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O corpo deslizando sentidos: o en(tre)lace discursivo do político nas fronteiras com o social

RESUMO

Este artigo tem como objetivo discutir a questão da materialidade significante do corpo no en(tre)lace discursivo do político imbricado nas fronteiras com o social, a partir das obras de Dan Halter. Para tanto, proponho um diálogo teórico-analítico entre a perspectiva dialógica desenvolvida pelo russo Mikhail Bakhtin e a perspectiva do materialismo-histórico, tendo como base o dispositivo teórico da Análise do Discurso francesa, a fim de analisar o objeto de estudo em questão na relação corpo, memória e discurso. Nesse sentido, ao trabalhar com a imbricação entre a materialidade verbal e não verbal, busco lançar olhar sobre duas obras do artista zimbabueano Dan Halter, considerando, desse modo, os efeitos de sentido que deslizam metafórica e metonimicamente para outros sentidos do corpo que se desdobram em diferentes imagens do sujeito, tendo em vista os processos de estruturação do conflito e da tensividade do/no social a partir dos espaços ocupados por estes corpos e atravessados que são pelo simbólico, pela ideologia e pela história.

PALAVRAS-CHAVE:
Discurso; Memória; Ideologia; Materialidade significante do corpo

ABSTRACT

This article aims to discuss the question of the signifying materiality of the body in the discursive interlacement of the political imbricated on the frontiers with the social, based on the works of Dan Halter. To this end, we propose a theoretical-analytical dialogue between the dialogical perspective developed by Russian Mikhail Bakhtin and the historical-materialism perspective, based on the theoretical assumptions of the French Discourse Analysis, in order to analyze the object of this study in its relation with body, memory, and discourse. In this sense, by working with the imbrication between verbal and non-verbal materiality, we intend to focus on two specific works by Zimbabwean artist Dan Halter, considering the meaning effects that slide metaphorically and metonymically to other senses of the body that unfold in different images of the subject, in view of the processes that structure the conflict and tensivity of the social from the spaces occupied by these bodies and crossed by the symbolic, by ideology, and history.

KEYWORDS:
Discourse; Memory; Ideology; Signifying materiality of the body

Introdução

Quando se lança um olhar sobre a materialidade significante do corpo em sua relação com a linguagem, com a história e com o social, é, em grande medida, oportuno e proveitoso o diálogo com o filósofo e pensador russo Mikhail Bakhtin. Nesse sentido, a influência de sua obra e de seu Círculo é rica e ampla, visto as apropriações de conceitos do Círculo por diversos autores, tais como Julia Kristeva, Jacqueline Authier-Revuz e Tzvetan Todorov. E, diferente do que acontece, por exemplo, com as noções de polifonia, de cronotopo e de exotopia, o olhar de M. Bakhtin em torno da questão do corpo não está organizado centralmente em um de seus livros, mas pincelado em uma e outra de suas obras, a exemplo do ensaio O autor e a personagem na atividade estética (2003, p.3-192 [1920-1924), em que aparece pela primeira vez, na obra bakhtiniana, o problema do valor cultural do corpo. Esta dispersão causa a priori um efeito significativo: o da necessidade de se considerar a questão do corpo em toda a sua complexidade, a partir de suas dimensões social, discursiva, política, histórica e ideológica. No entanto, considerando seus primeiros manuscritos:

Bakhtin explorou uma noção mais dinâmica de como o corpo se relaciona com o ambiente, uma visão baseada na noção de movimento e de interação sem fim. Naquele pensamento inicial, o significado se baseava em posições e momentos fixos, os quais, posteriormente, se tornaram processo e fluxo sem fim. Defendo que, apesar de Bakhtin ainda lidar com imagens de corpos, sua ênfase na materialidade abre a possibilidade de diálogo com o que Guy Claxton chamou de um Novo Materialismo e, de forma mais geral, uma concepção mais dinâmica do corpo que se estende para o mundo (MACCAW, 2019MACCAW, D. Corpos em Bakhtin / Bakhtin’s bodies. Bakhtiniana, v. 14, n. 3, p.35-56, julho/set, 2019. Disponível em https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/41642 e https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=2176-457320190003&lng=en&nrm=iso
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, p.38).

Destarte, pretendo, neste artigo, elucidar essa complexidade, retomando alguns dos pontos principais da teoria bakhtiniana (apresentando conceitos na medida apenas necessária para esta discussão), em um diálogo1 1 Não deixamos de considerar aqui as divergências e aproximações entre a teoria bakhtiniana e a perspectiva francesa da Análise do Discurso, entretanto, nos lançamos em uma tentativa de estabelecer possível diálogo, ao mesmo tempo, desafiador e produtivo a partir dos estudos discursivos atuais. com a perspectiva do materialismo-histórico da Análise do Discursivo francesa com a qual eu trabalho. Nesse entremeio, procuro observar o que se funda no pensamento de Bakhtin (partindo da ideia de arte como ato responsável) e que permite, ao mesmo tempo, refletir sobre as projeções dialógicas do corpo na/pela arte, pensando na questão dos sentidos mobilizados pelo corpo deslizando pelas/nas fronteiras com o social. Para tanto, tomo como base de análise algumas cenas de protestos de rua, na África do Sul, em diferentes momentos históricos flagrados a partir de fotogramas extraídos dos vídeos Untitled - Zimbabwean Queen of Rave (2005; 3:33s) e Beitbridge Moonwalk (2010; 5:24s), obras do artista zimbabueano Dan Halter, que, ao mobilizar em seu trabalho a questão do corpo ocupando diferentes espaços sociais, constrói sua crítica à situação política do Zimbábue pós-colonial. E, a partir destes dois materiais, examino como o artista lança um olhar em torno das manifestações pelo fim do apartheid e também em torno da xenofobia dirigida aos refugiados do Zimbábue vivendo na África do Sul.

Tendo em vista, a materialidade discursiva e os modos de representação do corpo social e político que analisarei a partir desse material, volto inicialmente minha atenção para o pensamento bakhtiniano a respeito do corpo. Para Mikhail Bakhtin o corpo é materialidade de eventos singulares e espécie de assinatura dos sujeitos constituídos pela linguagem, pela ideologia e pela história. É sempre um corpo inacabado, que se torna um “todo” quando contemplado pelo outro. Assim, segundo a compreensão do filósofo russo, o que torna o corpo um signo ideológico é a sua materialidade enquanto objeto, bem como a sua materialidade histórica e a sua valoração ideológica. Nesse sentido, ao abordar essa materialidade significante do corpo2 2 Trabalhamos aqui a noção de materialidade significante desenvolvida por Lagazzi (2009, 2011). enquanto suporte do discurso de luta, de militância, de resistência e de protesto nas fronteiras com o social, trago para reflexão as próprias palavras do filósofo russo de que assim como “o corpo, o sentido sabe gritar na roda” (BAKHTIN, 1987BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Tradução Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Editora Hucitec, 1987., p.366).

Fazendo, desse modo, uma revisão de como a ideia de corpo foi ganhando espessura no (per)curso da obra de M. Bakhtin e de seu Círculo (e considerando a questão do corpo como problema filosófico), o estudioso búlgaro Galin Tihanov delineou algumas fases do entendimento bakhtiniano a respeito do corpo.

