethel: o exposé é de uma “dificuldade extraordinária”. Apesar de entender que essa dificuldade é “expressão de uma fidelidade a intenções que são traídas por quase todos os demais”, Adorno ressalva: ela “me impede de me apropriar de seus pensamentos”, em particular porque no momento o próprio Adorno estava empenhado num trabalho “igualmente difícil” (ou seja, os estudos sobre Husserl de 34-37 em Oxford, que, como dito, compõem algo do que viria a ser a Metacrítica). Por isso, Adorno pede a Sohn-Rethel um esboço da “linha de pensamento” do exposé, com cerca de 10 a 12 páginas, para ajudá-lo na leitura do manuscrito extenso (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 9ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.). Nessa mesma carta, na qual Adorno confessa, se não exatamente não ter lido o exposé, ao menos não tê-lo bem compreendido – mas lembremos: a Horkheimer, Adorno escreve, no mesmo dia, que não leu o manuscrito –, ele comunica então a Sohn-Rethel, quase que de passagem, “os pontos da posição do problema com os quais eu estou de acordo com o senhor completamente”: “o inteiro complexo da história e da ‘historicidade’ da forma-mercadoria”, “o problema da mediação entre base estrutural e ideologia”, para o qual Adorno diz ter ele mesmo uma sugestão de solução que ainda espera entender se coincide com a do correspondente; e a questão da “superação da antinomia de gênese e validade”, que, acrescenta ainda, era central para livro que Adorno escrevia então (“a ‘reificação da lógica’ e a validade como ‘síntese esquecida’ são nele conceitos centrais”) (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 9ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.). Já nesta carta preliminar, à qual se seguiria, duas semanas depois, a entusiasmada carta apresentada acima, Adorno já manifesta a Sohn-Rethel a afinidade de seus projetos. Apenas faz uma pequena objeção, ao fim: segundo a impressão que teve do longo manuscrito de Lucerna, Sohn-Rethel parece querer “tornar a dialética materialista uma prima philosophia (para não dizer uma ontologia)”, enquanto o próprio Adorno gostaria antes de “liquidar a prima philosophia [...] e colocar no lugar dela uma ultima philosophia” (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 9ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.). Algo semelhante Adorno já havia manifestado a Horkheimer. Em 30 de outubro, havia lhe escrito já dizendo que, apesar de ainda não tê-lo lido, o trabalho de Sohn-Rethel “é digno de atenção”, mas com uma reserva: “se a suspeita que se impõe de início de uma ontologização da dialética materialista como uma espécie de ‘situatividade do ser’ – ou como quer que se chame isso hoje – é justificada, não sei dizer. Sohn o recusa veementemente” (Adorno; Horkheimer, 2003, p. 207_____. “Gesammelte Schriften”. 20 Vol. Ed. por R. Tiedemann, com a colaboração de G. Adorno, S. Buck-Morss e K. Schulz. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 2003 (Citado como AGS + número do volume).). O odor de ontologia fundamental no manuscrito de Sohn-Rethel, o qual não carece de uma dose de jargão heideggeriano, provoca de partida uma certa aversão nos frankfurtianos.4 4 Todo o exposé é marcado pela confluência de uma espécie de sociologia da gênese da razão formal, tipicamente heidelberguiana (de Weber a Elias, passando por Mannheim), e da ontologia fundamental freiburguiana, confluência a partir da qual o marxismo é lido. O próprio Adorno escreve a Horkheimer, em 23 de novembro de 1936, que a linguagem do exposé justifica a suspeita de que se trata de uma “superficialização mediante a profundidade” de tom heidelberguiano ou freiburguiano do marxismo (Adorno; Horkheimer, 2003, p. 226). Sobre a presença de Heidegger no manuscrito, escreve Breuer: “Ao mesmo tempo, misturavam-se a esse discurso [marxista] questões e terminologias que parecia ter origem antes no universo de pensamento de Martin Heidegger. Ali era levantada a ‘pergunta pelo ser’ e discutida a ‘unidade do ser de todo ente’, falava-se da ‘identidade de ser-aí’, da ‘ordem de ser-aí’ e do ‘entrelaçamento de ser-aí’, e isso numa proporção que fez Adorno ver-se, depois de um encontro em 1931 com Sohn-Rethel, disposto a falar de um ‘episódio Heidegger’ [numa correspondência a Kracauer]” (Breuer, 2016, p. 228).

Sohn-Rethel responde, em 12 de novembro, a carta de Adorno, remetendo-lhe a requisitada linha de raciocínio resumida do exposé, e eles discutem presencialmente essa carta em uma visita de Sohn-Rethel a Oxford em 22 de novembro de 36. A discussão serve de base para Sohn-Rethel reescrever o trabalho para enviar a Horkheimer – de cujo financiamento ele dependia e que, a essa altura, já havia também recebido o manuscrito de Lucerna e expressado a Adorno ter achado o trabalho muito prolixo, dedicado a temas demais sem ser capaz de desenvolvê-los efetivamente (Adorno; Horkheimer, 2003, p. 213_____. “Gesammelte Schriften”. 20 Vol. Ed. por R. Tiedemann, com a colaboração de G. Adorno, S. Buck-Morss e K. Schulz. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 2003 (Citado como AGS + número do volume).). Sobre essa carta, que não é senão uma síntese e uma indicação de um percurso recortado de leitura da teoria sociológica do conhecimento do longo manuscrito de Lucerna, já sabemos o que pensou Adorno. Recuperando, antes de entrar no problema teórico, os pontos de convergência das intuições de Sohn-Rethel e das suas próprias, segundo sua enumeração naquela carta, eram eles: a) o procedimento de crítica imanente, com o qual Adorno vê semelhanças na noção de Sohn-Rethel de “identificação dialética”, b) a correta compreensão sobre a relação entre gênese e validade, ou entre história e verdade, e c) a intenção teórica (não mais do que corolário do anterior) de realizar uma “pré-história da lógica”, isto é, o processo pelo qual a sua validade se impôs historicamente. Adorno remete ainda a seu conceito de “síntese falsa”, tão frequente nos seus trabalhos tardios, mas que, a se tomar a sua palavra, possivelmente é pensado pela primeira vez à luz da sua crítica do Jazz.5 5 Isto é, no artigo Über Jazz, publicado ainda naquele ano de 1936 no volume 5 da Zeitschrift für Sozialforschung e compilado atualmente em AGS 17, pp. 74-108, sem tradução para o português. Ali, diz Adorno em conclusão: “Jazz, a síntese da marcha e da música de salão, é uma síntese falsa: a síntese de um elemento subjetivo destruído e de um poder social que o produz, o aniquila e o objetifica através de sua aniquilação” (AGS 17, p. 108). A seguir, faço uma sinopse da dita teoria da socialização funcional de Sohn-Rethel a fim de mostrar o conteúdo daquilo que chegou às mãos de Adorno, destacando os elementos sublinhados por ele próprio.

