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Entre a invisibilidade, o branqueamento discursivo e a hipersexualização: imagens de controle sobre o termo negro e o seu lugar na enunciação

RESUMO

Partindo das premissas de que (1) a palavra em interação manifesta-se enquanto signo ideológico orientado a um auditório social preciso, circunscrito a um dado tempo histórico; (2) de que raça é uma linguagem e (3) de que o deslocamento geográfico envolve um choque entre diferentes sistemas de significação, interpreto dados do processo de tradução cultural para o termo negro, a partir de enunciações de duas aprendizes de língua portuguesa de um curso para mães imigrantes realizado no sul do Brasil. Os dados apresentados foram gerados no âmbito de uma investigação etnográfica em curso1 1 Ver tese defendida em 2021: REIS, N. O. Como dar certo em português? A experiência de mães imigrantes aprendizes de português em Florianópolis. 2021. 261f. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/229909. . A discussão aponta para imagens de controle que persistem no imaginário social, a partir de procedimentos de apagamento, de branqueamento discursivo e de hipersexualização do termo negro. Os dados revelam, ainda, que os processos de atribuição de sentidos em torno de raça encontram-se em plena disputa no contexto sócio-histórico atual.

PALAVRAS-CHAVE:
Branqueamento discursivo; Hipersexualização; Invisibilidade; Imagens de controle

ABSTRACT

Based on the statements that (1) the word in interaction manifests itself as an ideological sign, oriented to a precise social audience, circumscribed in a given historical time; (2) that race is a language and (3) that geographic displacement involves a clash between different systems of meaning, I interpret data from the cultural translation process for the term black [negro, in Portuguese], based on the enunciations of two Portuguese language learners in a course for immigrant mothers held in Southern Brazil. The data presented were generated as part of an ongoing ethnographic investigation.1 1 See doctoral thesis defended in 2021: REIS, N. O. Como dar certo em português? A experiência de mães imigrantes aprendizes de português em Florianópolis. 2021. 261f. Thesis (PhD in Linguistics) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021. Available at: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/229909. The discussion points to controlling images that persist in the social imaginary from effacement procedures, discursive whitening and hypersexualization of the term negro [black]. Data also reveals that the processes of attributing meanings around race are in full dispute in the current socio-historical context.

KEYWORDS:
Discursive whitening; Hypersexualization; Invisibility; Controlling images

Introdução

Em Marxismo e filosofia da linguagem, Volochínov (2010)VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. Tradução de Michael Lahud e Yara Frateshi Viera 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2010. lamenta a falta de um campo conceitual bem assentado em torno do conceito de ideologia. Essa falta não impede o autor de abrigar no centro de suas reflexões sobre a palavra em interação a ideia de signo ideológico. Volochínov compreende a enunciação como orientada a auditórios sociais específicos. Nesse direcionamento, o enunciado materializa ideias sedimentadas que circulam por tempos históricos determinados.

Enfatizando a duplicidade temporal de cada enunciação, concebe-a enquanto um ato irrepetível, ao mesmo tempo em que é ato histórico. A enunciação é irrepetível por atualizar-se, a cada novo enunciado, pela intenção e pela situação singular de comunicação; é histórica por depender de uma sequência de usos, mais ou menos estáveis, que permite a construção de sentidos no processo de significação como ecos do passado (VOLOCHÍNOV, 2010VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. Tradução de Michael Lahud e Yara Frateshi Viera 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2010.).

No eco, o enunciador reconhece sua voz, pois se trata do mesmo timbre a ecoar. No entanto, o enunciado ao enunciador já não pertence inteiramente, uma vez que se realiza sempre em direção a um outro, e na relação com ele. Trata-se, também, da apropriação da palavra alheia no curso de seu destino (VOLOCHÍNOV, 2010VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. Tradução de Michael Lahud e Yara Frateshi Viera 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2010.). Nesse movimento pendular e arlequinal do diálogo, o enunciado pertence ao enunciador quanto ao ineditismo do ato, porém, ao não poder se destituir do outro para atribuição e negociação de sentidos, o enunciado permanece num entrelugar entre o enunciador e o auditório social ao qual se dirige, configurando um ato individual e coletivo a um só tempo. Nas palavras de Volochínov (2010)VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. Tradução de Michael Lahud e Yara Frateshi Viera 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2010.:

O mecanismo desse processo [de apreensão do discurso de outrem] não se situa na alma individual, mas na sociedade, que escolhe e gramaticaliza – isto é, associa às estruturas gramaticais da língua – apenas os elementos de apreensão ativa, apreciativa, da enunciação de outrem que são socialmente pertinentes e constantes e que, por consequência, têm seu fundamento na existência econômica de uma comunidade linguística dada (p.152; sem grifos no original).

Volochínov (2010, p.152)VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. Tradução de Michael Lahud e Yara Frateshi Viera 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2010. faz menção aos elementos “socialmente pertinentes e constantes” de apreensão ativa, a apreciação, que fazem sentido dentro de uma dada comunidade linguística. Esses elementos de coesão ideológica, no entanto, também permitem uma abertura ao novo.