De acordo com Tihanov (2012, p.166-180)TIHANOV, G. A importância do grotesco. Bakhtiniana, São Paulo, v. 7, n. 2, p.166-180, 2012. Available at: https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/11381/9337. Accessed on: 09 Jan. 2020.
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, o ensaio de M. Bakhtin de 1920-1924 (aqui já citado) busca a princípio delinear os limites do corpo individual, sendo este, no entanto, inacessível a si mesmo - resultando, então, na ideia de corpo interior (elemento da autoconsciência, controlável) e exterior (fragmentado, com o qual não se pode agir de maneira imediata). O corpo interior se completa por meio do externo, não bastando em si mesmo, mas necessitando, sobretudo, de outro. O corpo exterior, destarte, sob o olhar bakhtiniano, abarca o corpo interior, moldando uma espécie de massa inarticulável em um “todo”. Essa sensação de inteireza e separação “torna-se um pré-requisito para a desejável existência humana em que o corpo assume um valor cultural” (TIHANOV, 2012TIHANOV, G. A importância do grotesco. Bakhtiniana, São Paulo, v. 7, n. 2, p.166-180, 2012. Available at: https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/11381/9337. Accessed on: 09 Jan. 2020.
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, p.169). Assim:

[...] a divisão de Bakhtin do corpo em interno e externo se origina na fenomenologia de Max Scheler. Scheler aborda o corpo “animado” (Leib) e o corpo "físico" (Körper) [...] para sugerir - semelhantemente a Bakhtin - que é o sentimento de empatia de outra pessoa direcionada ao corpo físico que me dota de um sentido de unidade e de totalidade [...] O termo bakhtiniano sochuvstvie é a versão precisa de Simpatia para Scheler. Ouvimos o eco desse significativo conceito na seguinte alegação de Bakhtin: ‘Eu mesmo não posso ser o autor do meu próprio valor, da mesma forma que não posso levantar-me pelos cabelos. A vida biológica do organismo só se torna valor na simpatia e na compaixão do outro (materna) por ele [...]” (TIHANOV, 2012TIHANOV, G. A importância do grotesco. Bakhtiniana, São Paulo, v. 7, n. 2, p.166-180, 2012. Available at: https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/11381/9337. Accessed on: 09 Jan. 2020.
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, p.168-169).

Após um olhar inicial, M. Bakhtin reformularia o seu pensamento sobre o corpo, (re)deslocando-o de seu aspecto individual para o social e coletivo. Segundo Tihanov (2012)TIHANOV, G. A importância do grotesco. Bakhtiniana, São Paulo, v. 7, n. 2, p.166-180, 2012. Available at: https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/11381/9337. Accessed on: 09 Jan. 2020.
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, o mestre Bakhtin, sob influência de sua amizade com Kanaev, na década de 1930, voltou-se para uma ideia diferente do corpo humano, principalmente, a partir de seu livro sobre Rabelais, escrito na segunda metade da década de 1930. Em seguida, na década de 1940, M. Bakhtin passa a analisar “o corpo coletivo, cuja identidade não é moldada pelo limite traçado pelo eu e pelo outro, mas, sim, estabelecida mediante uma experiência de união transgressiva” (TIHANOV, 2012TIHANOV, G. A importância do grotesco. Bakhtiniana, São Paulo, v. 7, n. 2, p.166-180, 2012. Available at: https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/11381/9337. Accessed on: 09 Jan. 2020.
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, p.170). Dessa maneira, “a mudança radical na interpretação de Bakhtin sobre o corpo encontra-se em sua afirmação de que este não é uma entidade unitária, que não é nem ‘tão único’ nem ‘tão meu’” (TIHANOV, 2012TIHANOV, G. A importância do grotesco. Bakhtiniana, São Paulo, v. 7, n. 2, p.166-180, 2012. Available at: https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/11381/9337. Accessed on: 09 Jan. 2020.
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, p.168).

Pêcheux e Bakhtin...

Embora Michel Pêcheux quase não comente a respeito de Mikhail Bakhtin e de seu Círculo3 3 Uma das poucas menções diretas a M. Bakhtin feitas por M. Pêcheux encontra-se na obra La langue introuvable (1983), escrito em parceria com Françoise Gadet. , o filósofo francês destaca, em sua posição epistemológica, que toda ciência se opõe a uma ideologia e considera os estudos do filósofo russo como uma espécie de “retorno a um estado pré-teórico” (i.e., pré-científico). Também Orlandi (1997)ORLANDI, E. P. M. Bakhtin em M. Pêcheux: no risco do conteudismo. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas: Editora da Unicamp , 1997. p.39-48., tendo como base M. Pêcheux, traça uma crítica à ideologia da vida, de Bakhtin & Voloshinov, e àquilo que a própria autora chama de “dialogismo sociologista”.

Enquanto discípulo de Louis Althusser:

Pêcheux ampliou a reflexão de Althusser para pensar o papel da linguagem na sociedade: para ele, a linguagem “refletia inevitavelmente a luta de classes, trazendo, intimamente ligada à sua produção, as marcas de formação/reprodução/transformação das condições em que foi produzida” (INDURSKY, 1997, p.20), porquanto a linguagem era uma das formas de manifestação da ideologia, e os aparelhos ideológicos do Estado eram lugares de transformação das relações de produção, e não simplesmente a reprodução da ideologia da classe dominante, conforme argumentava Althusser (PORTO; SAMPAIO, 2013PORTO, L. M. F.; SAMPAIO, M. C. H. Bakhtin e Pêcheux: leitura dialogada. Polifonia, v. 20, n. 27, p.89-106, 2013., p.99-100).

Talvez um ponto de convergência e aproximação do pensamento de M. Pêcheux e de M. Bakhtin/Voloshinov seja possível no que tange à relação entre linguagem e ideologia. Embora, em seus últimos escritos, o teórico francês tenha incorporado “noções de Bakhtin, como a heterogeneidade constitutiva (GREGOLIN, 2008), não foi possível ampliar esse diálogo, provavelmente por falta de acesso a outros textos de Bakhtin e do Círculo” (PORTO; SAMPAIO, 2013PORTO, L. M. F.; SAMPAIO, M. C. H. Bakhtin e Pêcheux: leitura dialogada. Polifonia, v. 20, n. 27, p.89-106, 2013., p.92). Fosse mais apropriado pensar, talvez, em um deslocamento que, considerando a proposta de Pêcheux, acaba por desembocar nas noções de efeitos de sentido e formações imaginárias, enquanto, em Bakhtin/Voloshinov, se materialize no conceito de ideologia do cotidiano a partir do signo linguístico.

Lançando pontes entre o eu e o outro, proponho aqui, neste artigo, um diálogo, portanto, entre o pensamento bakhtiniano e o materialismo-histórico, devidamente considerando as diferentes posições epistemológicas entre Pêcheux e Bakhtin, a fim de alargar os horizontes do olhar teórico-analítico sobre o corpo presente em diferentes textualidades, a partir de suas representações, no caso em questão, a partir da arte.

