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Teología y vida

Print version ISSN 0049-3449On-line version ISSN 0717-6295

Teol. vida vol.62 no.2 Santiago June 2021

http://dx.doi.org/10.4067/S0049-34492021000200159 

Estudio

Alegria e riso em meio à fugacidade da vida As perspectivas de Eclesiastes/Qohélet 2,1-2; 7,3-6; 10,19 e 11,7-10

Maria de Lourdes Lima1 
http://orcid.org/0000-0003-2382-1058

1Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro mllima@puc-rio.br

Resumen:

El presente trabajo busca comprender la aparente contradicción entre textos que desaprueban y otros que recomiendan la alegría, en el libro Eclesiastés/Qohélet. Basado en el análisis de Ecl 2,1-2 y la conjunción de los términos “alegría” (śimhāh) y “risa” (śehôq) allí presentes, estudia los pasajes en los que aparece el mismo par de vocablos (7,3-6; 10,19). Finalmente, se detiene en 11,7-10, que, al estar ubicado en la sección final del libro, se presenta como particularmente importante para comprenderlo. Se pueden entonces identificar las posibles perspectivas en el enfoque del tema en este escrito sapiencial.

Palabras clave: Eclesiastés; sentido de la vida; alegría; sufrimiento

Abstract:

The present work seeks to understand the apparent contradiction between texts that disapprove of and that recommend joy in the book Ecclesiastes/Qohélet. Based on the analysis of Qo 2:1–2 and the conjunction of the terms “joy” (śimhāh) and “laughter” (śehôq) present there, passages in which the same pair of words occur were studied (7:3–6; 10:19). It eventually stops at 11:7–10, which, given its location in the final section of the book, presents itself as particularly important for understanding the whole book. It then proceeds to indicate some possible perspectives in approaching the theme in this Sapiential Book.

Keywords: Ecclesiastes; a sense of life; joy; suffering

O tema da alegria no Qohélet tem recebido respostas divergentes na história da pesquisa. De um lado, marcou época o artigo de Whybray, que entende a alegria como tão fundamental no livro que este poderia ser definido como um grande convite a ela. Segundo Whybray, os contextos em que o tema ocorre mostram as ideias principais a ele correlacionados: a alegria é um dom de Deus e, dada a brevidade da vida, deveria ser valorizada, sobretudo frente ao desconhecimento do que ocorrerá no futuro. Os textos que mencionam a alegria seriam orientações práticas para o comportamento e apresentariam uma visão positiva da vida e de como conduzi-la, ultrapassando o mal que existe e que Deus misteriosamente deixa no mundo1.

A tal visão “otimista” do livro contrapõe-se a compreensão, desenvolvida de modo paradigmático por Schoors, segundo a qual a alegria seria, para Qohélet, como que um narcótico que visaria contrabalançar os males da existência e distrair da perspectiva da morte2. Uma visão mais moderada compreende o livro como um “áspero processo contra a felicidade”, considerada sem sentido. Mesmo os poucos textos que valorizam e mesmo convidam à alegria nada mais seriam do que a tentativa de conseguir superar momentaneamente uma existência marcada pelo sofrimento e pelo vazio3.

O presente estudo procura abordar esse tema e lançar alguma luz sobre como compreender as menções de alegria no livro. Para tanto, focaliza basicamente a raiz śmh, que está na base tanto do substantivo quanto das formas verbais. Parte-se de uma questão: em sua primeira ocorrência (2,1-2), a alegria (śimhāh)4 é rejeitada e caracterizada como fugaz, passageira, vã (hebel); na última vez em que é mencionada (11,7-10), no entanto, é recomendada5. Já uma primeira percepção indica que em 2,1-2 não se trata só de alegria, mas da mesma em conjunto com o riso (śehôq), termo que não retorna em 11,7-10. Poder-se-ia supor, então, que a rejeição de 2,1-2 se deva ao fato desta ligação entre as duas realidades, e isso tanto mais que nas passagens em que a raiz śmh ocorre sem tal conexão a alegria é considerada positivamente (2,10.26; 3,12.22; 5,18-19; 9,15; 9,7). Com isso, pretende-se investigar os textos em que os dois termos –alegria e riso– encontram-se unidos (2,1-2; 7,3-6; 10,19), para, em seguida, melhor entender a exortação final (11,7-10). A partir daí será possível tecer considerações também sobre os textos que consideram positivamente a alegria. Isto será feito considerando as passagens em seus respectivos contextos, pois somente com a consideração dos termos e seu uso é possível uma compreensão adequada de seu valor.

Através desta abordagem, busca-se compreender mais adequadamente o pensamento do livro, tão marcado por colocações por vezes (aparentemente) contraditórias. Renuncia-se aqui a uma aproximação que descure as dificuldades que os textos apresentam, numa harmonização artificial; igualmente, considera-se o texto tal qual foi transmitido na tradição massorética mais atendível (na base do Códex Leningradense)6, na base de que, se “Qohélet usa as contradições como lentes através das quais ver a vida”, “é apropriado, então, que usemos suas contradições como o ângulo de abordagem de seu pensamento”.

1 Qo 2,1-2

Os versículos iniciais do capítulo 2 incluem-se dentro do trecho que, em ficção literária, apresenta reflexões de Salomão, figura paradigmática da sabedoria israelita (1,12). O limite final dessas reflexões é controvertido, podendo ser visto em 2,11, dada a mudança de tema no versículo seguinte (a sabedoria), ou em 2,25, pelo tom conclusivo do mesmo, ou ainda em 2,26, que continua a linha de pensamento dos versículos anteriores. O fato de 3,1 introduzir novo assunto, com novas observações e reflexões, que também em estilo diferem bastante do que precede, torna mais plausível esta última possibilidade.

Após a auto-apresentação em 1,12 e considerando a síntese presente em 2,22-26, pode-se considerar 1,13–2,21 como o corpo do texto7. Qo 1,13-18 aponta os elementos mais significativos da experiência do autor na ficção de Salomão. As tarefas que os homens realizam são avaliadas como hebel (v. 14); o homem não consegue mudar a realidade (v. 15). Sua própria dedicação à sabedoria é “busca do vento” (ra'yôn rûah: v. 17), pois a ciência traz como consequência maior conhecimento do sofrimento (v. 18)8.