É sobre essa novidade vestida de passado, sobre essa indecidibilidade do signo ideológico, que tratam as reflexões que seleciono para este artigo, flagrada pelo olhar da tradução diaspórica que suscita a suspensão de sentidos fixos para os signos, como observa Stuart Hall (2003a)HALL, S. Questão multicultural. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003a, p.51-100.. Da análise de dados gerados em uma investigação etnográfica em um curso de língua portuguesa para mães imigrantes, enfoco o estranhamento de duas alunas em torno do uso do termo negro em interações em Florianópolis.

Marlene e Rosario2 2 Marlene fez questão de utilizar seu próprio nome, Rosario é um pseudônimo. , ambas provenientes da Venezuela, questionam se a sociedade brasileira seria ou não racista frente aos mecanismos discursivos que testemunham. Diante da falência de seus quadros interpretativos, desenvolvo um debate em torno de ideias operantes na linguagem racial que informam os usos do termo negro emergentes das interações situadas sob análise. Considerando o choque entre os sistemas de significação das alunas e o encontrado a partir do deslocamento, chamo a atenção para o processo de naturalização de lugares sociais cristalizados no imaginário social para pessoas lidas como negras.

Para conduzir a interpretação, utilizo a perspectiva de Patricia Hill Collins (2019)COLLINS, P. H. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019. sobre imagens de controle, um conceito que condensa o passado e o presente em estereótipos sociais que reatualizam certas ideologias de categorização de grupos. Essa estratégia preserva os sistemas de opressão que os tornam possíveis: no caso em análise, o racismo.

A partir de uma visão de ordem sociocultural e linguística heterogênea, como propõe Signorini (2002)SIGNORINI, I. Por uma teoria da desregulamentação linguística. In: BAGNO, M. (org.). Lingüística da norma, São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 93-125., que privilegia o olhar sobre o fenômeno situado para a atribuição de legitimidade aos sujeitos em vez de olhar para a língua legítima enquanto objeto reificado na cena enunciativa, interessa em minha reflexão pontuar alguns dos traços constituintes dessa ordem que, segundo a autora, estaria circunscrita em um dado tempo histórico e moldada pelo ineditismo da inscrição enunciativa (SIGNORINI, 2006SIGNORINI, I. A questão da língua legítima na sociedade democrática: um desafio para a linguística aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo, Parábola Editorial, 2006, p.169-190.).

Uma vez que a aprendizagem de línguas é um processo de apreensão de sentidos dentro de sistemas de significação específicos que operam sempre em contexto, a partir da relação com a fala alheia (VOLOCHÍNOV, 2010VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. Tradução de Michael Lahud e Yara Frateshi Viera 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2010.), essa reflexão importa para refletirmos como as participantes da pesquisa, em sua busca pela legitimidade de falantes de português, pontuam questões importantes para a reflexão sobre as relações sociais e as ideologias presentes no uso do termo negro no contexto sócio-histórico brasileiro.

1 Raça como uma linguagem

Segundo Almeida (2018, p.19)ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural? Coleção Feminismos Plurais. Belo Horizonte: Letramento, 2018., “a noção de raça como referência a distintas categorias de seres humanos é um fenômeno da modernidade que remonta aos meados do século XVI”. A princípio, como discurso religioso, em seguida, antropológico e, finalmente, discursivo (HALL, 1997), é somente no século XIX que ganha contornos deterministas, a partir das aplicações do darwinismo ao campo social (SCHWARCZ, 2012SCHWARCZ, L. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. Claro Enigma, 2012.). A ideia de uma diferença essencial entre os grupos humanos que pudesse estar ao alcance de todos serve à estratégia discursiva de raça que concebe o corpo enquanto um texto que pode ser lido a partir de índices visíveis (HALL, 1997). As conquistas tecnológicas permitiram à Antropologia utilizar recursos de medição variados para associar aos argumentos que atestavam essa suposta diferença essencial (SEYFERTH, 1996SEYFERTH, G. Construindo a nação: hierarquias raciais e o papel do racismo na política de imigração e colonização. In: MAIO, M. C.; SANTOS, R. V. Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: editora FIOCRUZ, 1996, p.41-58.).

Sem que houvesse um modo efetivo de identificar os genes, as características físicas compunham um aparato visual que indiciava a pertinência a determinado grupo étnico. Em um procedimento metonímico, tomando a parte pelo todo, o aspecto fenotípico é tomado como índice de comportamento x ou y, superior ou inferior, a depender do pertencimento a um dado grupo – esse discurso persiste no senso comum (HALL, 1997). O discurso colonial tratou, portanto, de tomar como contínuo e característico de um grupo racial um conjunto de comportamentos e inclinações morais (SCHUCMAN, 2012SCHUCMAN, L. V. Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na construção da branquitude paulistana. 2012, 122f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.).

No entanto, as teorias raciais foram consideradas pseudociência, uma vez que justificam suas hipóteses sem a devida comprovação científica de que haveria, de fato, uma diferença essencial que pudesse conduzir um sujeito classificado como de um dado grupo a um comportamento determinado (SCHWARCZ, 2012SCHWARCZ, L. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. Claro Enigma, 2012.). Em meados do século XX, o avanço dos estudos em genética colocou por terra as hipóteses dos teóricos racialistas. Essas investigações constataram que a miscigenação é uma característica de todos os seres e grupos humanos, não tendo sido identificado nenhum gene que indicie um dado comportamento ou uma inclinação moral específica, pressuposto fundamental da teoria racialista (MUNANGA, 2019).