Corpo, cronotopo e discurso

Partindo, então, do pensamento desenvolvido ao longo da obra de M. Bakhtin de que o corpo coletivo é estabelecido mediante uma experiência de união transgressora (não sendo uma mera entidade unitária), debruço-me sobre a questão do corpo enquanto discurso e sobre o corpo textualizado em diferentes materialidades significantes (a exemplo da imagem artística, das cenas fílmicas e documentárias, dos fotogramas de vídeo), procurando mostrar, nesse sentido, “que a própria corporalidade é também uma materialidade significante, discursividade inscrita em condições de produção fronteiriças” (AZEVEDO, 2014AZEVEDO, A. F. Sentidos do corpo: metáfora e interdiscurso. Linguagem em (dis)curso, v.14, n. 2, p.321-335, 2014., p.322).

No material que procuro analisar aqui, o corpo insurge atravessado pelo político no trabalho com o simbólico, ocupando diferentes espaços de protestos e significando de diferentes modos, dadas as diferentes condições de produção do sentido, na relação entre corpo, espaço, tempo e sujeito.

Desse modo, se para M. Bakhtin, por um lado, o corpo “não está separado do resto do mundo, não está isolado, acabado nem perfeito, mas ultrapassa a si mesmo, franqueia seus próprios limites” (1987, p.26), por outro lado, é fundamental observá-lo sob a perspectiva discursiva materialista, tal como reflete Azevedo (2014)AZEVEDO, A. F. Sentidos do corpo: metáfora e interdiscurso. Linguagem em (dis)curso, v.14, n. 2, p.321-335, 2014., considerando “o movimento de constituição de sentidos sobre/do corpo” (AZEVEDO, 2014AZEVEDO, A. F. Sentidos do corpo: metáfora e interdiscurso. Linguagem em (dis)curso, v.14, n. 2, p.321-335, 2014., p.322). Nesse entendimento, “os modos de significar e a matéria significante são plurais: o corpo é um lugar de opacidade que ganha sentido pelo olhar” (AZEVEDO, 2014AZEVEDO, A. F. Sentidos do corpo: metáfora e interdiscurso. Linguagem em (dis)curso, v.14, n. 2, p.321-335, 2014., p.323). Assim:

[...] pela filiação teórica ao materialismo histórico, a forma material é sempre histórica. Em outras palavras, tomar o corpo como forma material implica afastar qualquer concepção que o trate como realidade empiricamente compreensível e biologicamente funcional, comuns em áreas como a da saúde, por exemplo, em que o corpo é natural, segmentável, controlável e transparente. (AZEVEDO, 2014AZEVEDO, A. F. Sentidos do corpo: metáfora e interdiscurso. Linguagem em (dis)curso, v.14, n. 2, p.321-335, 2014., p.323).

Ler o corpo sob esse viés materialista, considerando o legado de Michel Pêcheux nos estudos do discurso, representa um investimento nos gestos de interpretação de diferentes materialidades, como nas imagens e nas formulações visuais (LAGAZZI, 2013LAGAZZI, S. A imagem do corpo no foco da metáfora e da metonímia. Redisco, v. 2, n. 1, jan./jun. 2013. Vitória da Conquista: Edições UESB, p.104-110, 2013.; 2014a; 2014b) do corpo. Isto exige do analista um olhar que busca ir além dos sentidos em evidência, no batimento metodológico entre os gestos de descrição e de interpretação, fazendo trabalhar a opacidade do corpo e das representações do corpo. A exemplo daquilo que elucida Courtine (2013, p.78)COURTINE, J-J. Decifrar o corpo: pensar com Foucault. Tradução de Francisco Morás. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2013. “[...] o corpo humano era, e permanece para nós, coberto de signos, mesmo se a natureza destes, o olhar que os decifra, a posição de quem os interpreta e a intenção de quem os exprime se modificaram historicamente”.

No caso da arte, também é possível observar diferentes representações do corpo. Algumas delas, as quais aqui são objetos de nossa análise, surgem em determinadas cenas prototípicas de protestos (corpos em marchas, punhos erguidos, as multidões nas ruas, mãos hasteando faixas e cartazes). Tais representações do corpo não se constituem apenas em seu aspecto performático, na confluência dialógica e na imbricação entre corpos e imagens, mas também interpelam diferentes sentidos (em torno) do corpo no en(tre)laçamento entre o verbal e o não-verbal (ORLANDI, 1995) atravessados pelo político, pelo ideológico e ocupando diferentes espaços, diferentes temporalidades que são determinantes em seus processos de significação.

Tendo em vista, por exemplo, a relação tempo-espaço, a noção bakhtiniana de cronotopo me leva a refletir sobre como corpo e sujeito se colocam nas fronteiras de sentido, a partir da experiência das/nas ruas e dos/nos espaços públicos e a partir da discursividade dos protestos, que se forja(m) na temporalidade das manifestações e das lutas político-sociais. Os espaços de protesto são o ponto de encontro entre corpos heterogêneos discursivamente atravessados pela ideologia e pela história. Nesse sentido, como muito bem assinala Marilia Amorim, “[...] no encontro, a definição temporal (naquele momento) é inseparável da definição espacial (naquele lugar)” (AMORIM, 2006AMORIM, M. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, B. (org). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p.95-114., p.102). Os protestos são, assim, para a autora, o cronotopo a partir do qual se dão as transformações e no qual (tal como se observa) corpos e sujeitos se colocam, deslocando-se e (res)significando diferentes sentidos (como os de união, de luta, de manifestação, de confronto, de resistência).

A arte, o protesto e o corpo nas obras de Dan Halter

Em algumas das obras de Dan Halter4 4 Nosso primeiro contato com a obra de Dan Halter se deu a partir da exposição Memórias inapagáveis, no SESC Pompeia, em São Paulo (SP), em 2014. Na ocasião, foi possível assistir ao vídeo-documentário Untitled - Zimbabwean Queen of Rave (2005). as imagens do corpo surgem na constituição e na construção de uma crítica do artista em relação ao sistema político do Zimbábue pós-colonial. Descendente de suíços que se refugiaram no Zimbábue, após a Primeira Guerra Mundial, Dan Halter nasceu em 1977, em Harare, capital do Zimbábue, pequeno país africano que apenas em 1980 deixou de ser colônia britânica. Em 2005, assistiu ao forçado exílio de seus pais. Comentando a situação política de seu país, ele menciona o importante passo que deve ser dado pelos revolucionários que lutaram contra a repressão e, hoje no poder, também são corrompidos. O reconhecimento da obra de Dan Halter resultou na participação em diversas exposições de arte, como na 10º Bienal de Havana (Cuba), na 3ª Trienal de Guangzhou (China), na 9ª Bienal de Arte Contemporânea Africana (Dacar, Senegal) e em exposição do Smithsonian National Museum (Washington, EUA).

Na convergência entre a arte, o social e o político, as imagens na obra documentária do artista zimbabuano Dan Halter, intitulada Untitled - Zimbabwean Queen of Rave (2005), apresentam algumas cenas prototípicas de protestos sociais no en(tre)laçamento de diferentes imagens de manifestantes negros nas ruas sul-africanas contrastando com imagens em flashes de festas raves organizadas pela Europa, no início dos anos 90.