II. Socialização funcional e identificação dialética em Sohn-Rethel

“‘Sociedade’ é, no sentido dessa investigação, um nexo dos homens em relação a seu ser-aí, a saber, um nexo em cujo plano um pedaço de pão que uma pessoa come não sacia a fome da outra” (Sohn-Rethel, 1985, p. 39_____. "Soziologische Theorie der Erkenntnis". Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1985.). Com essa sentença sintética, desdobrada variadamente nos seus capítulos seguintes, Sohn-Rethel abre o extenso exposé de Lucerna. Ela teria sido escrita ainda em Davos, sob o efeito do embate entre Heidegger e Cassirer. Embora seja em regra melhor traduzido por “existência”, mantenho eventualmente a tradução de Dasein por “ser-aí” para deixar marcada a influência daquela nova ontologia. A sociedade é conceituada repetidamente no manuscrito como Daseinszusammehang, nexo existencial, ou, para manter o jargão, algo como “ser-aí entrelaçado”, “vínculo de ser-aí”. Essa proposição que abre o texto, à qual Sohn-Rethel atribuía a maior importância, considerando-a a sua intuição originária, não volta a aparecer no resumo contido na carta de 12 de outubro, o que já representa uma primeira necessidade de repressão do tom freiburguiano para adequação aos critérios de financiamento de trabalhos dos frankfurtianos.

Os agrupamentos humanos não foram sempre, para Sohn-Rethel, esse entrelaçamento de existências, esse nexo entre indivíduos da colocação do sentido de seu próprio ser em questão. Eles o são apenas desde que vigora aquilo que ele chama de “socialização funcional”. Houve agrupamentos humanos “naturais”, integrados por relações de parentesco, por “vínculo de sangue” (Sohn-Rethel, 1985, p. 49_____. "Soziologische Theorie der Erkenntnis". Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1985.), segundo a natureza do homem “no que diz respeito a nascimento, parentesco, morte, e seus meios de vida na relação de trabalho com a natureza” (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 20ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.). No entanto, a aparição histórica imemorial de relações de exploração instaura uma “quebra peculiar e muito profunda na práxis do ser do homem” (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 13ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.). Quando pela primeira vez os homens escravizam-se uns aos outros, põe-se pela primeira vez a “unidade do ser” pelo ato prático da apropriação do produto do trabalho. O que é apropriado por um, é retirado de outro, e com isso o “ser” (entendido, ao que se vê, como a “totalidade do ente”) é interpretado como unitário. Apenas a exploração viria a constituir primária e ontologicamente, para Sohn-Rethel, essa “unidade do ser das coisas”. Como a privação pela exploração primária é o ato fundador da “socialização funcional”, é esta que constitui o ser enquanto unitário – no sentido de que, na dicção da primeira sentença do texto, o pão consumido pelo senhor não mata a fome do escravo. Daí que a emergência histórica da exploração pela apropriação transforme “ordens naturais em ordens existenciais”. O “princípio formal constitutivo” da apropriação “é o da identidade do ser-aí dos objetos apropriados na relação de exploração entre a parte dominante e a parte dominada. Ela é, portanto, um entrelaçamento de ser-aí dos homens segundo princípios da unidade do ser” (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 19ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.).

Enquanto no exposé o problema da instauração da unidade do ser pela quebra realizada pela emergência da exploração é objeto de reiteradas reflexões, na carta que resume o manuscrito ele aparece apenas de passagem, e é reconduzido a outro conceito. Agora já quase não se fala de “unidade do ser”, mas sim de “modus identitário do ser-aí”. É esse “modo” que é agora instaurado pela exploração.

O modus identitário do existente, ou seja, a ‘identidade do ser’, é portanto ab origine unidade na relação de exploração e é constitutivo para ela; pois o ato de apropriação da exploração abstrai o produto do produtor, ‘reifica’ o produto humano, neutraliza-o como coisa, fixa-o como ser-aí pronto e acabado tomado das mãos do produtor, como produto independente de sua produção, como algo dado ou algo tomado tendo-se despregado da produção humana [...], não como produto natural (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 18ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.).

Essa significativa reelaboração conceitual poderia talvez se dever às conversas já tidas com Adorno, por exemplo, quando da entrega do manuscrito em Paris. A noção de 1936 de “síntese falsa”, à qual se refere o próprio Adorno em sua resposta, já prenuncia a crítica à identidade, e o manuscrito de Adorno “Zur Philosophie Husserls”, de 1937 (AGS 20.1, pp. 46-118), entregue à leitura de Sohn-Rethel e que constituiria, com poucas modificações, o quarto capítulo da Metacrítica, já contém desenvolvida e bem formulada a ideia de uma crítica ao pensamento identificador. Enquanto “unidade do ser” é uma categoria ontológica, “identidade” é uma categoria lógico-epistêmica (A=A). Em todo caso, a mudança em Sohn-Rethel não é apenas terminológica. Na nova formulação, o fato da exploração é constitutivo não apenas da unidade do ser (o que, em todo caso, é algo de difícil compreensão – quando muito, a apropriação do produto pelos dominantes parece explicitar a unidade do mundo do produzido, e não constituí-la), mas constitutivo do modo identitário de ser das coisas. O produto do trabalho seria posto como idêntico a si mesmo porque é produzido para a apropriação por outro. Sohn-Rethel não o diz nestes termos, mas é como se implicasse algo como: a privação de bens de consumo pela apropriação na relação de dominação põe existencialmente os princípios lógicos de não contradição (algo não pode ser meu e seu ao mesmo tempo), de identidade (o objeto é idêntico a si próprio, pois o que é meu é o mesmo que não é seu) e de terceiro excluído (ou o objeto é meu ou não é, não há outra possibilidade). Em todo caso, o vocabulário seguirá oscilante entre afirmações ontológicas fortes e derivações epistêmicas a partir de estados de coisas sociais práticos.

Posta a “unidade do ser”, ou o “modo identitário de ser das coisas”, pela socialização funcional, põe-se também correlativamente a estrutura social real para a emergência do “conhecimento”. Pois a “estrutura fundamental de todo existente no que diz respeito à unidade de seu ser” é também “para o sujeito existente singular o fundamento de determinação da realidade objetiva dos objetos de sua percepção, em outras palavras, o fundamento da validade objetiva de seu conhecimento” (Sohn-Rethel, 1985, p. 41_____. "Soziologische Theorie der Erkenntnis". Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1985. s.). O mundo se tornaria pela primeira vez objeto passível de conhecimento. “Pois o que se declara é que os homens estão, no que diz respeito a sua existência (em uma tal sociedade), sob os mesmos princípios enquanto leis de seu ser social que constituem, no que diz respeito à essência do existente, os princípios da objetividade para seu conhecimento” (Sohn-Rethel, 1985, p. 40_____. "Soziologische Theorie der Erkenntnis". Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1985.). Mas embora seu pressuposto objetivo esteja dado, a estrutura epistêmica complementar, o sujeito, só emergiria mais tarde a partir de uma reflexão dessa primeira forma de exploração.

Uma vez instaurada a socialização funcional, ela passaria historicamente por um “processo evolutivo da relação de exploração enquanto processo dialético de reflexão” (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 21ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.). Embora ressalve que não deseja formular uma filosofia da história, Sohn-Rethel enxerga uma linha de dois níveis de reflexão posteriores à emergência da exploração. A relação de exploração primária, isto é, a exploração pela apropriação do produto do trabalho de um grupo por outro (que se deu, segundo o autor, no “Oriente” e no “Egito”), corresponde à “forma de uma relação social de poder imediata e natural, que reflete a si mesma como Estado” (Sohn-Rethel, 1985, p. 52_____. "Soziologische Theorie der Erkenntnis". Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1985.). O próximo momento, a “Antiguidade”, isto é, algo que teria início na formação dos povos helênicos, se destaca do anterior por não ser simplesmente uma “relação de dominação da exploração”, mas uma “exploração de ordens que por sua vez já eram relações de exploração”, ou seja, uma “relação de dominação da exploração refletida” (Sohn-Rethel, 1985, p. 57_____. "Soziologische Theorie der Erkenntnis". Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1985.). Aquilo que era antes o Estado como um todo agora é a relação privada dos cidadãos particulares com a administração doméstica de escravos e a produção de riqueza. A sociedade antiga é a sociedade desses cidadãos uns com os outros, e é assim reflexão interna da primeira forma de socialização funcional. É nesse estágio que surgem concomitantemente o dinheiro e a noção de subjetividade. O dinheiro seria como que um resultado daquela dobra reflexiva da dominação sobre si mesma, e é descrito, correspondentemente, como “formação refletida de riqueza”.