Como observou Hall (1997), o procedimento racialista é discursivo, e não biológico. Trata-se de um quadro de pressupostos que opera a partir da linguagem, a permitir a possibilidade de leitura de um sujeito como integrante de tal ou qual grupo racial a partir de índices visíveis. O autor salienta que a relação entre a genética e o fenótipo é uma construção discursiva, e não uma realidade que segue a orientar a classificação racial (HALL, 1997).

No interior dos grupos imaginados, a diferença seria igual, senão maior que a imaginada entre os grupos presumidamente distintos na elocubração sobre raça (HALL, 2003aHALL, S. Questão multicultural. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003a, p.51-100.). A partir desse posicionamento, Hall conclui que raça é como uma linguagem, um significante flutuante, e aponta para a necessidade de investigações dentro de cada quadro de significações específico:

a ideia de que raça possa ser entendida como significante não é, na minha experiência, algo que tenha atingido com profundidade, e nem tenha sido eficaz em desarticular ou desalojar, o que eu chamaria de pressupostos do senso comum e formas cotidianas de falar de raça e de produzir sentido sobre raça na sociedade de hoje. E estou falando, em parte, do mundo grande, bagunçado e sujo no qual raça importa, fora da Academia, e não só da luz que podemos, a partir da Academia, lançar sobre ela (HALL, 1997, s.n.; grifo no original).

Considerando o conceito de ideologia como subjacente à enunciação, Hall (2003a)HALL, S. Questão multicultural. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003a, p.51-100., leitor de Volochínov, observa o eco histórico da ideologia racial:

o pós-colonial não sinaliza uma simples sucessão cronológica do tipo antes/depois. O movimento que vai da colonização aos tempos pós-coloniais não implica que os problemas do colonialismo foram resolvidos ou sucedidos por uma época livre de conflitos. Ao contrário, o pós-colonial marca a passagem de uma configuração ou conjuntura histórica de poder para outra. Problemas de dependência, subdesenvolvimento e marginalização, típicos do alto período colonial, persistem no pós-colonial. Contudo, essas relações são resumidas em uma nova configuração (HALL, 2003a, p.56HALL, S. Questão multicultural. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003a, p.51-100.; ênfase no original).

Partindo do pressuposto de que não há uma supressão estrutural imediata para a gestação de um quadro de relações inteiramente novo, é possível depreender que as ideologias que embasam o sistema colonial persistem no pós-colonial:

No passado, eram articuladas como relações desiguais de poder e exploração entre as sociedades colonizadoras e as colonizadas. Atualmente, essas relações são deslocadas e reencenadas como lutas entre forças sociais nativas, como contradições internas e fontes de desestabilização no interior da sociedade descolonizada, ou entre ela e o sistema global como um todo (HALL, 2003a, p.56HALL, S. Questão multicultural. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003a, p.51-100.; grifo no original).

O que haveria de novo seriam suas vestes. A modificação dos sistemas de produção não seria, por si só, capaz de fazer cessar as ideologias que o conformaram. Uma vez que a teoria racial tem destinado a base da pirâmide societal para as populações lidas como negras, importa perceber quem o termo negro identifica no mundo quando é acionado na enunciação, à luz das relações sociais e econômicas que se estabeleceram/se estabelecem no período que se quer interpretar.

No período colonial, o termo negro, do ponto de vista do colonizador, passou a referir as populações africanas e afrodescendentes que conjugavam um modo de trabalho e de vida dependente e para o outro, no Brasil. Figurando como o mais longo sistema de exploração de africanos no mundo por meio da escravidão, a transição do modo de produção escravagista para o trabalho livre contou com um eco ideológico de 300 anos. Se a recursividade dos atos é o que forja a noção de cultura (GIDDENS, 1990), parece sem razão pensar que, passados apenas pouco mais de 100 anos do sistema escravagista, as relações sociais – e, com elas, os discursos que as fundamentaram ao longo do período, – tenham se extinguido de todo. Como observa Schwarcz (2012, p.37)SCHWARCZ, L. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. Claro Enigma, 2012.: “a escravidão, em primeiro lugar, legitimou a inferioridade, que de social tornava-se natural, e, enquanto durou, inibiu qualquer discussão sobre cidadania”. Afinal, não foi por efeito de uma iluminação e humanização dos colonizadores brutalizados que a escravatura findou no Brasil, mas por intensa pressão externa (SCHWARCZ, 2012SCHWARCZ, L. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. Claro Enigma, 2012.). Os reflexos são sentidos pelas políticas de exclusão da população negra posteriores à denominada abolição da escravatura (ALMEIDA, 2018ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural? Coleção Feminismos Plurais. Belo Horizonte: Letramento, 2018.).

Deste modo, se entendemos raça como um conceito político e econômico que estrutura as sociedades contemporâneas atravessando todas as suas instituições (ALMEIDA, 2018ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural? Coleção Feminismos Plurais. Belo Horizonte: Letramento, 2018.), é cabível pensar que o discurso sobre raça se encontra no mesmo eixo de produção dessa configuração social, modificando-se como sistema de significação apenas no tempo, na história e, como evidencia a suspensão de sentidos providenciados pela experiência diaspórica, também na geografia (HALL, 2003aHALL, S. Questão multicultural. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003a, p.51-100.).