Utilizando-se de uma técnica artística de sobreposição de imagens em scratch videos, Dan Halter configurou Untitled em formato de videoclipe (3m32s), tendo como trilha sonora o hit (sucesso musical, em inglês) Everybody's Free (To Feel Good) de autoria da cantora zambiana Rozalla, que fez suas primeiras aparições em apresentações de palco, nos anos 80, no Zimbábue, alcançando fama internacional com esta música de estilo dance, lançada em 1991. No entrecruzamento das imagens e dos versos da canção, as materialidades visual e verbal se entrelaçam em pontes dialógicas interpeladas pela presença de outros textos (polifonia) inseridos no conjunto textual desta obra de Dan Halter. O refrão Everybody's free (to feel good) - Todos são livres para (para se sentirem bem) - reiterado repetidas vezes, (res)soa produzindo efeitos de sentido como o de uma “canção porta-voz” que se (re)desloca, nos fios do discurso, colocando-se nas fronteiras entre as cenas das raves europeias em contraste com os vários movimentos de resistência e protesto nas ruas da África contra o regime do apartheid que aparecem em algumas cenas do vídeo.

A política do apartheid, comandada pelos sucessivos governos do Partido Nacional, na África do Sul, ao longo dos anos de 1948 e 1994, foi um regime de segregação racial no qual os direitos da maioria dos habitantes foram cerceados pelo governo formado pela minoria branca. Após o massacre de 21 de março de 1960, em Sharpeville, no contexto do período de descolonização, os críticos internacionais contra aquele regime político segregacionista começaram a crescer. Como resultado, muitos dos movimentos populares de ideologia anti-apartheid ganharam espaço em diferentes países africanos. Nesse sentido, as primeiras cenas do vídeo (0:08s) de Untitled, em que surgem corpos de militantes em protesto5 5 Tomo aqui a questão da discursividade dos protestos no trabalho constante do político em sua relação com o simbólico. tentando derrubar as grades de ferro de portões em um espaço público (cf. imagem 1) são assim atravessadas por uma ideologia de luta social, de luta pela liberdade contra um sistema político segregacionista (em contraste com imagens de multidões de jovens reunidos em festivais raves nas ruas da Europa, indicando, neste caso, não uma luta política apenas, mas também uma forma de “expressão” e de “celebração” da liberdade).

Imagem 1
Manifestantes em luta contra o apartheid Fonte: Untitled (2005)[13]

Observo, desse modo, a crítica que a obra de Dan Halter estabelece ao denunciar que alguns são mais livres do que outros. Estas cenas iniciais se confluem com os enunciados que ecoam dos versos da canção de Rozalla, produzindo um efeito de sentido de porta-voz em uma espécie de “defesa” do movimento negro nas ruas sul-africanas. Assim, o sentido de mobilização pela/para a união, é enunciado a partir de versos como “[...] brother and sister / together we'll make it through” [irmão e irmã / juntos vamos sobreviver], “[...] we are a family that should stand together as one / helping each other instead of just wasting time” [somos uma família que deve permanecer junta em unidade / ajudando uns aos outros em vez de apenas desperdiçar tempo]. Nesse ponto, reflito, a partir do ensaio Discurso na vida e discurso na arte, de 1926 (tal como o mestre russo nos ensina), que:

[...] a essência social do discurso verbal aparece aqui num relevo mais preciso e a conexão entre um enunciado e o meio social circundante presta-se mais facilmente à análise [...]. Na vida, o discurso verbal é claramente não auto-suficiente. Ele nasce de uma situação pragmática extraverbal e mantém a conexão mais próxima possível com esta situação. Além disso, tal discurso é diretamente vinculado à vida em si e não pode ser divorciado dela sem perder sua significação (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1976 [1926], p.6)6 6 O uso de fotogramas de ambos os vídeos foi autorizada por Dan Halter. O documento de autorização assinado pelo autor foi enviado à Bakhtiniana no dia 21 de novembro de 2018. 7 7 A famosa versão traduzida por Carlos A. Faraco and Cristovão Tezza para fins acadêmicos é baseada na versão em inglês traduzida por I. R. Titunik Discourse in life and discourse in art - concerning sociological poetics, publicada em 1976. .

A partir dessas reflexões do autor sobre a indissociabilidade entre a vida, o discurso e a arte, também observo, por outro lado, que “é o entrelaçamento material entre o verbal e o visual que possibilita a crítica formulada” (LAGAZZI-RODRIGUES, 2011LAGAZZI-RODRIGUES, S. Stations dans la discursivité sociale: alternance et fenêtres. Astérion, n. 8, juillet 2011. https://journals.openedition.org/asterion/2073
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). Nesse caso, pode-se dizer que se trata de uma crítica que passa pela irrupção constante do sentido entre a ideologia política de opressão/segregação como um elemento que pode ser superado por corpos reunidos em protesto e em luta, ocupando um dado espaço e momento histórico. É possível, ainda, identificar outros efeitos de sentido que esta obra de Dan Halter produz, tal como a própria curadoria de arte da Associação Cultural Video Brasil (que abrigou este documentário no Brasil, em 2014) aponta, ao destacar que:

[...] a edição dinâmica, que lembra os scratch vídeos ingleses dos anos 1980, cria um paralelo entre duas situações que, submetidas à recontextualização midiática, perdem seu potencial de confronto. As raves, marcadas pela recusa do estilo de vida yuppie, ganham imagem de modismo vazio; os movimentos de contestação na África parecem desprovidos de causas. A liberdade da dança enquanto protesto e do protesto enquanto dança é enquadrada pelo retângulo televisivo, tornado metáfora de um processo de apropriação e esvaziamento (VIDEO BRASIL, 05/08/2014).

Esse possível efeito de esvaziamento (apagamento), inevitavelmente, passa pelo processo a partir do qual, ao se produzir uma determinada textualidade, outros sentidos são silenciados (ORLANDI, 1992ORLANDI, E. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.). Pode-se observar a sobreposição de imagens dos corpos de jovens na multidão, na Europa, e dos militantes sul-africanos ocupando os espaços das ruas do Zimbábue:

Imagem 2
Multidão de jovens nas raves europeias

Imagem 3
Corpos reunidos em protestos no Zimbábue

Estas cenas (a partir das imagens 2 e 3), marcando a confluência entre diferentes temporalidades e diferentes espaços, que passa pelo espectro fílmico do trabalho de edição dinâmica através da arte, funciona discursivamente produzindo determinados efeitos. Refletindo com Milanez (2011, p.36-37)MILANEZ, N. Discurso e imagem em movimento: o corpo horrorífico do vampiro no trailer. São Carlos: Editora Claraluz, 2011., as images registram “o movimento dos corpos, numa sucessão de cenas [...] fazendo ressurgir em nós outras imagens, que formam uma cadeia de deslocamentos na movimentação de sentidos”. Nessa perspectiva de análise, é importante destacar que tanto a “intersecção de diferentes materialidades” (LAGAZZI, 2011LAGAZZI, S. O recorte e o entremeio: condições para a materialidade significante. In: RODRIGUES, E. A. et. al. (orgs.). Análise de discurso no Brasil: pensando o impensado sempre. Campinas: RG Editora, 2011. p.401-410.) quanto a “imbricação material significante”:

[...] ressaltam que não se trata de analisarmos uma imagem e a fala e a musicalidade, por exemplo, como acréscimos uma das outras, mas sim de analisarmos as diferentes materialidades significantes uma no entremeio da outra’ (LAGAZZI, 2011LAGAZZI, S. O recorte e o entremeio: condições para a materialidade significante. In: RODRIGUES, E. A. et. al. (orgs.). Análise de discurso no Brasil: pensando o impensado sempre. Campinas: RG Editora, 2011. p.401-410., p.402).