Os gregos descobriram, portanto, a forma-valor da riqueza, a saber, considerando a riqueza, abstraíram pela primeira vez da forma natural particular, contingente, e sempre cambiante dos produtos a sua figura de valor social geral, e com isso apreenderam a essência da riqueza como validade apenas entre os homens e como algo distinto e em contraposição à natureza, e com isso criaram em seguida também na figura do dinheiro a existência destacada e puramente funcional da forma-valor (Sohn-Rethel, 1985, p. 58_____. "Soziologische Theorie der Erkenntnis". Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1985.).

A exploração e, com ela, a produção de riqueza são refletidas sobre si próprias: ocorre agora a troca dos exploradores entre si e das cidades entre si, e com isso aparece a forma social adequada, a forma-valor social do dinheiro. A produção permanece “natural”, artesanal; o produtor permanece “natural”, escravo. Apenas a valorização de riqueza (e parece que o que Sohn-Rethel quer dizer com isso é: a circulação) é “funcionalizada” (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 22ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.).

A dedução da estrutura do conhecimento a partir de sua síntese histórica real no ser social tem seguimento na constatação de uma suposta coincidência histórica da emergência do dinheiro, entre os jônios ao redor do ano 700 a.C., e da emergência da “autoidentificação do ser humano enquanto ‘sujeito’” (Sohn-Rethel, 1985, p. 171_____. "Soziologische Theorie der Erkenntnis". Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1985.). Para Sohn-Rethel, “o surgimento da subjetividade é inclusive o correlato indissociável da formação da forma-dinheiro do valor” (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 24ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.), e é o dinheiro que força os seres humanos a refletirem sobre seu “ser-aí” e entenderem a si próprios como sujeitos. No dinheiro, os cidadãos que se apropriam do produto da exploração trocam-no uns com os outros, e se tornam sujeitos ativos de sua socialização funcional. “Esta é a constelação fundamentação da gênese da subjetividade. Sujeito é o homem no caráter formal de autor da socialização, na qual ele entra em cena como homem consciente e que age livremente” (Sohn-Rethel, 1985, p. 173_____. "Soziologische Theorie der Erkenntnis". Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1985.). Se antes o “modus identitário” se aplicava aos objetos, agora “não apenas os produtos enquanto coisas, mas os próprios homens, e, no caso, os que exploram, ou seja, os verdadeiros atores históricos da relação de exploração e da socialização funcional emergem aqui nesse modus identitário do ser-aí, se identificam enquanto ‘sujeitos’” (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 25ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.). Essa estrutura epistêmica, agora subjetiva, se adequa à estrutura do objeto que já havia sido posta pela exploração primária: “para o homem enquanto sujeito, a efetividade possui sempre a forma do ‘mundo’, no qual o ente (enquanto puro dado) existe segundo princípios da unidade, ou seja, enquanto objeto” (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 25ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.). Mas a condição real primária da emergência da subjetividade segue sendo a “privação”, o fato de que a coisa que um indivíduo consome é retirada do mundo dos objetos de consumo possíveis do outro indivíduo. “Mas a lei segundo a qual este mundo pode ser uno para o sujeito de seu ser-aí é assim por princípio fundamentada ‘antes de todo conhecimento’ na legalidade segundo a qual o nexo de ser-aí social dos homens é uno segundo as funções da identidade de ser-aí exemplar de seus meios de existência” (Sohn-Rethel, 1985, p. 203_____. "Soziologische Theorie der Erkenntnis". Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1985.), isto é, dos objetos de seu consumo.

Por fim, há um terceiro e último estágio de reflexão da socialização funcional, estágio que Sohn-Rethel chama de “Ocidente”, e não se confunde apenas com o capitalismo plenamente instaurado, mas tem início ainda na Baixa Idade Média, com as corporações de ofício. Enquanto na “Antiguidade” a produção permanecia “natural” e apenas a forma da riqueza havia sido funcionalizada, agora é a própria relação de exploração do trabalho que se dobra reflexivamente sobre si mesma: “assim como a cultura antiga se levanta com a reflexão da formação da riqueza por parte dos exploradores, a cultura ocidental começa com sua reflexão por parte dos explorados, ou seja, dos próprios produtores” (Sohn-Rethel, 1985, p. 74_____. "Soziologische Theorie der Erkenntnis". Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1985.), que agora são sujeitos do trabalho livre e da troca. A produção, que permanecia até então externa à socialização funcional, i.e., permanecia “natural”, agora entra ela própria no circuito da socialização, o que a torna total. O fato de que, no capitalismo, a produção é ela própria orientada essencialmente pelo valor, e não pela utilidade da mercadoria, tem por consequência uma espécie de “emparedamento” da questão do conhecimento. Essa socialização funcional total dos seres humanos faz com que o “ser-aí dos homens” se torne totalmente condicionado pelo “ser-aí das coisas”. Essa ausência de exterioridade se põe como desafio a essa abordagem materialista do problema do conhecimento.

O fato de que os meios de existência dos homens no capitalismo são produzidos enquanto valores econômicos significa portanto que a produção das coisas e o inteiro nexo vital dos homens se reduz às meras leis do ser-aí dos homens mediante o ser-aí das coisas, de tal modo que exclusivamente ainda o mero ser-aí domina o mundo social dos homens e o mundo objetivo das coisas para esses homens. Ora, mas esse modo do ser-aí é a efetividade do ser? Para os sujeitos do conhecimento ele o é, sem dúvida, pois os homens só são sujeitos do conhecimento neste mundo e segundo as leis do ser-aí, de tal modo que para eles, segundo os critérios de seu conhecimento, esta sociedade possui validade universal pura e simplesmente e é inclusive ela própria pressuposto do caráter de validade universal do conhecimento dela própria. No interior do conhecimento, não poderemos esperar receber uma resposta àquela pergunta, pois o conhecimento e a ‘subjetividade’ neste mundo estão murados desde as raízes, e podem tão pouco suprassumir seus próprios pressupostos a priori quanto podem transcendê-los (Sohn-Rethel, 1985, p. 106_____. "Soziologische Theorie der Erkenntnis". Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1985. s.).

A abordagem de Sohn-Rethel se torna ela própria refletida, o percurso da investigação repõe o problema. A tentativa de solucionar o problema do conhecimento pela hipótese da sua constituição objetiva pela constituição do ser social pretendeu ter descoberto, seguindo o fio do conceito de socialização funcional, a posição da estrutura elementar do conhecimento, a estrutura sujeito-objeto, na instauração da relação de exploração e em sua dobra reflexiva sobre si próprio na emergência do dinheiro. Todos esses passos são passos nos quais a emergência de algo ao mesmo tempo nega e oculta aquilo de onde proveio, formando um verdadeiro “nexo de ocultação” ou “nexo de ofuscação”.6 6 A primeira expressão, Verdeckungszusammenhang, é da carta de Sohn-Rethel com a síntese do manuscrito de Lucerna (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 27), enquanto a segunda, Verblendungszusammenhang, terminologicamente fixada na obra de Adorno posterior, aparece no próprio exposé (Sohn-Rethel, 1985, p. 200). Ao que pude constatar, a primeira ocorrência de Verblendungszusammenhang em Adorno se encontra em “O fetichismo da música e a regressão da audição”, texto publicado no sétimo número Zeitschrift für Sozialforschung (Adorno, 1938, p. 338). Ou seja, a adoção do termo em Adorno é imediatamente posterior ao recebimento do manuscrito de Sohn-Rethel, onde ele já constava, o que fortalece a hipótese de que foi dali coletado. Sohn-Rethel seria, portanto, o cunhador do termo, ou ao menos o primeiro a usá-lo por escrito. A totalização do circuito de determinação no capitalismo engendra também um aparente bloqueio da questão do conhecimento. O conhecimento do conhecimento é ele próprio conhecimento, a teoria da determinação das teorias é ela própria teoria, mas sabe-se determinada por uma estrutura que sabe ser contingente. Como sair desse círculo?