Além de raça como linguagem, Hall (2003b, p.187)HALL, S. Significação, representação e ideologia: Althusser e os debates pós-estruturalistas. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003b, p.160-198. também entende que “[o termo negro] funciona como uma linguagem”, cuja formação é singular em cada contexto. Assim, cada sistema de significação acionaria a cada momento do tempo histórico redes semânticas distintas para o termo negro. Hall (2003b)HALL, S. Significação, representação e ideologia: Althusser e os debates pós-estruturalistas. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003b, p.160-198. exemplifica o uso do termo negro na Jamaica para explicar uma troca entre a cadeia de conotações negativas, ainda associadas ao período colonial, a uma rede semântica que passou a operar a partir da positividade atribuída ao termo, que foi ressignificado no movimento Rastafari, com o reggae e com Bob Marley. Esses e outros elementos simbólicos modificaram o sistema de significados para o temo negro naquele contexto sócio-histórico em específico.

No Brasil atual, os sentidos atribuíveis ao termo negro são ambivalentes. Por um lado, testemunhamos um uso que marca a visibilidade da marcação racial a invocar uma cadeia de conotações positivas para o termo negro. Essa linguagem é expressa através do vestuário, das religiões de influência africana, dos símbolos associados às lutas das populações negras, como o cabelo black power, do rap, do hip-hop, do pop de Beyoncé, de movimentos como o Vidas Negras Importam, do slam e de outras manifestações de reexistência. Essas imagens de positivação acompanham o debate reivindicatório de políticas públicas de reparação das faltas históricas à população de ascendência africana no processo de abolição da escravatura no país.

Por outro lado, persistem significados negativos ao termo negro, que partem tanto do outro, como dos próprios sujeitos que, frente ao assimilacionismo imposto, buscam, por vezes, branquear-se para conquistar lugares sociais de privilégio, ainda considerados destinados para a população branca (MUNANGA, 2019), em uma espécie de apartheid não declarado.

De um lado ou de outro, os efeitos da estratégia do branqueamento racial estão presentes. Na seção seguinte, passo discutir algumas das características desse ideal de branqueamento no planejamento migratório brasileiro que configura o país como dotado de uma hospitalidade seletiva.

2 A estratégia do branqueamento racial

A intelectualidade brasileira no final do século XIX e início do século XX interpretou a diversidade racial como um problema. Aplicando teorias racialistas ao seu contexto e projetando um futuro possível para aquele povo nascente, traduziu a mestiçagem de forma ambivalente, ora como signo de degenerescência, ora como esperança através da mestiçagem, o que permitiria um branqueamento do povo local (MUNANGA, 2019). Nos dois casos, o projeto de apagamento da presença negra é evidente.

A substituição da mão de obra escravocrata pela de imigrantes europeus, na busca pelo branqueamento da população brasileira, refletia o desejo de uma melhoria racial, estratégia explicitamente eugenista (SEYFERTH, 1986SEYFERTH, G. A estratégia do branqueamento. Ciência Hoje, v. 5, n. 5, p.54-56, 1986., 1995SEYFERTH, G. A invenção das raças e o poder discricionário dos estereótipos. Anuário Antropológico Brasileiro/93. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995, p.175-203., 1996SEYFERTH, G. Construindo a nação: hierarquias raciais e o papel do racismo na política de imigração e colonização. In: MAIO, M. C.; SANTOS, R. V. Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: editora FIOCRUZ, 1996, p.41-58.), que começou a ser gestada paralelamente ao processo de abolição da escravatura (SCHWARCZ, 2012SCHWARCZ, L. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. Claro Enigma, 2012.). A partir da década de 1930, o Brasil ainda seguia em busca de uma identidade nacional. No concurso de quem teria a melhor definição para tanto, ganhou a miscigenação como característica identitária central do povo brasileiro. Narrada a partir de uma ideia de harmonia entre as três raças (branca, negra e indígena), a identidade brasileira vigorou neste modelo idealizado de democracia racial (SCHWARCZ, 2012SCHWARCZ, L. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. Claro Enigma, 2012.). É importante ressaltar que, só então, o elemento negro entrou como composto da matriz formadora brasileira. Invisibilizado nas narrativas brasileiras, o africano e seus descendentes foram preteridos ao indígena, o elemento nativo, na imaginação da sociedade brasileira que se construía no século XIX (SCHWARCZ, 2012SCHWARCZ, L. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. Claro Enigma, 2012.).

Seyferth (1995)SEYFERTH, G. A invenção das raças e o poder discricionário dos estereótipos. Anuário Antropológico Brasileiro/93. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995, p.175-203. observa que o conceito de pertinência racial ou étnica como índice de moralidade afetou fortemente o planejamento migratório no Brasil. Os alemães, por exemplo, inicialmente almejados para a imigração, pelo presumido prazer do trabalho, foram posteriormente preteridos, uma vez que seu senso de nacionalidade e forte identificação étnica não favorecia o cruzamento com outras etnias. Ao contrário dos portugueses, dos espanhóis e dos italianos, os alemães não se mostravam abertos à miscigenação. Esse grau de fechamento não era adequado ao plano de branqueamento que se desenhava.