Após a exposição do princípio de 1,18, o texto de 2,1 introduz nova reflexão. O pseudo-Salomão se auto-convida a experimentar a alegria. Os vv. 2-10, que seguem, desenvolvem os expedientes usados na busca da felicidade: o riso (v. 2), o vinho (v. 3), a realização de grandes obras (vv. 4-10). A partir do v. 11 tem lugar a avaliação da experiência, que, por sete vezes, afirma sua fugacidade (é hebel: 2,11.15.17.19.21.23.26)9. Esta é sua avaliação global da experiência, pesando nela também a fadiga e o esforço por conseguir o que se procura. É possível que a avaliação negativa se refira não à alegria em si, mas a seus motivos10. Contudo, o fato de que já de início o sábio concluíra que tudo isso é hebel (2,1), expondo de antemão uma conclusão, sem indicar as razões, eleva-a a categoria de princípio. Sendo a primeira menção da alegria no livro, tal constatação ganha em importância, pois pode servir ao leitor de orientação para a leitura dos textos que, sobre este assunto, virão a seguir11.

Como uma meditação interior, o autor pensa consigo mesmo (b), desdobra-se, dirigindo-se a si mesmo em segunda pessoa. O “vamos” inicial (lekāh-nā’) dá o tom, mostrando que o autor procura animar-se a fazer uma nova experiência. O contexto do livro, que apresenta um Qohélet temente a Deus (5,7; 7,18; 12,13), exclui que aqui se tratasse da busca do prazer por si mesmo (Pr 21,17); antes, é a procura de um sentido para a vida, como se depreende da pergunta: “para que serve?” (ma-zōh ‘ōśāh: v. 2). Ele procura provar, examinar12 se a alegria (śimhāh) e a felicidade (ţôb)13 respondem às interrogações que já desde o início do livro se evidenciavam. Estes dois termos em paralelo expressam duas faces da vida. O primeiro diz respeito a uma alegria que se expressa externamente, muitas vezes numa celebração festiva14. O segundo, o bem em todas as dimensões15. A avaliação é, no entanto, negativa: mesmo todo prazer e riqueza (vv. 3-10) não preenchem as expectativas humanas16.

O v. 2 retoma o termo “alegria”, agora aproximado de “riso” (śehôq)17, orientando assim o texto no sentido de satisfação e contentamento. A avaliação negativa é repetida: o riso é “loucura” (mehôlāl), aquilo que sai da sensatez e do equilíbrio18; a alegria nada oferece que possa trazer verdadeiro proveito. Ou seja, embora concretamente experimentada, é também uma felicidade ilusória, enquanto é incapaz de responder aos questionamentos do autor.

Os versículos seguintes, ao ilustrarem este princípio, descrevem os prazeres que Salomão pôde vivenciar. Mesmo sendo lícitos19, chega-se à mesma conclusão do início (v. 11). Tais palavras tornam claro que o autor reflete sobre a possibilidade de se encontrar um gozo que não seja hebel. A morte, implícita em alguns momentos de suas considerações (vv. 16.18.21.26), faz do prazer algo fugaz, relativiza mesmo estes momentos. Qohélet busca alegria, mas não pode garanti-la como algo perene20: esta é, aqui, a raiz de sua insatisfação e, por isso, de sua avaliação negativa de qualquer esforço por consegui-la21.

2 Qo 7,3-6

O tema da alegria ligada ao riso retorna em 7,3.6. Os versículos situam-se na unidade 7,1-14, que responde à questão colocada em 6,12 sobre o que é “bom” para o homem (mî-yôa’ ma-ţôb lā’ādām). A resposta se desenvolve com uma série de provérbios entremeados de reflexões próprias que tematizam o que é realmente “bom”, “melhor” (minţôb). Nesses versículos a raiz ţwb ocorre 10 vezes, sendo 7 vezes em forma comparativa (“melhor do que”: v. 1.2.3.5.8[2 vezes].10), o que marca sua importância.

As palavras iniciais são dominadas pela oposição entre alegria e dor (vv. 1-6)22. Com a menção da violência e do suborno, que pode estar retomando a adulação dos néscios23 mencionada no v. 5, o v. 7 faz uma ponte entre essa perspectiva e a que segue a partir do v. 8 e que toca prevalentemente assuntos da vida social (soberba, cólera, riqueza, tempos favoráveis ou desfavoráveis).

Com a avaliação do bom nome como superior a um bom perfume, ao óleo perfumado (šemen), o v. 1 valoriza o reconhecimento social adquirido na vida24. Os pontos de comparação podem ser considerados sob diversas perspectivas, sendo a mais imediata a de que tanto o bom nome quanto o perfume agradam os circunstantes e se difundem. A valorização do bom nome é sentença comum à sabedoria (Jó 30,8; Pr 10,7; 22,1) e enquanto o perfume rapidamente se dissipa, o bom nome tem em si mais longa permanência25, sendo-lhe, por isso, superior.

A relação desta comparação com a que a segue –”melhor o dia da morte do que o dia do nascimento”– abre, contudo, novas perspectivas para sua compreensão. O ponto de analogia não é claro. Seria possível entendê-lo no sentido de que só pela morte a boa fama se fixa, sem perigo de ser perdida26. Qohélet usaria o provérbio para mostrar como a vida é sempre insegura. A relação do nascimento com o óleo perfumado mencionado no início do versículo poderia ter sido motivada pelo fato que, na antiguidade, o óleo era utilizado medicinalmente para o neonato27; tal emprego, porém, não é testemunhado na Escritura. Outra possibilidade seria relacionar o perfume à alegria, à celebração, à festa e, com isso, ao dia do nascimento28. Por outro lado, como o perfume passa rapidamente, assim o nome, mesmo se superior a ele, também acaba passando, não perdura, pois não se pode garantir que ficará na memória das gerações subsequentes (1,11; 2,16)29. Com isso, o livro mostraria a transitoriedade do bom nome; como a vida é fugaz, assim também o bom nome. Porém, seria possível acrescentar-se a isso outro motivo pelo qual o dia da morte é melhor que o do nascimento: porque o bom nome é resultado de uma vida de realizações e isso só é alcançado com o passar dos anos. Por fim, para o sábio, o dia da morte é melhor que o do nascimento porque, diante da morte, o ser humano seria levado a refletir sobre o sentido da existência30.

Tal pensamento é corroborado pelo versículo seguinte, que dá continuidade a esta reflexão. São postos em comparação dois momentos da vida humana e a conclusão é que o luto é melhor do que banquetes e festividades, porque leva o sábio a refletir (wehahay yittēn ‘el-libbô). A morte mostra a brevidade da vida, enquanto a festa cria condições para o homem se deixar absorver pelo momentâneo, propicia ao homem distrair-se da realidade da existência, na ficção de uma felicidade duradoura. Para Qohélet, a vida é breve, passageira, e a morte é o destino de todos: “nisso está o fim de todo homem” (hû’ sôp kol-hā’ādām). Qohélet renúncia, assim, a uma visão superficial e propugna que a vida deve ser vivida tendo em consideração o definitivo31.