Aqui entra em cena todo o aparato dialético da crítica marxiana. “A crítica material da filosofia idealista ocorre pela ‘crítica da economia política” (Sohn-Rethel, 1985, p. 205_____. "Soziologische Theorie der Erkenntnis". Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1985.), ou, em ordem inversa, “em prol da solução dos problemas postos por ele mesmo, o idealismo se transforma no materialismo dialético!” (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 24ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.). Pois o fato de que a investigação aprofundada do seu objeto descobre a necessidade lógica, em seu funcionamento, tanto do mais-valor quanto da dinâmica das crises, ou seja, de contradições no interior do objeto, mostra a falsidade da socialização funcional. “O insucesso da síntese [material, real] se mostra nas crises e a teoria da crise é a verdadeira crítica de toda postulação idealista da síntese” (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 21ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.). Daí a formulação do método da investigação de Sohn-Rethel como o da “identificação dialética”, definida, numa nota de rodapé, como “a posição (através do ato) do antitético como idêntico” (Sohn-Rethel, 1985, p. 250, n. 35_____. "Soziologische Theorie der Erkenntnis". Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1985.). O conceito de socialização funcional seria “o ponto na forma-mercadoria a partir do qual é possível detonar criticamente o seu nexo de ocultação através de sua inteira história”, e isso equivaleria uma “identificação dialética”, a descoberta da antinomia no interior da identidade e a consequente cisão da “unidade do ser”, ou, como escreve Sohn-Rethel na correspondência, “o ‘despedaçamento do espelho em cacos’, como dissemos aquela vez em Paris” (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 27ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.) (isto é, no encontro no qual Adorno recebe de Sohn-Rethel em mãos pela primeira vez o manuscrito).

III. Liquidação da filosofia e crítica imanente

Podemos distinguir agora todos os elementos dessa primeira formulação da teoria sohn-retheliana que chamaram a atenção de Adorno naquela carta em razão da “semelhança profunda” com suas próprias intenções teóricas nos estudos sobre Husserl em Oxford: o objetivo de compreender corretamente a relação entre gênese e validade das categorias do pensamento e consequente intenção de realizar uma “pré-história da lógica”, que convém agrupar de um lado, e o procedimento da crítica imanente, que Adorno enxerga como semelhante ao que Sohn-Rethel chama de “identificação dialética”, de outro. Sabemos que algo semelhante a uma “pré-história da lógica” de Adorno (e de Horkheimer) veio a lume menos de uma década mais tarde, a Dialética do esclarecimento, onde se lê que “a universalidade dos pensamentos como a lógica discursiva os desenvolve, a dominação na esfera do conceito, se eleva sobre o fundamento da dominação na efetividade” (Adorno; Horkheimer, 1987, p. 36_____. “Dialektik der Aufklärung”. In: M. Horkheimer, 1987. pp. 10-290.). Em todo caso, ainda que o trabalho sobre Husserl em Oxford – que Adorno, em carta a Horkheimer, diz entender como um estudo preparatório ao livro conjunto a ser ainda escrito (Adorno; Horkheimer, 2003, p. 56_____. “Gesammelte Schriften”. 20 Vol. Ed. por R. Tiedemann, com a colaboração de G. Adorno, S. Buck-Morss e K. Schulz. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 2003 (Citado como AGS + número do volume).) – não seja dedicado à narração da gênese e não conte nenhuma história, seu projeto é o de encontrar na imanência dos conceitos husserlianos e na teia de relações que os ligam o mundo prático e material de onde eles emergem. Nisso chegamos ao que aqui interessa, pois é justamente esse o procedimento que Adorno virá a chamar de crítica imanente.

Adorno nunca chegou a defender sua tese de doutoramento em Oxford; frequentou o Merton College de 1934 a 37, permaneceu matriculado até 1943, mas já em 1938 havia emigrado novamente, desta vez para Nova Iorque. Consta que ao fim da estadia, em 37, Adorno possuía um longo manuscrito de 440 páginas datilografadas, e são essas folhas que seriam reelaboradas até a publicação, em 1957, da Metacrítica da teoria do conhecimento. Disso tudo, apenas o manuscrito Zur Philosophie Husserls, publicado apenas quando do retorno à Alemanha em 1949 e depois, em 57, reelaborado e transformado no quarto capítulo da Metacrítica, era considerado maduro e foi lido já em 37 por interlocutores de Adorno, como Horkheimer, Benjamin e Sohn-Rethel.7 7 Para a história detalhada da estadia de Adorno em Oxford, cf. Kramer e Wilcock (1999). Como escreve a Horkheimer em 1935, o objetivo da tese de Oxford, que à época guardava o título provisório “As antinomias fenomenológicas”, era o de “conduzir as contradições imanentes da fenomenologia até a sua autodissolução” (Adorno; Horkheimer, 2003, p. 56_____. “Gesammelte Schriften”. 20 Vol. Ed. por R. Tiedemann, com a colaboração de G. Adorno, S. Buck-Morss e K. Schulz. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 2003 (Citado como AGS + número do volume).). Entre junho e outubro de 36, isto é, antes do contato com o manuscrito de Sohn-Rethel, e tendo em mente também as semelhanças entre seu projeto de Oxford e certas intenções teóricas manifestas por Marcuse em seu último artigo na Zeitschrift für Sozialforschung sobre o conceito de essência (Marcuse, 1936MARCUSE, H. “Zum Begriff des Wesens”. Zeitschrift für Sozialforschung, Jahrgang V, Heft I, 1936, pp. 1-39.), Adorno escreve a Horkheimer que “a liquidação imanente do idealismo me parece hoje irrenunciável e [...] absolutamente possível”, e que consegue imaginar “ser capaz de realizar [...] uma explosão imanente terminante do idealismo” (Adorno; Horkheimer, 2003, pp. 168 e 202_____. “Gesammelte Schriften”. 20 Vol. Ed. por R. Tiedemann, com a colaboração de G. Adorno, S. Buck-Morss e K. Schulz. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 2003 (Citado como AGS + número do volume).).