Assim, a linguagem visual que também é o lugar da falha, do furo, do equívoco, do apagamento, constitui-se produzindo tais efeitos de sentido que escapam à apreensão total do simbólico, sendo aquilo que sempre retorna por meio de diferentes modos de significação. Para Volochínov:

[...] um signo não existe apenas como parte de uma realidade, mas também reflete e refrata uma outra realidade, sendo por isso mesmo capaz de distorcê-la, ser-lhe fiel, percebê-la de um ponto de vista específico e assim por diante. As categorias de avaliação ideológica [...] (2017, p.93).

Nessa esteira de análise, considerando o paralelo das formulações visuais do corpo em contraste (de um lado, dos corpos em protesto; de outro, dos corpos ocupando os espaços das festas raves), questiono sobre como as relações de alteridade (do corpo na relação com o outro) se estruturam nas imagens em termos de regularidade.

Esses paralelos deixam marcas, nos fios do discurso, que procuro examinar a partir das imagens aqui em questão. A massiva concentração de pessoas, por exemplo, reunidas por um interesse em comum, a movimentação permanente, o clima de exaltação, as ruas tomadas por corpos em protesto sugerem, tal como é possível notar, que as formulações visuais do corpo “se desdobram em diferentes imagens do sujeito e nos mostram a importância da remissão do intradiscurso ao interdiscurso” (LAGAZZI, 2014aLAGAZZI, S. Metaforizações metonímicas do social. In: ORLANDI, E. (org.). Linguagem, sociedade, políticas. Campinas: RG Editores, 2014a. p.105-112. , p.111).

O termo inglês rave, além de designar as festas de música eletrônica ao ar livre, pode ser compreendido como “mover ou avançar violentamente”. O contraste de sentidos (constituídos por uma heterogeneidade discursiva) destaca, nesse caso, alguns jovens brancos que têm o privilégio de se encontrar para celebrar, enquanto negros de diferentes idades (não apenas jovens) precisam se unir para reivindicar os mais básicos dos direitos humanos. Daí o mover dos corpos em luta no sentido de quebrar paradigmas e fazer importantes revoluções (sociais, políticas...).

Levando em conta, desse modo, a ideia de corpo coletivo enquanto suporte de discurso (o discurso de resistência, o discurso do protesto social e político), compreendo a questão da alteridade como uma ponte dialógica, nos termos de Bakhtin, e que se formula em termos de distinção, de contraste, nos espaços de significação em que os corpos são interpelados pela memória, pelo social e pelas diferentes posições ocupadas pelos sujeitos no discurso. Sob essa ótica, considero como os sentidos atravessam estes corpos e como os sentidos de ocupação colocam estes corpos em movimento. Desse modo, há sentidos ocupando estes corpos, bem como estes corpos insurgem ocupando diferentes espaços discursiva e ideologicamente.

Um exemplo disso, na obra que aqui tomo como objeto de análise, é o caso da dança típica africana, originária do Zimbábue, presente nos protestos que aparecem nas imagens de Untitled (cf. imagens 4 e 5). Os movimentos e os gestos dos corpos que se formam em marcha (na dança chamada Toyi-Toyi8 8 Nota das Editoras: Este ensaio tem uma recente tradução do russo para o português: VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). A palavra na vida e a palavra na poesia. Ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Orelha Beth Brait. São Paulo: Editora 34, 2019. , muito utilizada pelas forças do ZIPRA, Exército Revolucionário do Povo Zimbabuano) representam signos integrados em diferentes sistemas de sentido. Segundo Gilbert (2008)GILBERT, S. Singing against Apartheid: ANC Cultural Groups and the International Anti-apartheid Struggle. In: OLWAGE, G. (org.). Composing Apartheid: Music for and against Apartheid. Johannesburgo: Wits University Press, 2008. [In: Journal of Southern African Studies, v. 33, Issue 2, pp.421-441, 2007] disponível em https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/03057070701292848?scroll=top&needAccess=true&journalCode=cjss20 Acesso em 23/07/2020.
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1...
, o Toyi-Toyi é uma dança militante organizada em marchas de protesto, acompanhada de cantos e palavras de ordem. Nos fotogramas, a seguir, extraídos do documentário de Dan Halter, pode-se observar algumas imagens do corpo colocando-se nas fronteiras de significação entre o político, o ideológico e o social, a partir das marchas Toyi-Toyi.

Imagem 4
Corpos ocupando os espaços da rua

Imagem 5
Militantes africanos nas marchas Toyi-Toyi

Utilizado não apenas para intimidar as forças policiais africanas durante os protestos anti-apartheid, o Toyi-Toyi “ainda se faz presente em alguns contextos específicos, como protestos políticos, comícios e movimentos sindicais” (BRAZ-DIAS, 2012BRAZ DIAS, J. Dança e conflito: uma reflexão sobre o toyi-toyi sul-africano. Antropolítica, v. 33, p.99-117, 2012., p.100). Assim, nas palavras da antropóloga Juliana Braz Dias, “o toyi-toyi é parte de uma sequência de práticas que se referem à luta armada de maneira simbólica, apenas pela impossibilidade de realização da luta armada de fato” (BRAZ DIAS, 2012, p.103). Em suas reflexões ela aponta que, nessa forma de protesto, “teríamos um caso de ‘compensação simbólica’ para a ausência de poder” (BRAZ DIAS, 2012, p.103).

Desse modo, projetando um olhar sobre imagens fílmicas desses corpos em movimento de luta, a autora descreve que:

[...] a aproximação dos manifestantes é anunciada por um grito cortante: “Amandla!” - que, em zulu e xhosa, significa “poder”. A resposta vem da multidão, em coro: “Awethu!” (“Para nós!”). As imagens passam [...] a enfocar o movimento de resistência ao apartheid. São jovens que, sob a mira das armas, entoam canções de protesto, evocando seus líderes: Oliver Tambo e Nelson Mandela. Carregam faixas em que se lê: [...] “Liberdade, justiça e paz, agora!”; “Por quanto tempo seremos humilhados, chutados, estrangulados, espancados, estuprados e mortos?” (BRAZ DIAS, 2012BRAZ DIAS, J. Dança e conflito: uma reflexão sobre o toyi-toyi sul-africano. Antropolítica, v. 33, p.99-117, 2012., p.110-111).