O v. 3 concretiza a oposição entre luto e festa com nova colocação de um par antagônico: pesar (ka'as)32 e riso. Na linha dos ditos anteriores, trata-se do confronto entre um riso superficial e frívolo33 e a reflexão ponderada. A consideração do sofrimento leva a mente (b) a avaliar com mais propriedade os eventos da vida. Diferentemente de certos textos sapienciais (Jó 33,29-30; 36,21; Pr 3,11-12), o escopo aqui não é propriamente o de mostrar que a dor pode levar à purificação e ao progresso espiritual34, mas sim o de evidenciar como a existência humana realmente é e como ela deve ser considerada.

O mesmo pensamento retorna no v. 4, ao pôr em relevo que o verdadeiro sentido das coisas não se encontra na aparência. Aqui são confrontados diretamente alegria/dor e estultícia/sabedoria. Para Qohélet35, sendo o sábio aquele que reflete, que sabe ponderar os fatos e agir conforme esta avaliação, cabe ao néscio uma avaliação negativa. O néscio carece de ponderação e se prende ao imediato e aos aspectos exteriores, não considerando a realidade mais profunda das coisas. Nesse contexto, a alegria é questionada por que está ligada à estultícia e se opõe à reflexão.

Isso cria a ponte para o dito seguinte: o elogio dos néscios é desprovido de valor, pois não é fruto de uma atenta consideração dos fatos. Nesse sentido, é melhor ser repreendido pelo sábio do que ser aprovado pelos estultos36. Na mesma linha, o riso dos néscios pode ser estrepitoso como o crepitar de gravetos ao fogo37, mas passa rapidamente e nada significa: é vazio, sem consistência, é hebel.

3 Qo 10,19

O v. 19 se localiza numa pequena unidade que gira em torno de questões de poder político. A menção do rei (vv. 16.17.20), dos príncipes (vv. 16.17) e do rico (v. 20) corrobora a interligação dos vv. 16-20, que tocam o tema do comportamento das classes dirigentes e influentes e suas consequências.

Os vv. 16-17 complementam-se mutuamente, numa estrutura de oposição entre lamentação (v. 16: ‘î) e felicitação (v. 17: ‘ašrê), de um lado, que corresponde ao antagonismo entre o governo de um rei imaturo (na'ar)38 e de um dirigente ponderado (ben-hôrîm)39, de outro. São descritos comportamentos contrastantes com referência ao comer e beber: a vida frívola e dissipada, sublinhada pela ironia de “comer (no sentido de banquetear-se) (já) desde a manhã” (v. 16) e sua contraposição com “no tempo (justo)”(bā’ēt: v. 17).

O versículo seguinte retoma um dito frequente da tradição sapiencial em referência à preguiça (Pr 20,4; 21,25; 24,30-31), mas que, no contexto, é aplicado à administração pública40. Por fim, com suas admoestações, v. 20 amplia o tema, indicando a prudência que deve ter o cidadão comum em expressar sua desaprovação acerca do comportamento dos que têm poder na sociedade. Supõe-se uma reação punitiva, o que reforça sua capacidade de controle e de retaliação.

Nesse contexto, riso e alegria (v. 19) têm forte valor negativo. Qohélet não vê problema no comer e beber (2,24; 3,13), quando ligados a uma vida laboriosa41. A crítica aqui é o desregramento e a irresponsabilidade42. Ligado à leviandade da classe política, o riso e a alegria do vinho expressam uma vida fútil, que leva à ruína da nação.

4 Qo 11,8-9

Os vv. 8-9 fazem parte da unidade 11,7–12,743, desenvolvida em dois momentos, centrados respectivamente na exortação a desfrutar a alegria (vv. 7-10) e na recordação dos tempos obscuros que virão (12,1-7).

Qo 11,7 serve de introdução ao conjunto, evocando duas realidades essenciais à vida e que lhe dão vigor e alegria: a luz e o sol (6,5; 7,11)44. Os dois termos que as qualificam, “doce” (tôq) e “bom” (ţôb) estão em paralelismo e se completam mutuamente (Pr 9,17; 24,13). O sentido primeiro do termo (tôq) concerne ao paladar, com a ideia do que é agradável45. Sobre esta base, é construído o sentido translato de algo que dá à vida sabor favorável, indispensável a uma vivência equilibrada. É nessa linha que, em Qo 5,11, o termo qualifica a tranquilidade do sono do trabalhador. Em 11,7, porém, além de traduzir a ideia de serenidade e bem-estar, carrega um componente físico, ao unir o paladar ao aspecto visivo da luz.

Em contraposição a esta primeira afirmação estão os “dias escuros” (yemê hahōšek) mencionados no versículo seguinte e que, na segunda parte do texto, são especificados como “dias maus” (yemê hārā’āh: 12,1) e evocados ainda por duas vezes no retorno da raiz hšk (12,2.3). Elementos do v. 7 são retomados nesta segunda seção do texto ainda na referência ao sol (12,2) e à ideia de criação da natureza e do ser humano por Deus (12,1.7).

O v. 8 continua o pensamento com uma frase que complementa o sentido do versículo anterior, ao mostrar a realidade da existência humana, composta não só de “luz” e “sol”, mas também de “dias escuros”. Suas duas primeiras frases (v. 8ab) preparam, com isso, de um lado, a exortação a desfrutar a vida (v. 9) e a afastar o que a pode lesar (v. 10), de outro, os segmentos 8cd antecipam os dias difíceis desenvolvidos em 12,1-7.

Os “dias escuros” são interpretados ou com referência à morte e ao xeol46 ou, em virtude da relação com 12,1-7, aos anos da velhice47. No entanto, mesmo se há uma dimensão futura48, o que se apresenta no v. 8 tem um caráter mais geral. Fala-se da vida humana, que, mesmo se pode ser longa e contar com dias felizes, está também entremeada de sofrimento, de modo que, nos momentos alegres, não se deve esquecer que há dias sombrios. Embora o verbo zkr crie uma ponte com 12,1-7, que desenvolve os sofrimentos da idade avançada, em si mesmo o versículo parece dever ser compreendido no sentido que, no decorrer da vida humana, dias de sol e dias obscuros se mesclam. Ou seja, a juventude não é simplesmente o tempo dos dias tranquilos. O v. 10 o confirma ao exortar o jovem a evitar a dor. O livro em seu conjunto dá também testemunho disso: a vida humana em seu conjunto –e não só o tempo da velhice– é marcada pela dor (2,23; 3,16; 4,1; 5,7)49, conhecimento este que faz parte já do patrimônio da sabedoria tradicional (Sl 90,10).