“Liquidação” é um conceito central do programa teórico da aula inaugural de Adorno ao assumir uma cátedra em Frankfurt em 1931. Naquela conferência, de título “A atualidade da filosofia”, Adorno sustentou, retomando um tema da juventude de Marx, que “toda filosofia para a qual o que importa hoje não é a segurança da condição social e espiritual existente, mas sim a verdade, vê-se hoje confrontada com o problema da liquidação da própria filosofia” (AGS 1, p. 331). Liquidar, em português como em alemão (liquidieren, justamente, de raiz latina), significa vender todos os ativos para saldar todos os passivos e obter um saldo final líquido, a fim de dar cabo e decretar a falência de um empreendimento. As imagens contábeis da prosa flosófica adorniana não são fortuitas, como espero mostrar em mais detalhes em outro trabalho. Elas aludem a uma tese de fundo, que só eventualmente vem ao primeiro plano, do pensamento de Adorno: a de que as relações conceituais apresentam uma relação de isomorfia, homologia ou protoparentesco (Fleck; Pucciarelli, 2019FLECK, A.; PUCCIARELLI, D. “Protoparentesco, homologia, isomorfia: Transições intercategoriais na teoria crítica de Adorno”. Ethic@, Vol. 18, Nr. 1, 2019, pp. 109-126.) com as relações de troca de equivalentes (em outras palavras, que as relações de “troca” entre os conceitos, ou seja, as inferências lógicas, são estruturalmente semelhantes às relações de troca de mercadorias). Adorno também se refere a essa estruturação com a noção benjaminiana de “nexo de dívida-culpa” (Schuldzusammenhang), que Sohn-Rethel usará (certamente por influência adorniana) no seu manuscrito seguinte, já em cujo título, aliás, a reverberação das conversas com Adorno também se faz sentir: “Para a liquidação crítica do apriorismo” (Sohn-Rethel, 1971, p. 28SOHN-RETHEL, A. "Warenform und Denkform: Aufsätze". Frankfurt a.M.: Europäische Verlagsanstalt, 1971.).8 8 A adoção, por Sohn-Rethel, da noção de nexo de dívida-culpa no seu segundo manuscrito, de maio de 1937, é, aliás, o primeiro elemento ressaltado por Adorno a Horkheimer ao ter contato com o texto: haveria naquele novo texto um “achado” (trouvaille) escondido “no meio da sujeira da linguagem de proxeneta da universidade alemã”: “hoje eu quero esboçá-lo apenas com a fórmula que aparece no novo manuscrito de Sohn-Rethel de que o caráter sistêmico do idealismo é expressão do nexo de dívida-culpa (i.e., do nexo de exploração) da sociedade civil-burguesa” (Adorno; Horkheimer, 2003, p. 357). É, de fato, a si mesmo no espelho de Sohn-Rethel quem Adorno “acha”. De resto, sobre a noção de liquidação que comparece agora já no título do novo manuscrito, cf. a admoestação de Adorno a Sohn-Rethel quando da recepção do primeiro manuscrito, o de Lucerna: “Um escrúpulo que tive a partir da minha primeira impressão e da sua carta a Horkheimer é antes o de se no senhor, para dizê-lo cruamente, a dialética materialista não se torna uma prima philosophia (para não dizer uma ontologia), enquanto a Horkheimer e certamente a mim o objetivo mais importante da dialética materialista parece a ideia de liquidar a prima philosophia” (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 11). Essa é uma ideia que já emerge no próprio escrito da época “Sobre a filosofia de Husserl”, em que Adorno escreve, por exemplo: “O desenvolvimento processual da teoria do conhecimento idealista se iguala a um processo de troca: ele se passa segundo equivalências, e não é possível corrigir nenhum erro sem pôr necessariamente um novo erro” (AGS 20.1, p. 84). Embora pareça ter, à distância, uma coloração sohn-retheliana, essa ideia, ao redor da qual Adorno teceria constelações até o fim de sua vida, não corresponde às ideias do manuscrito de Lucerna e da carta que a ele segue. Se algo semelhante aparece no manuscrito seguinte de Sohn-Rethel, parece, portanto, ser antes fruto de uma revisão do primeiro manuscrito que absorve as sugestões de Adorno.

A noção adorniana de juventude de “liquidação” é a ideia ascendente do seu conceito de crítica imanente. Suas melhores explicitações se encontram nos registros dos protocolos de discussão com Horkheimer. Trata-se de discussões de planejamento do livro em comum em que tais questões de método precisavam ser postas na mesa. Numa discussão de 1939, por exemplo, Adorno argumenta:

Nós não temos de responder às questões da filosofia burguesa, pois elas são expressão das antinomias burguesas e por isso são conceitos aporéticos. Nós só as podemos abolir, i.e., mostrar as raízes em razão das quais essas questões estão postas. Um mundo teórico no qual essas questões tenham desaparecido parecerá muito distinto. [...] Na medida em que as questões que liquidamos são questões socialmente necessárias, só são questões genuínas, e não ilusórias, aquelas que não se deixam responder. Mas por isso, em certo sentido, sua dissolução é também sua resposta, e não sua mera eliminação. Elas são realmente “suprassumidas” (Adorno; Horkheimer, 1985, p. 492ADORNO, Th. W.; HORKHEIMER, M. “[Diskussionen über die Differenz zwischen Positivismus und materialistischer Dialektik] (1939)”. In: M. Horkheimer, 1985, pp. 436-492.).

Com ainda mais clareza, Adorno propõe, contra a proposta de método de Horkheimer, em 1946, isto é, já depois da publicação provisória do livro (que se mostrou, na verdade, sua publicação definitiva):

A ideia que tenho é a de que nos confrontemos com a situação do pensamento no modo como ele se encontra codificado na filosofia, e que, pela autocrítica desse pensamento, que é ao mesmo tempo a crítica social, cheguemos desde dentro desse próprio pensamento à resposta à questão de como é possível a teoria. [...] Se interrogarmos as categorias lógico-transcendentais quanto a seu próprio sentido, [...] então aparece, enquanto sentido das próprias categorias, a realidade histórico-social (Adorno; Horkheimer, 1985, pp. 602-603ADORNO, Th. W.; HORKHEIMER, M. “[Diskussionen über die Differenz zwischen Positivismus und materialistischer Dialektik] (1939)”. In: M. Horkheimer, 1985, pp. 436-492.).

Em 1931, na conferência inaugural, Adorno oferece apenas um exemplo de problema filosófico a ser “liquidado”, mas sua escolha é reveladora. Para o jovem Adorno, a análise da forma-mercadoria “liquida” o problema filosófico da coisa em si: “seria possível que a figura histórica da mercadoria e do valor de troca, como uma fonte de luz, tornasse visível a figura de uma realidade cujo sentido oculto à investigação do problema da coisa em si se esforça em vão por mostrar, pois ela não tem um sentido oculto que fosse separável de sua aparição histórica única e primeira” (AGS 1, p. 337). Não é simplesmente que o problema da coisa em si seja resolvido ao se mostrar as condições materiais de sua emergência, pois “o teor de verdade de um problema é por princípio distinto das condições históricas e psicológicas das quais ele resulta” (AGS 1, p. 337). Lembremo-nos da formulação tética lapidar de Adorno, aliás, repetida na carta com a qual responde a carta-síntese de Sohn-Rethel, de que “não é a verdade que está contida na história, mas sim a história na verdade” (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 32ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.). A liquidação, e, adiante, a crítica imanente adorniana não relativizam os problemas filosóficos reduzindo-os à sua gênese. A ideia, ao contrário, é fazer emergir a realidade prática de dentro dos problemas filosóficos, de sua autonomia e fechamento estritos – em outras palavras, do fato de que, apesar de estarem correlacionados a condições históricas reais, só é possível fazer justiça a essa correlação ao levar os problemas filosóficos a sério enquanto problemas autônomos em relação às suas condições genéticas. Por isso, é a sua gênese que precisa aparecer no interior da validade, e não o contrário.