Essas reflexões de Braz-Dias se entrelaçam às palavras de Eni Orlandi sobre uma teoria discursiva dos modos de resistência dos sujeitos, quando a analista de discurso afirma que “há formas de onipotência também no domínio do social: ‘juntos podemos tudo’, posição que se sustenta na quantidade e na pretendida consciência coletiva” (ORLANDI, 2012ORLANDI, E P. Análise em discurso: sujeito, sentido, ideologia. 2. ed. Campinas: Pontes, 2012., p.213). Tal consideração feita por ela ecoa na descrição de Braz-Dias (2012) sobre os corpos reunidos nas marchas Toyi-Toyi como forma de luta e de resistência popular:

[...] muitos deles carregam na mão direita um pedaço de pau, empunhado como uma lança. Outros trazem apenas as mãos fechadas. Vários vestem uniformes escolares; alguns com a gravata - parte tradicional do uniforme - amarrada na testa, lembrando os adornos usados pelos guerreiros zulus. Muitos trazem o semblante sério. Outros revelam ligeiro sorriso enquanto entoam as canções e deixam seus corpos seguirem o movimento conjunto: joelhos ao alto, alternadamente, e punhos em riste (BRAZ DIAS, 2012BRAZ DIAS, J. Dança e conflito: uma reflexão sobre o toyi-toyi sul-africano. Antropolítica, v. 33, p.99-117, 2012., p.111).

Levando em conta o discurso mobilizado por meio do corpo e lançado na relação com o corpo outro, há o deslizamento e o (re)deslocamento de sentidos nos trajetos de memória em que o dito, o já dito, os pré-construídos são reformulados. Nesse sentido, a imbricação9 9 Tomamos aqui o Toyi-Toyi enquanto prática discursiva marcada pelo engajamento político e enquanto prática simbólica inscrita em condições históricas determinantes a partir das quais observamos o funcionamento da ideologia interpelando os indivíduos em sujeitos (manifestantes, militantes). entre a materialidade verbal (as palavras de ordem, os cantos entoados nas marchas) e as formulações visuais do corpo (punhos em riste, braços dados em movimentos em conjunto) parece ressoar também na reflexão bakhtiniana de que “a entoação estabelece um elo firme entre o discurso verbal e o contexto extraverbal - a entoação genuína, viva, transporta o discurso verbal para além das fronteiras do verbal, por assim dizer” (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 1976 [1926], p.10) 10 10 Em seu trabalho A equivocacidade na imbricação de diferentes materialidades significantes, de 2008, Suzy Lagazzi propõe a noção de imbricação, considerando o dispositivo teórico-analítico materialista ao qual a autora se filia. .

Corpos e sujeitos sob vigilância

Em um outro ponto de minhas análises, lanço olhar também em direção a outros aspectos da relação de alteridade dos corpos e dos sujeitos em diferentes espaços. Ao observar, por exemplo, certas cenas prototípicas de protestos e de imagens do corpo ocupando os espaços urbanos, na obra de Dan Halter, identifico diferentes relações entre o eu e o outro. Examinando, ainda, o documentário Untitled, verifico, por exemplo, algumas cenas em que ressaltam as diferentes posições-sujeito ocupadas tanto pelos militantes africanos quanto pelos jovens se divertindo nas festas raves pela Europa, em contraste (pelo visual) com as posições ocupadas pelas autoridades policiais que se colocam nas fronteiras da vigilência das multidões nas ruas (cf. imagens 6 e 7).

Imagem 6
Policiais vigiando os jovens nas raves

Imagem 7
Guardas armados e manifestantes africanos

Estas cenas deixam deslizar, nos fios do discurso, diferentes sentidos atribuídos ao corpo. Há, de um lado, corpos expressando nas festas certos sentidos de liberdade, outros expressando a união para lutar pela conquista de liberdade, e há, de outro lado, corpos que se colocam nas fronteiras do social, exercendo o poder em posições de controle e vigilância, como reflete Nascimento (2017)NASCIMENTO, E. A. Les mouvements sociaux dans les frontières signifiantes du corps et du discours. DisSol - Discurso, Sociedade e Linguagem, v. 5, p.26-41, 2017. - lembrando aquilo que, para Althusser (1985 [1970], p.21)ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos do estado. Tradução Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Graal, 1985., funciona como um aparelho repressivo de Estado, que concede a determinados agentes um poder que permite às classes dominantes governar e assegurar a sua dominação sobre outras classes.

Assim, há o corpo que vigia e o corpo em vigilância. Há o olhar que mira o corpo e o corpo sendo olhado por ‘seguranças’. Sentidos deslizando e outros sendo deslizados. Há a imagem e o corpo, a imagem do corpo e a imagem tomando corpo que de um canto a outro(s) se deixam deslocar pelo olhar do espectador e pelo próprio da materialidade visual. Nesse sentido:

O corpo observado do outro pode ser distinguido de um todo “conhecido” precisamente porque há ‘o lugar plenamente definido do contemplador, sua singularidade e possibilidade de encarnação’ [...] Meu pensamento situa meu corpo inteiramente no mundo exterior como um objeto entre os outros objetos, mas não o faz com minha visão efetiva, que não pode vir em auxílio do meu pensamento, propiciando-lhe uma imagem adequada (BAKHTIN, apudMACCAW, 2019MACCAW, D. Corpos em Bakhtin / Bakhtin’s bodies. Bakhtiniana, v. 14, n. 3, p.35-56, julho/set, 2019. Disponível em https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/41642 e https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=2176-457320190003&lng=en&nrm=iso
https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/ar...
, p.39).

Assim, é preciso levar em conta que “não temos materialidades que se completam, mas que se relacionam pela contradição, cada uma fazendo trabalhar a incompletude na outra” (LAGAZZI, 2009LAGAZZI, S. O recorte significante na memória. Apresentação no III SEAD - Seminário de Estudos em Análise do Discurso, UFRGS, Porto Alegre, 2007. In: INDURSKY, F, FERREIRA, M. C. L; MITTMANN, S. (orgs.). O Discurso na contemporaneidade. Materialidades e Fronteiras. São Carlos: Claraluz, p.67-78, 2009., p.68). Tal como ressalta Sabino (2008)SABINO, J. C. Nós que aqui estamos pos vós esperamos: discurso, rememoração e esquecimento, 2008, 125p. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/268927. Acesso em: 10 fev. 2020.
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, há no processo fílmico de constituição dos sentidos o deslocamento numa cadência (des)contínua de cenas que, segundo a autora:

[...] se juntam, se sobrepõem, se (con)fundem umas às outras nas imagens que, junto às palavras e à música [...] jogam com sentidos rítmicos de uma modernidade. Ritmo da música, das imagens que unem (e separam), (des)encontram imagens díspares, das imagens que estão no entre(dentro) de outras imagens [...]: conjunção e heterogeneidade no olhar e na escuta do espectador. São diferentes textualidades que conjugam nesse tecido fílmico significados alusivos de uma modernidade num quotidiano do século XX e, que se abrindo em janelas intertextuais e interdiscursivas, jogam com sentidos que (des)organizam, que des-atam, que realçam e apagam relações entre acontecimentos e sentidos, expondo o quotidiano numa relação de confluência com a memória (SABINO, 2008SABINO, J. C. Nós que aqui estamos pos vós esperamos: discurso, rememoração e esquecimento, 2008, 125p. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/268927. Acesso em: 10 fev. 2020.
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, p.49).