Mesmo se o v. 8 se conclui com a menção de que “tudo o que vem” (kol-šebbā; 3,22; 6,12; 8,7), tudo o que ocorre50, é hebel, o v. 10 mostra que os tempos da mocidade também o são. São efêmeros, passam51, e por si mesmos não garantem a tranquilidade e a alegria. A partir daí, por contraste, é desenvolvido o tema da velhice, esta sim feita predominantemente de momentos de limitação e de dor. Em outras palavras, o texto não trata da pura oposição juventude-velhice/alegria-dor, mas apresenta a avaliação, baseada na experiência, do que preponderantemente caracteriza cada uma dessas fases. Daí deriva o ensinamento de valorizar os anos em que predomina a ausência do pesar e do mal físico (v. 10ab)52.

Nesse contexto, sublinha-se o valor da exortação a alegrar-se (verbo śmh) e ser feliz (verbo yţb hifil), no v. 9. Os dois imperativos que os seguem descrevem como viver de modo a realizar isto. Primeiramente é indicado o modo positivo, com dois aspectos, interior e exterior: seguir o próprio coração e o que lhe apresentam os olhos (wehallēk bedarkê libbekā ûbemar’ê ‘ênêkā), ou seja, dar pleno espaço à realização de seus desejos (coração) na vida real (olhos)53. Tal exortação contraria a visão mais comedida encontrada em outras tradições, que, antes, inculcam uma vida mais austera (Nm 15,39; Jó 31,1.7; Sir 5,2; Is 57,17). O motivo já fora indicado no final do v. 8 e retornará no v. 10: a vida passa rapidamente, nada é seguro. Porém, para que esse ensino não seja entendido como a promoção de uma vida leviana, é dado um critério: o juízo de Deus paira sobre a vida humana54, de modo que mesmo o gozo da vida deve estar sob o olhar de Deus (Pr 23,19-21)55; sobre tudo pesa o juízo divino (Qo 3,14-15; 5,1-6)56 e por isso se deve ter sempre em mente como Deus avaliará as ações humanas57.

Em segundo lugar, o v. 10 aponta, de modo negativo, como viver a alegria e a felicidade encontrada na vida. Também aqui há os componentes interior e exterior: afastar o pesar do coração (ka'as millibbekā) e o mal corporal (rā’āh mibbeśārekā). E é igualmente acrescentado o motivo desses conselhos: porque a juventude58 é hebel. Este último termo aponta para a brevidade do tempo da mocidade, que passa como um sopro59.

Em síntese, no conjunto dos vv. 7-10, fica em evidência o tema do gozo da vida. A raiz śmh retorna duas vezes (vv. 8.9) e a cada uma delas está ligada a uma consideração: primeiro, a transitoriedade da vida; depois, a certeza do juízo de Deus sobre todos os atos humanos.

Visão de conjunto

A análise dos textos acima permite elencar alguns de seus elementos característicos concernentes ao tema aqui proposto.

No contexto de 2,1-2, a felicidade pretendida, embora sem se referir a prazeres ilícitos60, expressa o desejo de uma vida de bem-estar e despreocupação. Trata-se da busca de autoafirmação através de grandes obras, acúmulo de riquezas e dedicação à reflexão sapiencial (vv. 4-10). Tal intento, porém, não atinge seu escopo, é ilusório, pois mesmo todas as realizações não preenchem os anseios humanos, e o esforço por consegui-las acaba sempre sendo hebel. Riso e alegria são respectivamente loucura e inutilidade (v. 1).

Outra perspectiva é desenvolvida em 7,3-6 e 10,19. Qo 7,3 mostra que alegria e riso se contrapõem à reflexão; 7,4 fala da alegria do néscio; e 7,6, do seu riso, que é hebel. Aqui não se trata da alegria e do riso em si, mas enquanto ligados à falta de sabedoria. Assim caracterizados, não têm valor. Na mesma direção está 10,19, ao conectar riso e alegria à imaturidade, à futilidade e a uma vida desregrada. Nessas duas passagens, portanto, a crítica é feita a um determinado tipo de contentamento61.

Indo em outra direção, 11,7-10 exorta a gozar os momentos bons da vida, tendo em consideração que há também muitos dias desfavoráveis. A questão é enfocada a partir do aspecto da transitoriedade da alegria, de modo que cabe ao sábio valorizar os momentos felizes, considerando sempre, porém, o juízo divino. Nesse sentido, o texto responde às passagens anteriores, particularmente ao capítulo 262, ao indicar outra forma de alegria, não desvinculada do temor de Deus e por isso não ligada a frivolidades. Com efeito, o termo hebel, em 11,7-10, diferentemente de 2,1-2, não diz respeito à alegria, mas sim ao tempo da vida (v. 8), particularmente à mocidade que passa rapidamente (v. 10). Assim também em relação a 7,3-6 e 10,19, que mostram o prazer ligado à consideração insensata da vida em geral ou da condução dos negócios públicos em particular.

Essa interpretação é confirmada pela consideração dos outros textos do livro que mencionam a raiz śmh, seja como nome seja como verbo. Além dos textos estudados acima, a forma nominal ocorre ainda em 2,10.26; 5,19; 8,15 e 9,7; a forma verbal, em 2,10; 3,12.22; 4,16; 5,18 e 8,15. Com exceção de 4,16, que nega a satisfação com o novo rei (lō’ yiśmehû), as outras passagens afirmam positivamente a alegria. Nestas, a alegria ocorre em contexto que a relacionam ou com o trabalho e as próprias obras (‘āmāl/ma’aśeh)63 ou com o dom de Deus; por vezes, com os dois64. Em 2,10, o trabalho é ocasião e motivo de alegria65; em 3,22, as obras o são. Em 2,26, no contexto dos vv. 24-26, a alegria é tanto ligada ao trabalho como devida a Deus, mesmo se sobre ela paira o veredito do hebel. O mesmo ocorre em 3,12 (v. 13) e 5,18-1966. Em 8,15, valorizam-se os pequenos mas bons momentos de uma vida considerada como dom de Deus e que é vivida laboriosamente. Pensamento semelhante é exposto em 9,7: viver com contentamento as situações cotidianas, mesmo se a vida é hebel: esta é, para o homem, sua “porção na vida e no trabalho” (v. 9).