Entende-se, portanto, por que Adorno se interessa a tal ponto pela noção sohn-retheliana de identificação dialética, assimilando-a, num primeiro momento, à sua crítica imanente como realizada sobre a teoria do conhecimento husserliana. Para Sohn-Rethel, a crítica da economia política demonstra a falsidade das categorias flosóficas idealistas e transcendentais porque, por um lado, identifica-as como postas pelas abstrações da troca e, por outro, reconduz suas antinomias às contradições da reprodução econômica capitalista, no modo como atingem o paroxismo, em particular, na teoria da crise. A crise é, em Sohn-Rethel, a síntese real fracassada que demonstra o fracasso da síntese conceitual nela espelhada; e, por isso, despedaça em cacos o próprio espelho entre elas. A diferença em relação a Adorno, contudo, está em que a crítica da economia política atinge o sistema idealista vinda de um lugar pretensamente a ele exterior. Adorno entende essa distinção desde o começo, e relata a Horkheimer na carta com suas primeiras impressões: “acredito que nós dois [Adorno e Sohn-Rethel], vindos de lados distintos, mas que concordam no aspecto central, conseguimos realmente levantar a filosofia idealista pelo anzol” (Adorno; Horkheimer, 2003, p. 226_____. “Gesammelte Schriften”. 20 Vol. Ed. por R. Tiedemann, com a colaboração de G. Adorno, S. Buck-Morss e K. Schulz. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 2003 (Citado como AGS + número do volume).). À medida que o diálogo entre eles avança, todavia, os “lados distintos” ganham mais relevo do que a “concordância central”.

IV. Crítica imanente e identificação dialética

Após a recepção do exposé de Lucerna (de novembro de 1936) por Adorno e, mais importante, por Horkheimer (a quem o texto não agradou em definitivo), Sohn-Rethel reelabora sua teoria e, em abril de 37, conclui o assim chamado “exposé de Paris”, mencionado acima pelo título “Para a liquidação crítica do apriorismo”. O texto, de fato muito mais rigoroso do que o do primeiro exposé, agrada muito a Adorno, mas torna-lhe mais saliente a diferença de suas concepções de método. Também Adorno envia a Sohn-Rethel, na mesma época, uma cópia de seu manuscrito “Sobre a filosofia de Husserl”, o trecho que considerava mais bem-acabado de seus estudos de Oxford. Suas avaliações das leituras mútuas explicitam a abertura e evolução de uma divergência.

Em 21 de maio de 37, Adorno escreve a Horkheimer, referindo-se a seu trabalho sobre Husserl:

Sigo acreditando que eu consegui algo realmente importante nessa concepção, mas as dificuldades na execução são desmedidas e muitas vezes eu me desespero sobre a possibilidade de dar conta da tarefa que me pus. A verdadeira dificuldade é a de que é o caso de desmontar o idealismo por meio do próprio aparato categorial disponibilizado por ele próprio; em certo sentido, se trata de, com os mesmos meios com que se vê, ver por detrás desses meios e por detrás do ‘mundo’ – uma verdadeira acrobacia münchhauseriana. A tarefa, por exemplo, de mostrar a lógica como expressão de algo histórico sem com isso ultrapassar a circunscrição de sua própria e estrita análise de significado, mas, ao mesmo tempo, sem voltar a pressupô-la na tradução da própria ‘expressão’. É essa posição do problema na qual eu encosto em Rethel, e a experiência das monstruosas dificuldades que me predispõe à indulgência para com ele. O seu erro é o de que ele, na verdade, não se detém na análise imanente, mas a ultrapassa inteiramente com a interpretação ‘de fora’, ao mesmo tempo em que, todavia, mantém a desconcertante pretensão da ‘identificação’ imanente. Eu busco evitar isso com os mais extremos esforços. Disso vem o fato de que o meu trabalho não contém mesmo nenhuma espécie de economia explícita (o que ultrapassaria o trabalho e a minha capacidade), mas que, em troca, dá, espero, em algo muito mais materialista do que o trabalho dele, no sentido da ausência de uma formação teórica que paira livre e solta sobre o trabalho (p. 368).

Embora lide apenas com o “deserto de gelo da abstração”, na expressão de Benjamin, Adorno se toma por mais materialista do que Sohn-Rethel exatamente por prescindir do aparato “externo” da crítica da economia política para demonstrar a falsidade do idealismo. Não é por alguma espécie de virtuosismo intelectual que Adorno quer, “com os mesmos meios com que se vê, ver por detrás desses meios e por detrás do mundo”, mas sim pura e simplesmente porque não seria possível ver por outros meios senão por estes. Não há, para a crítica da teoria, escapatória da imanência categorial. Tampouco a crítica da economia política é externa ao espaço lógico das categorias e conceitos, mas é ela própria também conceitual, e não a própria realidade imediata.

Sohn-Rethel, no entanto, não tem uma posição menos divergente em relação ao escrito de Adorno. Ele manifesta suas discordâncias em uma série de cartas que parecem ter ficado sem resposta. Com todas as palavras, Sohn-Rethel insiste, contra Adorno, que “a crítica imanente do idealismo realiza apenas um lado do trabalho, o outro lado permanece reservado à economia”, o que remete à “diferença de método entre a crítica imanente e a minha assim chamada ‘identificação dialética’, que não explode a posição idealista apenas pelo critério de suas próprias contradições, mas também pelo critério da estrutura da mercadoria, ou seja, da própria base” (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 71ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.). Após concordar com a sentença do manuscrito de Adorno de que “‘Meu’ eu já é uma abstração e não há nada que ele seja menos do que a experiência originária reclamada por Husserl; nele está posta ao mesmo tempo a ‘intersubjetividade’, só que não como possibilidade pura qualquer, mas sim como condição real de se ser um eu” (AGS 20.1, p. 107 s.), Sohn-Rethel objeta:

Mas o nervus probandi para o materialista é explicar como se chega ao fato de que a representação do eu é exclusiva e monádica, a saber, como ela exclui tão radicalmente em seu conteúdo aquilo pelo que ela é realmente condicionada de tal modo que a própria lógica rebentaria se eu pensasse no lugar do ‘meu eu’ mais algum outro ser. A sentença kantiana de que não há na razão teórica nenhuma razão para se inferir a existência de um outro ser manifesta a condição constitutiva da própria ‘razão teórica’. O problema tem então uma estrutura essencialmente distinta da estrutura lógica da limitação ou da disjunção empírica. Ele remonta diretamente com seu cordão umbilical à exploração, assim como a garganta do Vesúvio ao interior da Terra. Essa contradição constitutiva na estrutura da sociedade da mercadoria não é explicada pelo idealismo, mas, ao contrário, é a contradição que ocorre ao idealismo em todos os esforços fracassados de escapar de sua prisão e na qual se frustram as suas tentativas. Mas o materialismo tem de explicá-lo e é verdadeiro na medida em que o explica e, com isso, consegue sair do enfeitiçamento. Mas isso pode ser alcançado no nível da crítica imanente? (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 72ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.).

As categorias precisam aparecer de um modo que contradiz aquilo que sua própria análise categorial mostra sobre elas (o eu é constituído pela intersubjetividade, mas precisa aparecer para si próprio como monádico, o que se mostra na impossibilidade de pensá-lo de outro modo), mas essa contradição se dá em razão de sua “condição constitutiva”. É preciso conceder a razão a Sohn-Rethel quando afirma que a análise imanente das categorias não tem elementos, dentro dela própria, para descobrir essas condições. Adorno estaria contrabandeando para o interior da crítica dita imanente assunções da crítica da economia política, apenas mantendo-as em pressuposição. Quando apresenta a condução das categoriais idealistas às condições reais como resultado da crítica imanente, na verdade estaria as ocultando como ponto de partida. Sohn-Rethel “consider[a] impossível, no solo metodológico da imanência, salvar a intenção de sua liquidação crítica; ela recai no contrário daquilo a que visa” (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 89ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.).