Metaforicamente, verifica-se como a imagem projeta no objeto em foco os sentidos recalcados em condensação (LAGAZZI, 2014bLAGAZZI, S. A deslinearização em diferentes materialidades significantes. In: XXIX Encontro Nacional da ANPOLL, GT de AD. Florianópolis: UFSC, 2014b.). Sendo assim, é possível notar, a partir dessas cenas, uma relação de alteridade pelo processo de deriva. Metonimicamente a imagem marca a falta no deslize dos sentidos pela reiteração do close do objeto em foco: as armas (em punho ou nas cinturas) dos policiais vigiando a multidão. Metaforizando-se em imagens prototípicas de protestos, esses efeitos de sentido de vigilância trabalham os limites entre o dizer e o não-dizer, o silêncio e o gesto em uma estrutura sempre em movimento.

Outro trabalho de Dan Halter que selecionei para as análises que aqui faço - e que também aborda essa questão crucial do corpo sob vigilância - é o vídeo Beitbridge Moonwalk (2010). Nele, o artista retrata o problema político-social da xenofobia dirigida aos refugiados do Zimbábue vivendo na África do Sul. O vídeo (que faz parte do Acervo Cultural Videobrasil desde a 17ª edição do Festival) é inspirado pelo relato de um imigrante que cruza ilegalmente a fronteira entre esses países, sem ser percebido pela polícia e sem deixar rastros que apontassem sua direção. Conta o imigrante ter atravessado de costas a ponte que separa os dois países. Nesse caso, a menção na obra à dança moonwalk de Michael Jackson ressalta o tom irônico da crítica sociopolítico-cultural formulada por Dan Halter.

Aqui procuro compreender, conforme Volochínov, que, se “[...] a palavra é uma ponte que liga eu ao outro. Ela apoia uma das extremidades em mim e a outra no interlocutor. A palavra é o território comum entre o falante e o interlocutor (VOLÓCHINOV, 2017, p.205), a linguagem do corpo também é elo dessa relação, por exemplo, através da reconstituição (intervenção artística) da travessia do imigrante zimbabueano, que se vê nas fronteiras entre o sujeito cidadão e o sujeito em refúgio (cf. imagem 8).

Imagem 8
Reconstituição da travessia do imigrante - Beitbridge Moonwalk (2010)

A ponte, aquela relatada pelo imigrante, insurge no foco da imagem. No fotograma (à direita), a partir das cenas iniciais do vídeo (0:09s), tem-se a imagem representada de um sujeito que, pelo olhar do artista, corresponderia ao imigrante que parte do Zimbábue em direção à África do Sul em busca de refúgio e melhores condições sociais de vida.

O movimento do sujeito que caminha de costas entre as duas extremidades da ponte (da direita para a esquerda, pelo ângulo proposto por Dan Halter) se relaciona com o movimento de uma mulher que caminha na direção contrária à dele. Isto coloca nas fronteiras da materialidade visual sentidos que não estão postos em evidência. Não há enunciado, não há palavra lançada nesta ponte. Há uma relação entre o eu e o outro no movimento de caminhar tomado pelo corpo, fazendo transbordar alguns sentidos. Caminhar de frente (e para frente) e caminhar de costas (de frente para trás - num movimento associado à dança moonwalk) se colocam em contraponto.

A alusão aos passos de moonwalk na dança de Michael Jackson é um convite para essa exterioridade do discurso que atravessa o espaço, o tempo, a visualidade e funciona como recurso utilizado estrategicamente pelo refugiante. Os passos de frente para trás na dança, na relação com as origens do moonwalk, passam historicamente, desde os anos 30, por diferentes artistas como Fred Astaire, Bill Bailey, Cab Calloway, Sammy Davis Jr., Daniel L. Haynes, Eleanor Powell, entre outros. O passo tornou-se popular em todo o mundo depois que o cantor norte-americano Michael Jackson o realizou durante sua apresentação de “Billie Jean” no especial de TV Motown 25: Yesterday, Today, Forever, ocorrido em 25 de março de 1983, e transmitido televisivamente em 16 de maio de 1983. Posteriormente, este veio a tornar-se o passo mais famoso de Michael Jackson11 11 Trazemos aqui, no material em análise, a questão da dança Moonwalk popularizada por Michael Jackson, colocando-a, em especial, na relação com as condições históricas de seu surgimento e sua atualização/re-apropriação tomada como estratégia de sobrevivência pelo refugiado zimbabueano. .

Ao trazer este elemento (o moonwalk) como título da obra, o artista lança um olhar determinante da crítica que pretende fazer à xenofobia contra os refugiados do Zimbábue. O moonwalk (em português, “andar sobre a lua”) se confunde e se intercruza com o “andar de costas” utilizado pelo refugiante como uma estratégia, uma espécie de malabarismo, de artimanha para não ser pego (e ter o rosto identificado) pelas autoridades que controlam e vigiam as fronteiras entre os dois países (Zimbábue e a África do Sul). Corpo, sujeito, ponte e movimento, assim articulados na obra, funcionam como gatilho para uma crítica de tom irônico. Nesse caso, a estratégia de sobrevivência social se coloca como arma político-ideológica. Sujeito dominante (ideologicamente) e sujeito dominado (sob vigilância, sob risco de ser pego) deslizam nas fronteiras dos sentidos. O corpo vigiado se coloca na ponte entre o eu e o outro, na relação com o corpo vigilante, não-presente (mas possível e de sentido ameaçador), posto como subentendido.

Essa relação entre diferentes corpos é colocada a partir de um jogo também de ângulos, de imagens e de referência. O expectador do vídeo, a partir de um ângulo X, pode observar no caminhar de um ponto para outro a projeção do moonwalk do imigrante. Para um observador presente naquele cenário, esta percepção só se torna possível em determinada posição e em determinado ângulo.

Da mesma forma, essa relação do caminhar de costas (de frente para trás) não pode ser depreendida pela imagem estática (tal qual aqui coloco), mas somente através de uma sucessão de cenas do corpo em movimento. Fazemos essa importante observação justamente para elucidar que a linguagem “é estruturalmente falha, constitutivamente incompleta, e capaz de (re)associações” (LAGAZZI, 2012LAGAZZI, S. O exercício parafrasático na imbricação material. In: XVII Encontro Nacional da ANPOLL, GT de Análise do Discurso. Gramado (RS): FAURGS, 2012., p.1).

Durante as cenas do vídeo, entra em funcionamento a relação corpo-paisagem- silêncio que se coloca de forma imbricada, contrastando com o som do vento e o ruído dos veículos automóveis que passam pela ponte - tal como é possível perceber em uma das cenas do vídeo (0:29s) a partir da qual se tem a imagem representada do sujeito refugiante caminhando de costas em sua travessia e a sonoridade daquele instante. Visual, corpo, gesto, ambiente, movimento, travessia, vento e sonoridade se entrelaçam e se imbricam fazendo transbordar os sentidos em jogo. Corpo, espaço e sujeito dividem a imagem da tela com a passagem de um caminhão em branco (cf. imagem 9). Nesse sentido, pensar o silêncio, segundo Sabino (2008, p.14)SABINO, J. C. Nós que aqui estamos pos vós esperamos: discurso, rememoração e esquecimento, 2008, 125p. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/268927. Acesso em: 10 fev. 2020.
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:

[...] é considerar os outros significados (também possíveis) [...] É colocar, como nos diz Orlandi, “questões a propósito dos limites da dialogia” [..]: “a relação com o outro como sendo uma relação contraditória” (p.49). Nesse caso, compreender a ligação do sujeito com o silêncio é ver-se manifestar a opacidade do outro, que, como o silêncio, não é visível, mas torna-se visível por métodos teórico-prático discursivos.