No projeto migratório das populações europeias para o Brasil, uma série de conflitos nas relações sociais se desenhava na imaginação do país rumo a um futuro branco. No século XIX, é o sul do Brasil o local intencionado para essa experiência, como veremos na seção seguinte.

3 Invisibilidade da presença negra em Santa Catarina

Santa Catarina é imaginada como uma extensão da Europa no Brasil, local em que o projeto de branqueamento teria dado certo por conta da suposta natural vontade de progresso de seu povo (LEITE, 1991bLEITE, I. B. Territórios de negros em áreas rurais e urbanas: algumas questões. Textos e Debates. UFSC, ano 1, n. 1, 1991b, p.39-48.). Essa imaginação essencialista, notavelmente racialista, não se deu sem o apagamento de outros grupos componentes da região, como o africano, o afrodescendente, ou seja, a população negra, e o indígena.

Revisões críticas da história oficial de Santa Catarina têm pontuado a invisibilidade de africanos e de afrodescendentes nas narrativas sobre a ocupação e o processo de desenvolvimento do Estado. Leite (1991aLEITE, I. B. Descendentes de africanos em Santa Catarina: invisibilidade histórica e segregação. Textos e Debates, UFSC, ano 1, n. 1, 1991a, p.5-42.; 1991bLEITE, I. B. Territórios de negros em áreas rurais e urbanas: algumas questões. Textos e Debates. UFSC, ano 1, n. 1, 1991b, p.39-48.) e Cardoso (2006) apontam que, a despeito do trabalho negro em setores como a agricultura, a pesca da baleia, nos serviços domésticos e outros, a presença do africano e de seus descendentes é minimizada por conta do menor grau de dependência da mão de obra escravizada que teve a economia de Santa Catarina em comparação com outras regiões do país. Leite (1991a)LEITE, I. B. Descendentes de africanos em Santa Catarina: invisibilidade histórica e segregação. Textos e Debates, UFSC, ano 1, n. 1, 1991a, p.5-42. afirma que o desenvolvimento catarinense é frequentemente apontado como uma conquista exclusivamente branca.

Segundo dados do Arquivo Histórico de Santa Catarina, a presença da população na província de Santa Catarina em 1833 era composta por 1.124 brancos, 97 índios, 564 pardos e 422 pretos, totalizando 2.207 sujeitos livres. Os escravizados somavam 260 sujeitos, dentre os quais 78 pardos e 182 negros (MACHADO, 2001MACHADO, V. Honra e conduta: em busca da construção de um modelo burguês de masculinidade em Desterro (1850-1894). In: BRANCHER, A.; AREND, S. M. F. (orgs.). História de Santa Catarina no século XIX. Florianópolis: Ed. UFSC, 2001, p.85-104.). Essa população se multiplicaria no século XIX, “tanto por crescimento vegetativo como, principalmente, por receber um grande número de imigrantes de São Paulo, do Paraná e do Rio Grande do Sul, alcançando no final do século o total de 80 mil habitantes” (MACHADO, 2001, p.18MACHADO, V. Honra e conduta: em busca da construção de um modelo burguês de masculinidade em Desterro (1850-1894). In: BRANCHER, A.; AREND, S. M. F. (orgs.). História de Santa Catarina no século XIX. Florianópolis: Ed. UFSC, 2001, p.85-104.).

Dados relativos à população escravizada em Lages apontam para a presença de 1.000 sujeitos em 1840, 1.195 em 1856, 2.012 em 1872 e 1.522 em 1883. Partindo do pressuposto de que a quantidade de negros livres tenha se mantido sempre maior que a de negros escravizados, esse quadro leva o autor a

reavaliar a antiga afirmação dominante na historiografia catarinense, que sempre considerou o contingente populacional negro pouco significativo no planalto serrano, baseando essa assertiva unicamente nos censos estritos da população escrava (MACHADO, 2001, p.18MACHADO, V. Honra e conduta: em busca da construção de um modelo burguês de masculinidade em Desterro (1850-1894). In: BRANCHER, A.; AREND, S. M. F. (orgs.). História de Santa Catarina no século XIX. Florianópolis: Ed. UFSC, 2001, p.85-104.).

No quadro expresso, o autor toma o termo liberdade como força de expressão ou mero eufemismo, considerando a condição do trabalhador denominado livre ou liberto:

empregamos a palavra livre apenas em contraposição à condição escrava, uma vez que este homem livre pobre, mestiço, descendente de africanos, indígenas e mesmo de portugueses, enfim o biriva (tipo de gaúcho serrano), o peão de estância e o morador agregado à grande fazenda encontrava-se submetido ao poder absoluto dos grandes fazendeiros, enredados por laços de compadrio, sujeito a um conjunto de obrigações muito mais complexas que o trabalhador livre moderno, entendido como aquele que simplesmente vende a sua força de trabalho (MACHADO, 2001, p.19MACHADO, V. Honra e conduta: em busca da construção de um modelo burguês de masculinidade em Desterro (1850-1894). In: BRANCHER, A.; AREND, S. M. F. (orgs.). História de Santa Catarina no século XIX. Florianópolis: Ed. UFSC, 2001, p.85-104.).