Em outras palavras, a ausência de contradição entre a desqualificação da alegria em 2,1-2; 7,3-6; 10,19 e a exortação a desfrutá-la em 11,7-10, é confirmada pelo contexto do livro. Trata-se de dois modos de vivenciar a alegria: um modo fútil e néscio ou, em contrapartida, um modo vivido sob a égide do juízo divino, que marca a atitude verdadeiramente sábia. A alegria que, ao menos momentaneamente, pode realmente saciar é possível para quem está dentro da condescendência divina (2,26; 9,7), que lhe permite gozar do fruto de seu trabalho (5,18-19). Embora passageira, esta alegria é boa67. Sabedoria e trabalho são elementos que baseiam a alegria68. Pois o sentido desta vida, enquanto é possível encontrá-lo, está em temer a Deus e submeter-se a seu juízo (5,7; 8,12; 12,13-14).

No clímax do último complexo do livro, 11,7-10 responde, assim, aos textos que mencionam a busca pela felicidade. Isso é evidenciado por sua relação particularmente com o contexto de 2,1-2, de modo de que a última menção da alegria no final do livro corresponde, por contraposição, à primeira. A retomada de vocabulário e temática o confirma. No texto inicial, a sabedoria é ligada à luz e a estultícia às trevas (2,13; 11,7-8), apela-se a não negar nada aos olhos e ao coração (2,10; 11,8-9) e, enfim, a não deixar passar em vão os bons momentos, pois a vida é transitória (2,3: os “dias contados”, aplicados em 11,9 à época da juventude).

Com isso, no livro do Eclesiastes, quando conjugada ao riso, a alegria é rejeitada, pois representa uma visão frívola e insensata da vida. Mesmo tocando temáticas em parte diversas entre si, as passagens de 2,1-2; 7,3-6 e 10,19 apontam nessa direção. A exortação final, que implica uma visão positiva da alegria, comprova indiretamente esta concepção por desvinculá-la do “riso” e colocá-la dentro da moldura do juízo divino (11,9). A hipótese, por vezes afirmada69, de dois tipos de alegria no livro –uma frívola, procurada sobretudo nas próprias obras, sem que Deus seja considerado, e outra ligada a uma vida simples, vista como dom de Deus–, pode ser considerada, mas com uma diferença: a concepção positiva da alegria não parece residir na consideração do dom de Deus, mas, mais propriamente, na moldura do temor de Deus, claramente presente no texto de 11,7-10.

É ainda de interesse considerar que o tema da alegria encontra-se em unidades que descrevem a realidade cotidiana. Diante da observação da vida e de sua avaliação sobretudo negativa, a alegria aparece como uma resposta a esse estado de coisas70. Nessa perspectiva, mesmo se o homem deve aproveitar os bons momentos, fica patente que ser feliz não está em seu poder: a felicidade só pode ser recebida, só pode ser um dom de Deus e é esse dom que ele valoriza e por isso o vivencia.

Isso não significa que a questão, para o livro, é ter domínio sobre a existência, sobre os momentos bons e maus. A insatisfação do sábio com os momentos alegres não se deve propriamente ao fato de o homem não ter controle sobre eles71, mas essencialmente à visão do pós-morte que transparece no livro, com a ideia do xeol, lugar onde a justiça de Deus não se realiza e para onde vão sem distinção justos e ímpios, sábio e néscios (3,19-21; 6,6; 9,3; Sl 6,6; 30,10; 88,6.11-13)72. Igualmente, as exortações a comer, beber e alegrar-se não são um simples contrapeso às agruras da existência, um modo de o homem ter ainda certo domínio sobre a vida73. Mesmo se a vida humana é hebel e a alegria é sempre fugaz, tais palavras derivam essencialmente de sua visão de Deus e de sua relação com a vida humana. Certamente tais exortações ocorrem em meio às observações e à reflexão sobre as limitações das experiências cotidianas. Não aparecem, porém, como um modo de apaziguar a insegurança existencial, mas, antes, se a alegria “vem da mão de Deus” (2,24), é um modo de experimentar a bondade que Ele oferece a seus fiéis (2,26). Nesse sentido, “os momentos de alegria são os pontos altos da nossa existência”74.

Considerações conclusivas

O percurso feito permite afirmar haver uma dupla avaliação da temática da alegria no livro, a qual depende do contexto em que ocorre. A consideração positiva da alegria se dá quando está ligada a uma vida de trabalho e a uma visão de que a ordem da existência provém de Deus. Trata-se então da alegria nos pequenos eventos do cotidiano; parcial, portanto, mas estimada como dom divino e vivida na moldura do temor de Deus. Uma alegria concretizada nos bens possuídos e em seu uso, em contraposição a uma vida dissipada e desregrada, que distrai o ser humano, impedindo-lhe a ponderação sábia sobre o sentido da existência.

Em síntese, o livro parece não afirmar nem negar o prazer, a satisfação e o gozo em si e por si mesmos, mas orienta a reflexão acerca de onde encontrar a alegria e de como vivenciá-la.

A distinção entre dois tipos de alegria, que provém do estudo exegético dos textos tratados, foi confirmada quando, ao final da pesquisa, deparamo-nos com o comentário ao livro Qohélet do Rabino Ari Friedman. Presente em suas explanações do sentido dos textos acima estudados, é sintetizada pelo autor ao tratar de Qo 2,2. Citando diversos comentaristas da tradição judaica, explica que não há uma contradição entre este texto e 8,15, que, respectivamente reprova e louva a alegria:

Os versículos estão falando de coisas diferentes: aqui o rei Salomão está falando de alegrias derivadas dos prazeres momentâneos, algo que não leva a nada. Já no versículo (8,15) o monarca trata sobre alguém que está feliz com seu quinhão material e com a alegria de atingir metas espiritualmente elevadas75.

Com isso, atesta-se a existência de duas conotações da alegria no livro, mesmo se a dimensão espiritual explicitada na leitura judaica não esteja tão clara na leitura exegética. Por outro lado, comprova-se como o estudo exegético pode caminhar junto com a leitura espiritual e moral dos textos.

1R.N. Whybray, “Qoheleth, Preacher of Joy”, Journal for the Study of the Old Testament 23 (1982) 87-98, 88.91-92.

2A. Schoors, “L'ambiguità della gioia in Qohelet”, em G. Bellia - A. Passaro (eds.), Il libro del Qohelet (Paoline, Cinisello Balsamo [Milano] 2001) 276-292, 282.