Imagem 9
Travessia na ponte entre o Zimbábue e a África do Sul

Considerações finais

A relação cronotópica bakhtiniana, consideradas as análises feitas ao cabo deste artigo, coloca as obras de Dan Halter na confluência entre a materialidade verbal e não-verbal dos espaços atravessados pelos silêncio, pela sonoridade, imagem, pelo corpo deslizando na imbricação seja pelos sentidos mobilizados pela música da cantora zambiana Rozalla, seja presença do outro em posição de vigilância. As marchas, os corpos nas ruas e nos espaços públicos, os sentidos da dança (as raves, o Toyi-Toyi, o moonwalk) deslizam, nos fios do discurso, por exemplo, na travessia do refugiante que tem na ponte o lugar (espaço) de referência demarcado por um instante (temporalmente) marcado pela própria duração da travessia, que permite este corpo significar diferentemente a partir do seu movimento. Movimento de sentidos. Sentidos em movimento. Corpo que coloca o discurso nas fronteiras com o social (também em movimento).

Diante dessas considerações, portanto, o que se percebe, nas malhas do social, do político e do discursivo, é que tanto o relato do imigrante, como os movimentos sul-africanos contra o apartheid se reconstroem pelo olhar da arte como rememoração, como (re)constituição de movimentos indissolúveis na história e interpelados por sentidos ([re]formulados) que se atualizam na memória. Desse modo, observa-se a experiência, por exemplo, de um refugiado operando “em confluência com a memória enquanto janela discursiva onde sentidos transbordam: muitos expostos, muitos silenciados” (SABINO, 2008SABINO, J. C. Nós que aqui estamos pos vós esperamos: discurso, rememoração e esquecimento, 2008, 125p. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/268927. Acesso em: 10 fev. 2020.
http://www.repositorio.unicamp.br/handle...
, p.16).

  • 1
    Não deixamos de considerar aqui as divergências e aproximações entre a teoria bakhtiniana e a perspectiva francesa da Análise do Discurso, entretanto, nos lançamos em uma tentativa de estabelecer possível diálogo, ao mesmo tempo, desafiador e produtivo a partir dos estudos discursivos atuais.
  • 2
    Trabalhamos aqui a noção de materialidade significante desenvolvida por Lagazzi (2009LAGAZZI, S. O recorte significante na memória. Apresentação no III SEAD - Seminário de Estudos em Análise do Discurso, UFRGS, Porto Alegre, 2007. In: INDURSKY, F, FERREIRA, M. C. L; MITTMANN, S. (orgs.). O Discurso na contemporaneidade. Materialidades e Fronteiras. São Carlos: Claraluz, p.67-78, 2009., 2011)LAGAZZI, S. O recorte e o entremeio: condições para a materialidade significante. In: RODRIGUES, E. A. et. al. (orgs.). Análise de discurso no Brasil: pensando o impensado sempre. Campinas: RG Editora, 2011. p.401-410..
  • 3
    Uma das poucas menções diretas a M. Bakhtin feitas por M. Pêcheux encontra-se na obra La langue introuvable (1983), escrito em parceria com Françoise Gadet.
  • 4
    Nosso primeiro contato com a obra de Dan Halter se deu a partir da exposição Memórias inapagáveis, no SESC Pompeia, em São Paulo (SP), em 2014. Na ocasião, foi possível assistir ao vídeo-documentário Untitled - Zimbabwean Queen of Rave (2005).
  • 5
    Tomo aqui a questão da discursividade dos protestos no trabalho constante do político em sua relação com o simbólico.
  • 6
    O uso de fotogramas de ambos os vídeos foi autorizada por Dan Halter. O documento de autorização assinado pelo autor foi enviado à Bakhtiniana no dia 21 de novembro de 2018.
  • 7
    A famosa versão traduzida por Carlos A. Faraco and Cristovão Tezza para fins acadêmicos é baseada na versão em inglês traduzida por I. R. Titunik Discourse in life and discourse in art - concerning sociological poetics, publicada em 1976.
  • 8
    Nota das Editoras: Este ensaio tem uma recente tradução do russo para o português: VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). A palavra na vida e a palavra na poesia. Ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Orelha Beth Brait. São Paulo: Editora 34, 2019.
  • 9
    Tomamos aqui o Toyi-Toyi enquanto prática discursiva marcada pelo engajamento político e enquanto prática simbólica inscrita em condições históricas determinantes a partir das quais observamos o funcionamento da ideologia interpelando os indivíduos em sujeitos (manifestantes, militantes).
  • 10
    Em seu trabalho A equivocacidade na imbricação de diferentes materialidades significantes, de 2008, Suzy Lagazzi propõe a noção de imbricação, considerando o dispositivo teórico-analítico materialista ao qual a autora se filia.
  • 11
    Trazemos aqui, no material em análise, a questão da dança Moonwalk popularizada por Michael Jackson, colocando-a, em especial, na relação com as condições históricas de seu surgimento e sua atualização/re-apropriação tomada como estratégia de sobrevivência pelo refugiado zimbabueano.

Agradecimentos

Meu agradecimento especial aos colegas pesquisadores Diego Pinto Souza (IEL/UNICAMP) do Grupo Interdisciplinar em Estudos de Linguagem (GIEL/CPq) e Ivo di Camargo Jr. (UFSCAR) do Grupo de Estudos Bakhtinianos (GEB) pelo inestimado apoio na busca das traduções das obras dos mestres russos Mikhail Bakhtin e Valentin Volóshinov. Agradeço também ao artista Dan Halter pelo apoio para a realização deste trabalho.

REFERÊNCIAS

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  • ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos do estado Tradução Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
  • AZEVEDO, A. F. Sentidos do corpo: metáfora e interdiscurso. Linguagem em (dis)curso, v.14, n. 2, p.321-335, 2014.
  • BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Tradução Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Editora Hucitec, 1987.
  • BAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.3-192.
  • BAKHTIN, M.; VOLOSHINOV, V. N. (1926) Discurso na vida e discurso na arte: sobre a poética sociológica. Tradução de Carlos A. Faraco e Cristovão Tezza, para fins acadêmicos com base na tradução inglesa de I. R. Titunik. Discourse in life and discourse in art - concerning sociological poetics. In: VOLOSHINOV, V. N. Freudism New York: Academic Press, 1976.
  • BRAZ DIAS, J. Dança e conflito: uma reflexão sobre o toyi-toyi sul-africano. Antropolítica, v. 33, p.99-117, 2012.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2019
  • Aceito
    23 Jul 2020
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