No tocante às relações interétnicas no contexto do estado, a depreciação do outro era uma narrativa constante. Arend (2001, p.34)AREND, S. M. F. Relações interétnicas na província de Santa Catarina (1850-1890). In: BRANCHER, A.; AREND, S. M. F. (orgs.). História de Santa Catarina no século XIX. Florianópolis: Ed. UFSC. 2001, pp.31-52. afirma que uma das estratégias das elites brasileiras para estimular a vinda de europeus era a “veiculação de um discurso de valorização do imigrante”. Segundo a autora:

Nesse discurso, os estrangeiros europeus são descritos como laboriosos e disciplinados, enquanto os afrodescendentes e descendentes de portugueses, que viviam no Brasil desde o período colonial, são considerados preguiçosos e sem iniciativa (AREND, 2001, p.34AREND, S. M. F. Relações interétnicas na província de Santa Catarina (1850-1890). In: BRANCHER, A.; AREND, S. M. F. (orgs.). História de Santa Catarina no século XIX. Florianópolis: Ed. UFSC. 2001, pp.31-52.).

A ênfase dos relatos historiográficos na economia voltada à exportação contribuiu para apagar essa presença, ao elevar o trabalho do imigrante. Além de escamotear as diferenças na condição de produção e no direito à terra entre os afrodescendentes e os europeus, alimentava-se um ideário do branco como moralmente mais elevado para o trabalho, muitas vezes deixando de pontuar que, enquanto estes trabalhavam para si próprios e suas gerações vindouras, aqueles o faziam para o enriquecimento do outro, mesmo após a dita liberdade. Arend (2001)AREND, S. M. F. Relações interétnicas na província de Santa Catarina (1850-1890). In: BRANCHER, A.; AREND, S. M. F. (orgs.). História de Santa Catarina no século XIX. Florianópolis: Ed. UFSC. 2001, pp.31-52. pontua algumas dessas questões na seguinte passagem:

As terras da província consideradas devolutas pelo governo imperial e local tornaram-se propriedade privada e os imigrantes passaram a produzir mercadorias para o mercado interno regional e, depois, para o nacional. Este olhar, que centra o foco no econômico deixando de lado as outras dimensões do social, esteve presente por longa data na historiografia catarinense que versa sobre o século XIX. Esta visão transforma o imigrante, e em especial o alemão, no desbravador-empreendedor. Os demais grupos – os afrodescendentes, os silvícolas, os descendentes de portugueses, e inclusive os imigrantes alemães que chegaram na província antes de 1950 – que, no período, não construíram mundos semelhantes são percebidos como personagens coadjuvantes ou então invisibilizados (AREND, 2001, p.36AREND, S. M. F. Relações interétnicas na província de Santa Catarina (1850-1890). In: BRANCHER, A.; AREND, S. M. F. (orgs.). História de Santa Catarina no século XIX. Florianópolis: Ed. UFSC. 2001, pp.31-52.; grifos meus).

Silva (2001)SILVA, J. G. Saudades, expectativas, realizações e ausências: histórias de mulheres em Joinville (1851-1900). In: BRANCHER, A.; AREND, S. M. F. (orgs.). História de Santa Catarina no século XIX. Florianópolis: Ed. UFSC, 2001, p. 53-84. aponta processos de apagamento, diferenciação e depreciação do negro no convívio com o imigrante europeu, apesar do discurso do abolicionismo ser corrente na cidade de Joinville. A autora afirma que “se da história dos índios o que prevalece é o silêncio, não muito difere a presença africana na história da cidade” (SILVA, 2001, p.56SILVA, J. G. Saudades, expectativas, realizações e ausências: histórias de mulheres em Joinville (1851-1900). In: BRANCHER, A.; AREND, S. M. F. (orgs.). História de Santa Catarina no século XIX. Florianópolis: Ed. UFSC, 2001, p. 53-84.). Em pesquisa com base na memória de locais, acresce que:

os africanos e africanas quase não aparecem nos relatos sobre Joinville, as falas são poucas, o que, infelizmente, os torna tão ausentes da historiografia local. Nas memórias, a presença negra aparece, muitas vezes, marcada por uma relação harmoniosa [...] todavia, outras falas apontam para a separação dos alemães em relação aos africanos [...] Aliás, o preconceito estava presente, ao que tudo indica, sendo escravo ou liberto, pois os negros e negras não eram bem vistos naquela sociedade [...] apesar de a imprensa ratificar o quanto à cidade repugnava a escravidão, isso não significava que os negros eram vistos como iguais (SILVA, 2001, p.57SILVA, J. G. Saudades, expectativas, realizações e ausências: histórias de mulheres em Joinville (1851-1900). In: BRANCHER, A.; AREND, S. M. F. (orgs.). História de Santa Catarina no século XIX. Florianópolis: Ed. UFSC, 2001, p. 53-84.; grifos meus).