3G. Ravasi, Qohelet (Paoline, Cinisello Balsamo [Milano] 1991) 52-53.

4O uso do termo no livro é apresentado por C.F. Whitley, Kohelet: His Language and Thought (Walter de Gruyter, Berlin-New York 1979) xxi.

5A contradição entre diferentes avaliações da alegria, no livro, já fora percebida na tradição judaica. O Talmud de Babilônia procura solucioná-la, colocando o riso em relação a Deus: o riso de Deus com os ímpios que dele recebem bens não é visto favoravelmente, enquanto o é quando se refere à vida futura dos justos. Cf. https://www.sefaria.org/Shabbat.30b.4?lang=bi&with=all&lang2=en (consulta: 22/4/2021).

6Fox sumariza em duas vertentes as tendências interpretativas das contradições em Qohélet: a procura de harmonização (com eliminação das contradições); a via redacional (que busca superar o problema atribuindo as diferenças de pensamento a níveis redacionais distintos) (M.V. Fox, Qohelet and his Contradictions [Almond, Sheffield 1989] 19-28).

7Morla defende igualmente a unidade 1,12–2,26 na base da ficção salomônica, presente em todos os versículos, e da repetição, em 1,16 e 2,1 da mesma frase. Cf. V. Morla, Eclesiastés. El colapso del sentido (Verbo Divino, Estella 2018) 36. A mesma delimitação em C.-L. Seow, Ecclesiastes. A New Translation with Introduction and Commentary (New Haven - London, University Press, Yale 2008) 117.

8J. Vílchez, Eclesiastes ou Qohélet (Paulus, São Paulo 1999) 176.

9E. Glasser, Le procès du bonheur (Cerf, Paris 1970) 180.

10V. Morla, Eclesiastés, 40.

11Vílchez não considera 2,1 como início de uma nova seção, mas o considera, junto com o v. 2, parte da descrição da experiência iniciada em 1,13. A reflexão sobre a mesma seria então desenvolvida em 2,3-21 (J. Vílchez, Eclesiastes ou Qohélet, 163).

12Este é o sentido da raiz nsh aqui utilizada. Cf. L. Alonso, Diccionario Bíblico Hebreo-Español (Trotta, Madrid 1994) 497; W. Baumgartner e outros (eds.), Hebräisches und Aramäisches Lexikon zum Alten Testament, II (Brill, Leiden 1990) 663; W.P. Brown, Ecclesiastes (John Knox Press, Louisville [KY] 2011) 31; R. Gordis, Koheleth. The Man and his World. A Study of Ecclesiastes (Schoken Books, New York 31973) 214.

13É possível distinguir o sentido dos dois termos no livro, sendo a conotação do primeiro relacionada a um prazer que se experimenta. Contudo, apesar de distinções, os dois pertencem ao mesmo campo semântico e se aproximam (B. Pinçon, L’énigme du bonheur: Étude sur le sujet du bien dans le livre de Qohélet [Brill, Leiden 2008] 64-65). Aproximação entre os dois termos se dá no sentido de algo agradável, prazeroso. Segundo Fox, o termo śimhāh é usado no livro em dois sentidos, como uma experiência interior de prazer e como coisas e ações prazerosas (M.V. Fox, Qohelet and his Contradictions, 63-65).

14G. Vanoni, “שָׂמַח”, em G.J. Botterweck - H. Ringgren (eds.), Theologisches Wörterbuch zum Alten Testament, VII (Kohlhammer, Stuttgart 1993) 808-822, 813.

15H.J. Stoebe, “טוֹב”, em E. Jenni - C. Westermann (eds.), Diccionario Teológico Manual del Antiguo Testamento, I (Cristiandad, Madrid 1978) 902-918, 903.

16G. Ravasi, Qohelet, 109-110; M.S. Rindge, “Mortality and Enjoyment: The Interplay of Death and Possessions in Qoheleth”, Catholic Biblical Quarterly 73 (2011) 265-280, 269-271.

17Este último expressa basicamente o “rir”, podendo significar também “diversão” e “alegria” (M.V. Fox, Qohelet and his Contradictions, 66). A conotação deste riso (como demonstração de alegria, de bem-estar ou de desdém) depende do contexto (R. Bartelmus, “צָחַק/ שָׂחַק”, em G.J. Botterweck - H. Ringgren [eds.], Theologisches Wörterbuch zum Alten Testament, VII, 730-745, 733). Em Qohélet, parece expressar exteriormente o contentamento interior (J.-J. Lavoie, “L'expérimentation de la jouissance. Étude de Qohélet 2,1-3”, Laval théologique et philosophique 72 [2016] 145-172.

18O termo pode ser compreendido como um particípio poal (P. Enns, Ecclesiastes [Eerdmans, Grand Rapids (MI) 2011] 43). Deriva da raiz hll III (H. Cazelles, “ללה III”, em G.J. Botterweck - H. Ringgren [eds.], Theologisches Wörterbuch zum Alten Testament, II [Kohlhammer, Stuttgart 1977] 441-444, 441-442), que indica o agir irracional e tem sentido pejorativo (1Sm 21,14). Baumgartner o traduz por “tornar louco, enlouquecer” (zum Toren machen). Para Qo 2,2 dá como significado “louco, absurdo, sem sentido” (törish, sinnlos). Aqui não tem conotação moral, mas indica a insensatez e o irracional (W. Baumgartner e outros [eds.], Hebräisches und Aramäisches Lexikon zum Alten Testament, I, 239).

19M.V. Fox, Eclesiastes (The Jewish Publication Society, Philadelphia 2004) 11-12.

20M.S. Rindge, “Mortality and Enjoyment”, 268.

21Morla chama a atenção para o tom de lamento da fórmula “os dias contados de sua vida” (2,3, repetida em 5,17; 6,12) (V. Morla, Eclesiastés, 40-41).

22Segundo outra interpretação, o texto não visaria propriamente condenar a alegria, mas sim chamar a atenção para a realidade da morte (M.V. Fox, Eclesiastes, 43).

23O termo כְּסִיל usado diversas vezes no livro e assume, a partir do contexto, sentidos variados. Dentre as ocorrências, destacam-se, de um lado, aquelas em que se relaciona com a ignorância, a incompetência e mesmo a preguiça ou o esgotamento após um duro trabalho (2,14; 4,5; 10,12.15). De outro, concerne àquele que não aceita a instrução (4,13) ou que se irrita e se apega aos prazeres (7,4.9). Trata-se sempre, porém, daquele que não é sábio (J.-J. Lavoie, “Le sage et l'insensé. Étude de Qohélet 7,5-7”, Revue des Sciences Religieuses 88/1 [2014], on-line: http://journals.openedition.org/rsr/1092 [consulta: 24/6/2020]).