Nesse embate sobre o método, cada um dos contendores parece ter seu ponto, sem, todavia, invalidar o ponto do outro. É verdade que a crítica do idealismo não pode encontrar na crítica da economia política um ponto arquimédico independente das categorias do próprio idealismo e que, ainda que o fizesse, a validade das categoriais idealistas não poderia ser impugnada numa redução relativista a seu contexto de emergência; é, por outro lado, também verdadeiro que apenas pela análise estrita e rigorosamente imanente das relações conceituais da filosofia da consciência não é possível chegar às contradições do modo de produção capitalista se elas já não estiverem pressupostas. Importa aqui, em conclusão, mostrar como essa antinomia da crítica, evidente na polêmica entre os dois filósofos, parece informar de modo produtivo a noção de crítica imanente adorniana quando ela reemerge de seu período de incubação em 1949.

V. O que significa “transcendência” na crítica imanente adorniana

À luz da recusa intransigente de Adorno, em 1937, a se valer do que quer que seja exterior ao sistema idealista e às categorias da consciência a fim de proceder com sua crítica, salta aos olhos a afirmação, numa passagem metodológica da introdução da Filosofia da nova música, de 49, de que o método imanente “não pode se abandonar, como Hegel, à ‘observação pura’ (que só promete a verdade por que a concepção da identidade de sujeito e objeto carrega o todo) de tal modo que a consciência que observa a si mesma fosse tão mais segura quando mais completamente se perdesse no objeto” (AGS 12, p. 34). Há, nesse ínterim, um amadurecimento da noção de crítica imanente que abandona a pretensão de que a permanência estrita e rigorosa no interior das categorias criticadas possa conduzir à sua liquidação. Algo leva Adorno a conceber, a partir de agora, que as antinomias da filosofia burguesa não explodem sozinhas, deixadas apenas a seu acúmulo de tensão. Por outro lado, “como na época de Hegel”, “o procedimento imanente [...] tampouco pode se apoiar dogmaticamente na transcendência positiva” (AGS 12, p. 35). A antítese entre imanência estrita e transcendência estrita, entre permanecer rigorosamente dentro do sistema ou atacá-lo exclusivamente de fora, é ora assumida por Adorno.

No mesmo ano, Adorno dedica um texto ao problema da própria crítica, distinguindo a crítica dialética da cultura da crítica cultural conservadora. Enquanto esta última se apega a um princípio espiritual da cultura em geral para se opor melancolicamente à “decadência” da cultura, tratando-a como uma esfera de autonomia absoluta, apenas atacada de fora pelas forças do dinheiro e da técnica, a crítica dialética não hipostasia os critérios imanentes da própria cultura e “se comporta como em constante movimento em relação a ela, na medida em que vislumbra a sua posição no todo” (AGS 10.1, p. 23). A autonomia da cultura, seu movimento de acordo com seus critérios imanentes, é relativa; ela dá a si própria a ilusão interna de sua autonomia, ilusão que se manifesta numa legalidade interna real, porém heterônoma, já que posta por sua posição no todo, isto é, em relação ao modo de produção no qual se insere. Explicitamente, Adorno já não crê que seja possível uma crítica imanente da cultura no mesmo sentido que postulara, na década de 30, uma crítica imanente da teoria do conhecimento idealista: “Sem que a consciência vá além da imanência da cultura, a própria crítica imanente não seria pensável: só é capaz de perseguir o automovimento do objeto quem não pertence totalmente a ele” (AGS 10.1, p. 23). Nos dois casos, a transcendência da esfera criticada, que agora Adorno sabe não poder ignorar na crítica imanente, é a sua relação de posição pelo modo de produção, que organiza o todo. O lugar externo de onde, num dos lados da antítese, se critica a cultura, é justamente a crítica da economia política, mas com desprezo da lógica própria da cultura, denunciando-a como um todo como superestrutura ideológica. Quando o crítico dialético da cultura persegue o seu movimento imanente ao mesmo tempo em que já foi capaz de ir além da sua imanência, “ir além” significa ter compreendido também o modo como a lógica própria da esfera cultural se relaciona com o todo no qual se insere e que se comporta para com ela como uma exterioridade relativa. Esse todo é o modo de produção capitalista.

A alternativa entre colocar em questão, desde um ponto de vista exterior, a cultura como um todo sob o conceito superior de ideologia ou confrontá-la com as normas que ela própria cristalizou é uma alternativa que não pode ser reconhecida pela teoria crítica. Insistir na necessidade de decidir entre imanente e transcendente é uma recaída na lógica tradicional, para a qual valia a polêmica de Hegel contra Kant: que todo método que estabelece limites e se mantém no interior de seu objeto justamente por isso vai além dos limites. A posição transcendente em relação à cultura está, em certo sentido, pressuposta pela dialética, enquanto consciência que não se submete de antemão à fetichização da esfera do espírito (AGS 10.1, pp. 25-26).

A crítica da economia política – reconhece agora Adorno – está pressuposta pela crítica imanente da cultura, como dado antes a entender pela crítica de Sohn-Rethel ao estudo sobre Husserl em 1937. Pouco importa o quanto o próprio Adorno tenha atribuído essa revisão à influência de Sohn-Rethel. O fato é que ela coincide com uma absorção produtiva das críticas de Sohn-Rethel à crítica imanente da teoria do conhecimento. O confronto da crítica imanente desenvolvida em Oxford com a identificação dialética de Sohn-Rethel explicita para Adorno qual é a transcendência pressuposta em seu procedimento, o que vale tanto para a crítica da teoria (e.g., da fenomenologia husserliana) quanto para a crítica da cultura (e.g., do Jazz, em texto da mesma época): a crítica da economia política é transcendente em relação à imanência dos objetos espirituais criticados imanentemente, mas a crítica só pode “não se submete[r] de antemão à fetichização da esfera do espírito” se compreender (desde fora) o mecanismo da própria fetichização. Para encontrar o fetiche posto no interior dos objetos espirituais, a sua crítica imanente precisa já o ter pressuposto. Ainda assim, seu encontro não é um simples encontro do que já sabia estar lá. Justamente porque a crítica imanente se veda tirar os olhos de seu objeto no decurso de sua análise, ela reencontra o fetiche em sentido enfático: como algo que é descoberto uma segunda vez, dessa vez de dentro. Esse reencontro não é supérfluo, como pode parecer. Ao contrário, por um lado ele afasta toda suspeita de que a crítica das formações espirituais como formações ideológicas seja uma crítica fraca, que não respeita a autonomia de seu objeto e o julga segundo um padrão exterior; por outro, delimita com mais exatidão até que ponto o objeto é posto por uma lógica exterior a ele (no caso, a legalidade do valor), impedindo a rejeição plana das esferas espirituais em geral como pura e simplesmente ideológicas.