Em suma, o quadro de uma profunda diferenciação nas relações sociais parece ser uma constante nesses estudos que pontuam fortemente o apagamento na memória e nos registros oficiais e historiográficos, silêncio que ajuda a compor o imaginário sobre o período. É possível dizer de um desejo de invisibilidade do elemento negro indiciado pela falta de tratamento humano na convivência diária e nos locais de trabalho destinados a esses sujeitos que, mesmo depois de libertos, seguiam em situações precarizadas. Assim como suas existências, suas perspectivas sobre as condições, lutas e resistências que protagonizaram eram igualmente invisibilizadas.

A estratégia do branqueamento, central no projeto migratório brasileiro no período pós-abolicionista, está no centro da elaboração de estereótipos sobre sujeitos pertencentes ao grupo lido como negro em conjunção com outros marcadores de opressão que atuam mutuamente, como classe e gênero, como veremos na seção seguinte.

4 Imagens de controle

Patricia Hill Collins (2019, p.460)COLLINS, P. H. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019. nomeia a produção de estereótipos em uma matriz de dominação como imagens de controle. Como matriz de dominação, a autora denomina “a organização geral das relações hierárquicas de poder em dada sociedade”, em suas palavras:

um arranjo particular de sistemas interseccionais de opressão, por exemplo, raça, classe social, gênero, sexualidade, situação migratória, etnia e idade e uma organização particular de seus domínios de poder, por exemplo, estrutural, disciplinar, hegemônico e interpessoal (COLLINS, 2019, p.460COLLINS, P. H. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.).

A teoria social crítica de Collins (2019)COLLINS, P. H. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019. parte do ponto de vista autodefinido de mulheres negras estadunidenses de todas as classes, intelectuais que produzem conhecimento como outsiders internas da produção científica dominante. A autora não se limita a nomear os instrumentos dos quais se vale o pensamento hegemônico para a manutenção das relações sociais resumidas em uma dada configuração. Collins (2019)COLLINS, P. H. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019. nomeia também as formas de resistência desenvolvidas no seio dos grupos de mulheres negras estadunidenses.

As imagens de controle servem ao grupo dominante como um instrumento de coerção a encerrar sujeitos/grupos em posições subalternas no imaginário e, por conseguinte, na estrutura social. No contexto estadunidense, a autora revela:

As imagens de controle surgidas na era da escravidão e ainda hoje aplicadas às mulheres negras atestam a dimensão ideológica da opressão das estadunidenses negras. [...] Na cultura estadunidense, as ideologias racista e sexista permeiam a estrutura social a tal ponto que se tornam hegemônicas, ou seja, são vistas como naturais, normais, inevitáveis. Nesse contexto, certas qualidades supostamente relacionadas às mulheres negras são usadas para justificar a opressão. Desde as mammies, as jezebéis, e as procriadoras do tempo da escravidão até as sorridentes tias Jemimas das embalagens de massa para panqueca, passando pelas onipresentes prostitutas negras e pelas mães que dependem das políticas de assistência social para sobreviver, sempre presentes na cultura popular contemporânea, os estereótipos negativos aplicados às afro-americanas têm sido fundamentais para sua opressão. Tomada em conjunto, a rede supostamente homogênea de economia, política e ideologia funciona como um sistema altamente eficaz de controle social destinado a manter as mulheres afro-americanas em um lugar designado e subordinado. Esse sistema mais amplo de opressão suprime as ideias das intelectuais negras e protege os interesses e as visões de mundo da elite masculina branca (COLLINS, 2019, p.35COLLINS, P. H. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.).

As imagens de controle que a autora traz à baila para tratar das experiências de mulheres negras estadunidenses guardam um laço histórico com as imagens produzidas no período colonial. A autora menciona, como exemplos, as figuras da mulher negra como oposto da mulher universal, inventada a partir de um ideal branco. A mulher branca seria o sexo frágil, sensível, casta; a mulher negra seria forte, a que tudo aguenta, a lasciva. Algumas das imagens de controle que ela enumera são as de dama negra, jezebel, mãe escrava, mammy, prostituta, aberração, animal, hoochie, matriarca, mula, Tia Jemima, mãe negra superforte (COLLINS, 2019COLLINS, P. H. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.), imagens que se atualizam como eco colonial.

Ao dar um nome a esse complexo processo de produção de estereótipos e seus efeitos no imaginário social, Collins (2019)COLLINS, P. H. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019. também aborda o modo como as imagens de controle são contestadas no interior dos grupos. Por materializarem definições externas sobre o grupo oprimido, produzidas pelo grupo dominante, a autodefinição seria um modo de refutar essas imagens a partir do ponto de vista (standpoint) do próprio grupo oprimido. A contestação dessas imagens é uma chave crítica central das mulheres negras estadunidenses.

Ao analisar os saberes de resistência produzidos pelas mulheres negras estadunidenses como forma de sobrevivência à opressão enquanto grupo por meio da análise interseccional que compõe a matriz de opressão naquele país, Collins (2019)COLLINS, P. H. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019. abre a possibilidade de pensar formas de resistência e solidariedade também entre outros grupos sociais, em outras configurações e regiões do mundo.