24A expressão hebraica explora o jogo de palavras, que envolve o aspecto fonético e a ordem quiástica tanto de termos repetidos quanto de palavras com som semelhante.

25R. Gordis, Koheleth, 266.

26R. Gordis, Koheleth, 266-267.

27R. Gordis, Koheleth, 267.

28J. Vílchez, Eclesiastes ou Qohélet, 299.

29Morla entende que, estando o perfume associado a festividades, seria passageiro, enquanto o “nome” perpetuaria a memória de alguém (V. Morla, Eclesiastés, 98). De outro lado, seria possível entender que, acrescentando ao dito sobre o nome e o óleo um provérbio sobre o dia da morte e do nascimento, Qohélet teria dado ao primeiro sentido irônico, pois só com a morte o “nome” seria bem valorizado. Cf. S. Ramond, “Y a-t-il de l'ironie dans le livre de Qohélet?”, Vetus Testamentum 60 (2010) 621-640, 629.

30V. Morla, Eclesiastés, 98.

31Segundo Seow, a ideia seria de estar consciente da realidade da vida humana, que inclui a morte (C.-L. Seow, Ecclesiastes, 245). Também nesse provérbio haveria, segundo Ramond, a ironia que caracteriza tantos ditos de Qohélet. S. Ramond, “Y a-t-il de l'ironie dans le livre de Qohélet?”, 629.

32O termo ocorre no livro neste mesmo sentido também em 1,18; 2,23; 7,3. Em 7,9, verbo e nome ocorrem com o sentido de “irar-se/ira”.

33R.E. Murphy, Ecclesiastes (Word Books, Dallas [Texas] 1992) 155.

34R. Gordis, Koheleth, 268; G. Ravasi, Qohelet, 235.

35Morla chama a atenção para o fato que aqui Qohélet se afasta da tradição sapiencial, que em geral procura inculcar uma vida alegre e feliz (V. Morla, Eclesiastés, 99).

36Assim se entende a expressão “canto dos néscios” (šîr kesîlîm), como louvores deles provenientes.

37O versículo é construído com um jogo fonético que utiliza consoantes sibilantes para expressar o ruído do crepitar de gravetos. Sobre o recurso fonético, cf. L. Alonso, Hermeneutica de la palabra. II. Interpretación literária de textos bíblicos (Cristiandad, Madrid 1987) 44.

38D.L. Bland, Proverbs, Ecclesiastes & Song of Songs (College Press, Joplin [Missouri] 2002) 384.

39A expressão aqui indica sobretudo o comportamento, em oposição ao que é descrito no v. 16 (J. Vílchez, Eclesiastes ou Qohélet, 380). Assim também V. Morla, Eclesiastés, 141.

40A “casa” (bayit), em referência aos dirigentes, pode indicar o Estado (G. Ravasi, Qohelet, 319). Gordis rejeita tal compreensão (R. Gordis, Koheleth, 327).

41O problema estaria na medida e no tempo certo ou não (M.V. Fox, Eclesiastes, 71).

42Para esse sentido aponta o contexto imediato e do livro como um todo. Há autores, contudo, que interpretam o versículo como um simples conselho para gozar a vida, sem uma conotação negativa (R.E. Murphy, Ecclesiastes, 205). Morla observa a oposição entre o verbo dālap (“gotejar”), no v. 18, e o riso, no v. 19, e interpreta-a da seguinte forma: “enquanto a casa/palácio «chora» por sua ruína iminente, os que a causam «riem»”. V. Morla, Eclesiastés, 142.

43Diversos argumentos falam em favor de considerar 11,6 como finalização do texto anterior. A menção da “manhã” em 11,6 forma uma inclusão com 10,16; a da “mão”, neste mesmo versículo, liga-se ao mesmo termo mencionado em 10,18; enfim, a chamada à responsabilidade, em 11,6, retoma por contraste, 10,16-19. Por outro lado, há motivos para considerar 11,7–12,7 como unidade textual. As referências ao sol em 11,7 e 12,2, e aos “dias obscuros” (11,8), que se desenvolvem em 12,1-7, servem como elementos de conexão textual. As exortações de 11,7-8 são retomadas pelos verbos em imperativo de 11,9 e 12,1. Várias retomadas de vocabulário marcam a unidade: expressões de tempo (11,8.9; 12,1), o uso da raiz ţwb e a menção dos olhos que veem (11,7.9), além da contraposição entre os dias de gozo e os anos difíceis (11,10; 12,1) (C.-L. Seow, Ecclesiastes, 368). De outro lado, 12,8 tem um tom genérico (como 1,2), que o coloca como finalização de todo o conjunto do livro (antes das palavras finais do epilogista: 12,9-14).

44A luz e o sol falam de vida, alegria e felicidade: Jó 38,15; Sl 56,14; 58,9; 97,11; Pr 13,9; 15,30. São duas ideias frequentemente ligadas à vida na literatura bíblica (E.P. Lee, The Vitality of Enjoyment in Qohelet's Theological Rhetoric [Walter de Gruyter, Berlin–New York 2005] 73).

45É usado muitas vezes para qualificar o mel (Jz 14,14.18; Ez 3,3; Sl 19,11; Pr 24,13). Cf. V. Morla, Eclesiastés, 162.

46É o que defende, dentre outros, Gordis, baseando-se em Qo 6,4 além de outros textos (1Sm 2,9; Jó 10,21; 17,13; 18,18; Sl 88,13; Pr 20,20) (R. Gordis, Koheleth, 334-335). Mais recentemente, o mesmo foi aceito por Lee (E.P. Lee, The Vitality of Enjoyment, 72-73).

47J. Vílchez, Eclesiastes ou Qohélet, 396. Este sentido se deve à contraposição ao tempo da mocidade expresso no v. 9 com dois vocábulos (yaldût e beh□ûrôt) (também o v. 10). O primeiro, por derivar da raiz yld, poderia indicar também a infância ou adolescência (B. Pinçon, L’énigme du bonheur, 123).

48Pelo fato de os “dias de trevas” estarem ligados a verbo em yiqtol.