  • 1
    Ao que tudo indica, o conceito, ou melhor, o termo “abstração real” (Realabstraktion) é de introdução tardia no debate ao redor de Marx. No contexto do marxismo, a literatura secundária atesta a autoria do conceito a Sohn-Rethel (Elbe, 2010, p. 38ELBE, I. “Marx in Westen: Die neue Marx-Lektüre in der Bundesrepublik seit 1965”. 2., korrigierte Aufl. Berlin: Akademie Verlag, 2010.; Jappe, 2013, p. 7JAPPE, A. “Sohn-Rethel and the origin of ‘real abstraction’: A critique of pro-duction or a critique of circulation?”. Historical Materialism, 21.1, 2013, pp. 2-14.), mas sua primeira ocorrência se dá apenas em 1970. Assim, por exemplo, uma afirmação como a de Lotz (2013, p. 111)LOTZ, Ch. “Capitalist schematization: Political economy, exchange, and objecthood in Adorno”. Zeitschrift für kritische Theorie, 19. Jahrgang, Heft 36-37, 2013, pp. 110-122., de que “em uma carta a Sohn-Rethel, Adorno afirma que a interpretação de Sohn-Rethel da abstração real foi a experiência intelectual mais importante que ele já teve”, é, no mínimo, imprecisa, já que o conceito não se encontra nos textos de Sohn-Rethel aos quais Adorno reage na carta à qual Lotz se refere (de 17 de novembro de 1936). Em vez disso, o que é mencionado por Adorno na referida carta como objeto de seu deslumbre são antes três complexos temáticos, dos quais o primeiro é justamente o da crítica imanente, e entre os quais não se encontra o problema da abstração real, mesmo que ainda sem este nome. Cf. Adorno e Sohn-Rethel, 1991, p. 32ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.. A carta é citada por extenso logo a seguir.
  • 2
    Aliás, menção cujo conteúdo é contestado pelo próprio Sohn-Rethel como impreciso. Cf. Sohn-Rethel, 1972, p. 90_____. "Geistige und Körperliche Arbeit". 1. Aufl. dieser rev. und erg. Ausg. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1972..
  • 3
    Como o faz, por exemplo, Trenkle (2002)TRENKLE, N. "Gebrochene Negativität: Anmerkungen zu Adornos und Horkheimers Aufklärungskritik". Krisis, 25, 2002, pp. 39-65..
  • 4
    Todo o exposé é marcado pela confluência de uma espécie de sociologia da gênese da razão formal, tipicamente heidelberguiana (de Weber a Elias, passando por Mannheim), e da ontologia fundamental freiburguiana, confluência a partir da qual o marxismo é lido. O próprio Adorno escreve a Horkheimer, em 23 de novembro de 1936, que a linguagem do exposé justifica a suspeita de que se trata de uma “superficialização mediante a profundidade” de tom heidelberguiano ou freiburguiano do marxismo (Adorno; Horkheimer, 2003, p. 226_____. “Gesammelte Schriften”. 20 Vol. Ed. por R. Tiedemann, com a colaboração de G. Adorno, S. Buck-Morss e K. Schulz. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 2003 (Citado como AGS + número do volume).). Sobre a presença de Heidegger no manuscrito, escreve Breuer: “Ao mesmo tempo, misturavam-se a esse discurso [marxista] questões e terminologias que parecia ter origem antes no universo de pensamento de Martin Heidegger. Ali era levantada a ‘pergunta pelo ser’ e discutida a ‘unidade do ser de todo ente’, falava-se da ‘identidade de ser-aí’, da ‘ordem de ser-aí’ e do ‘entrelaçamento de ser-aí’, e isso numa proporção que fez Adorno ver-se, depois de um encontro em 1931 com Sohn-Rethel, disposto a falar de um ‘episódio Heidegger’ [numa correspondência a Kracauer]” (Breuer, 2016, p. 228BREUER, S. “Kritische Theorie: Schlüsselbegriffe, Kontroversen, Grenzen”. Tübingen: Mohr Siebeck, 2016.).
  • 5
    Isto é, no artigo Über Jazz, publicado ainda naquele ano de 1936 no volume 5 da Zeitschrift für Sozialforschung e compilado atualmente em AGS 17, pp. 74-108, sem tradução para o português. Ali, diz Adorno em conclusão: “Jazz, a síntese da marcha e da música de salão, é uma síntese falsa: a síntese de um elemento subjetivo destruído e de um poder social que o produz, o aniquila e o objetifica através de sua aniquilação” (AGS 17, p. 108).
  • 6
    A primeira expressão, Verdeckungszusammenhang, é da carta de Sohn-Rethel com a síntese do manuscrito de Lucerna (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 27ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.), enquanto a segunda, Verblendungszusammenhang, terminologicamente fixada na obra de Adorno posterior, aparece no próprio exposé (Sohn-Rethel, 1985, p. 200_____. "Soziologische Theorie der Erkenntnis". Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1985.). Ao que pude constatar, a primeira ocorrência de Verblendungszusammenhang em Adorno se encontra em “O fetichismo da música e a regressão da audição”, texto publicado no sétimo número Zeitschrift für Sozialforschung (Adorno, 1938, p. 338ADORNO, Th. W. “Über den Fetischcharakter in der Musik und die Regression des Hörens”. Zeitschrift für Sozialforschung, Jahrgang VII, Heft 3, 1938, pp. 321-356.). Ou seja, a adoção do termo em Adorno é imediatamente posterior ao recebimento do manuscrito de Sohn-Rethel, onde ele já constava, o que fortalece a hipótese de que foi dali coletado. Sohn-Rethel seria, portanto, o cunhador do termo, ou ao menos o primeiro a usá-lo por escrito.
  • 7
    Para a história detalhada da estadia de Adorno em Oxford, cf. Kramer e Wilcock (1999)KRAMER, A.; WILCOCK, E. ‘“A preserve for professional philosophers”: Adornos Husserl-Dissertation 1934-37 und ihr Oxforder Kontext’. Deutsche Vierteljahrschrift für Literaturwissenschaft und Geistesgeschichte, Vol. 73, pp. 115-161, 1999..
  • 8
    A adoção, por Sohn-Rethel, da noção de nexo de dívida-culpa no seu segundo manuscrito, de maio de 1937, é, aliás, o primeiro elemento ressaltado por Adorno a Horkheimer ao ter contato com o texto: haveria naquele novo texto um “achado” (trouvaille) escondido “no meio da sujeira da linguagem de proxeneta da universidade alemã”: “hoje eu quero esboçá-lo apenas com a fórmula que aparece no novo manuscrito de Sohn-Rethel de que o caráter sistêmico do idealismo é expressão do nexo de dívida-culpa (i.e., do nexo de exploração) da sociedade civil-burguesa” (Adorno; Horkheimer, 2003, p. 357_____. “Gesammelte Schriften”. 20 Vol. Ed. por R. Tiedemann, com a colaboração de G. Adorno, S. Buck-Morss e K. Schulz. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 2003 (Citado como AGS + número do volume).). É, de fato, a si mesmo no espelho de Sohn-Rethel quem Adorno “acha”. De resto, sobre a noção de liquidação que comparece agora já no título do novo manuscrito, cf. a admoestação de Adorno a Sohn-Rethel quando da recepção do primeiro manuscrito, o de Lucerna: “Um escrúpulo que tive a partir da minha primeira impressão e da sua carta a Horkheimer é antes o de se no senhor, para dizê-lo cruamente, a dialética materialista não se torna uma prima philosophia (para não dizer uma ontologia), enquanto a Horkheimer e certamente a mim o objetivo mais importante da dialética materialista parece a ideia de liquidar a prima philosophia” (Adorno; Sohn-Rethel, 1991, p. 11ADORNO, Th. W.; SOHN-RETHEL, A. “Briefwechsel 1936-1969”. Hrsg. Ch. Gödde. München: text + kritik, 1991.).

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  • _____. “Gesammelte Schriften”. 20 Vol. Ed. por R. Tiedemann, com a colaboração de G. Adorno, S. Buck-Morss e K. Schulz. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 2003 (Citado como AGS + número do volume).
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2020
  • Aceito
    02 Out 2020
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