49Essa interpretação é confirmada indiretamente por Ogden, ao afirmar que tempo de alegria não é só a juventude, mas toda a vida: G.S. Ogden, “Qoheleth XI 7–XII 8: Qoheleth's Summons to Enjoyment and Reflection”, Vetus Testamentum 34 (1984) 27-38, 30.

50Não necessariamente o futuro, uma vez que o verbo está no qatal. A ideia é a de que a morte é um dado sempre presente, que não deve ser negligenciado (E.P. Lee, The Vitality of Enjoyment, 74).

51J. Vílchez, Eclesiastes ou Qohélet, 400

52Rindge afirma que é exatamente a referência à morte ou à idade provecta que baseia a exortação a gozar os bens da vida (M.S. Rindge, “Mortality and Enjoyment”, 276-277).

53Ravasi chama a atenção ao fato que, considerando outras passagens bíblicas (Jz 18,20; 19,6.9; Rt 3,7; 1Rs 21,7), provavelmente aqui se está supondo a ideia de banquetes, de comer e beber (G. Ravasi, Qohelet, 336). Se isso se confirma, estaria em concordância com outras passagens do livro (2,24; 3,13; 5,18-19; 8,15).

54Gordis interpreta o w inicial desta frase não como adversativo, mas consecutivo, no sentido de “saibas, então, que por estas coisas Deus te levará ao juízo” (R. Gordis, Koheleth, 336). Tal compreensão é apoiada por J. Vílchez, Eclesiastes ou Qohélet, 394; e G. Ravasi, Qohelet, 328. Morla considera secundária a frase sobre o juízo de Deus e a atribui ao epilogista (V. Morla, Eclesiastés, 164). Se há afinidades com o pensamento do epilogista, no entanto, a frase não perturba o desenvolvimento do tema de forma a exigir a suposição de uma intervenção redacional.

55J. Vílchez, Eclesiastes ou Qohélet, 398-399.

56O livro já recomendara moderação em 10,17-19 (M.V. Fox, Eclesiastes, 75). Porém, a tradição judaica parece ter interpretado diferentemente. De fato, Ravasi refere a compreensão do Talmud, embora sem aceitá-la: o final do versículo indicaria que o juízo de Deus cairá sobre o jovem que não aproveitou as alegrias que teve em vida (G. Ravasi, Qohelet, 337-338).

57G.S. Ogden, “Qoheleth xi 7–xii 8”, 32.

58O termo šahat é um hápax legómenon que pode derivar da ideia de “aurora” ou então referir-se aos cabelos negros, indicando assim a juventude, em oposição ao ocaso da vida e às cãs (R. Gordis, Koheleth, 337). Baumgartner indica duas possibilidades: como derivado de šhr I, literalmente “negro”, indicando os cabelos negros; ou a partir do árabe, indicando o tempo da juventude (W. Baumgartner e outros (eds.), Hebräisches und Aramäisches Lexikon zum Alten Testament, II, 1362). As versões antigas dão um sentido moralizante ao termo: ἄνοια (Setenta) e voluptas (Vulgata).

59R. Gordis, Koheleth, 337.

60M.V. Fox, Eclesiastes, 11-12.

61O termo śehôq, portanto, não traz em si mesmo nenhuma conotação pejorativa; seu preciso sentido depreende-se da consideração do contexto (cf. M.V. Fox, Qohelet and his Contradictions, 64).

62Seow enfatiza não haver oposição entre a passagem inicial (2,1-3) e a final (11,7-10), pois a primeira consideraria a alegria negativamente porque a vida é transitória; a última, indicaria que exatamente pelo mesmo motivo, a alegria deveria ser valorizada (C.-L. Seow, Ecclesiastes, 371). Contudo, parece-nos que a avaliação negativa de 2,1-3 não é propriamente pela fugacidade da vida.

63O sentido dos dois termos no livro é apresentado por Whitley, Kohelet, xviii. O primeiro vocábulo designa o labor cotidiano do homem e serve, assim, como que de síntese para a sua vida (B. Pinçon, L’énigme du bonheur, 67).

64Para o livro, a alegria provém desses dois elementos: o trabalho e/ou o dom de Deus. A ênfase em gozar a vida no trabalho seria explicada pelo fato de a morte e o xeol eliminarem essa possibilidade (J.S.Y. Pahk, “The Role and Significance of dbry hps [Qoh 12:10a] for Understanding Qohelet”, em A. Lemaire [ed.]. Congress Volume Leiden 2004 [Brill, Leiden - Boston 2006] 325-354, 347-348).

65Não as obras, mas somente a alegria que vem do trabalho é que tem algum valor (M. Maussion, “Qohélet vi 1-2: «Dieu ne permet pas…»”, Vetus Testamentum 2005 [55] 501-510, 506).

66Maussion chama a atenção para o fato que isso é possível também se Deus o permite; nessa alegria, Deus se expressa (M. Maussion, “Qohélet vi 1-2: «Dieu ne permet pas…»”, 505).

67F. Kutschera. Kohelet. Leben im Angesicht des Todes, em L. Schwienhorst - Schönberger (eds.), Das Buch Kohelet. Studien zur Struktur, Geschichte, Rezeption und Theologie (Walter de Gruyter, Berlin - New York 1997) 363-376, 372.

68Nesse sentido, entende-se a compreensão de Perry, segundo a qual a alegria, para Qohélet, é uma atitude de vida que significa satisfazer-se com o que se possui. Cf. T.A. Perry, The Book of Ecclesiastes (Qohelet) and the Path to Joyous Living (Cambridge University Press, New York 2015) 65.

69A hipótese é defendida, a partir de outros argumentos, por M. Maussion, “Qohélet vi 1-2: «Dieu ne permet pas…»”, 507. 509.

70S. de Jong, “A Book on Labour: The Structuring Principles and the Main Theme of the Book of Qohelet”, em Journal for the Study of the Old Testament 54 (1992) 107-116, 110.

71Diferentemente do que defende M.S. Rindge, “Mortality and Enjoyment”, 267-268.

72T.J. Lewis, “Dead, Abode of the”, em D.N. Freedman (ed.), The Anchor Bible Dictionary, II (Doubleday, New York 1992) 102-104.

73N. Neriya-Cohen, “The Reflective Passage as the Core of Qohelet: Context and a Structural Analysis”, Journal of Hebrew Scriptures 15 (2015) 1-22, 17-18.

74F. Kutschera. Kohelet, 373: “… sind die Augenblicke der Freude die Höhepunkte unseres Daseins”.

75A. Friedman, Kohelet (Yeshivá Guevohá Beer Avraham, São Paulo s/d) 79.

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