Compreendo que a aproximação entre o pensamento de Hall e Collins é possível porque ambos partem das margens coadunando um conceito de ideologia como “um corpo de ideias que reflete o interesse de um grupo de pessoas” que se naturaliza e se modifica no tempo (COLLINS, 2019, p.35COLLINS, P. H. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.). A leitura de Gramsci, comum aos dois autores, que aponta para outros elementos para além da classe, como a regionalidade e a nacionalidade, permite a compreensão das interseccionalidades que marcam as experiências humanas na relação com os grupos dominantes. Hall (2003a)HALL, S. Questão multicultural. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003a, p.51-100. vê essa fenda na obra de Gramsci como possibilidade para pensarmos o racismo e o sexismo como ideologias presentes na diferenciação social. Collins (2019)COLLINS, P. H. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019. interpreta esses marcadores como sistemas de opressão que devem ser considerados em sua conjugação mútua. O conceito de imagens de controle de Collins (2019)COLLINS, P. H. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019., por sua vez, mostra-se produtivo para pensarmos em raça ou no termo negro enquanto um significante flutuante (HALL, 1997, 2003aHALL, S. Questão multicultural. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003a, p.51-100., 2003bHALL, S. Significação, representação e ideologia: Althusser e os debates pós-estruturalistas. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003b, p.160-198.).

As duas alunas do curso de português, marcadas em suas vivências pela intersecção de diferentes sistemas de opressão, mostram-se preocupadas com o racismo na sociedade brasileira, solidárias a outros grupos. Apesar de a contestação de uma certa imagem de controle não ter sido feita por uma integrante do próprio grupo, compartilho da premissa de que o compromisso com uma educação antirracista deve ser de todos e não apenas dos grupos oprimidos.

Para compreendermos por que esses conceitos fazem sentido junto ao que emerge do campo de pesquisa, passaremos à contextualização do cenário investigado e do método etnográfico utilizado preliminarmente à análise dos dados.

5 Um olhar etnográfico

Os dados aqui apresentados foram gerados em uma pesquisa de doutorado (REIS, 2021REIS, N. O. Como dar certo em português? A experiência de mães imigrantes aprendizes de português em Florianópolis. 2021. 261f. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/229909. Acesso em: 17 nov. 2021.)3 3 A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade em que foi realizada. , que teve por objetivo melhor compreender as necessidades de aprendizagem de mulheres-mães-imigrantes aprendizes de português em Florianópolis.

As aulas foram realizadas nos semestres 2018/2 e 2019/1 em um curso de português para mães imigrantes. O diário de campo e as áudio-gravações foram os instrumentos utilizados para a geração dos dados aqui em análise. Como observadora-participante (professora-pesquisadora), foi possível uma aproximação com situações de negociação de sentido, dentre as quais emergiram os significados atribuídos pelas alunas ao termo negro, em contraposição aos sentidos com os quais se depararam localmente. Preconizando os significados construídos a partir da perspectiva das participantes da pesquisa, como propõe Erickson (1990)ERICKSON, F. Qualitative Methods. In: LINN, R. L.; ERICKSON, F. Research in Teaching and Learning. New York: Macmilliam Publishing Company, v. 2, 1990, pp.77-187., de modo a estranhar o familiar, passo a demonstrar, na seção seguinte, as enunciações registradas em diário de campo que suscitaram as análises e interpretações em torno do uso do termo negro.

6 Invisibilização e branqueamento discursivo

Trago um breve resumo, em formato de vinheta, do que apontei em diário de campo, no intuito de apresentar o diálogo que suscitou as falas de Rosario e de Marlene em torno do silenciamento do termo negro:

Falamos de discriminação e de racismo porque Marlene contou que a vizinha disse a ela que não se deveria falar negro ou preto no Brasil, pois isso poderia ser entendido como racismo. Marlene não entendia o porquê, já que, dizia, na Venezuela, dizer negrito é um elogio. Marlene disse achar que o que parecia racismo era não poder dizer a palavra negro a uma pessoa negra. Foi, então, que Rosario contou uma cena em que a filha a corrigiu. Quando Rosario comentou que negrinho lindo! para uma criança com a qual a filha brincava em um parquinho, Penélope a corrigiu, dizendo: não é negrinho lindo, mãe, é marrom fofinho! (DIÁRIO DE CAMPO, 22/09/2018).

Marlene, ao se lembrar do interdito vivido em uma interação, questionou o porquê da acepção pejorativa das palavras negro e preto em português, exemplificando como o uso do termo negro era visto como positivo em sua cultura. Segundo as alunas, na Venezuela, negrinho e negro seriam formas, respectivamente, carinhosa e galanteadora de fazer referência a alguém. Marlene citou as expressões que negro! ou que negrito lindo!, ressaltando suas conotações positivas, dizendo que o apelido do próprio genro é Negro. Depois, explicou-me que, na forma de um elogio, significava sensualidade. Disse-nos, ainda, que o termo negro, enquanto adjetivo, era atribuível também a pessoas brancas.

As cadeias de sentido mobilizadas pelo uso do termo negro, à primeira vista, parecem a Marlene distintas, na defesa da sensualidade como sinônimo positivo, em contraposição ao apagamento como silenciamento de sentidos negativos ao termo. Porém, o caráter de essencialismo e o uso da cor da pele como metáfora, nas duas redes semânticas, alimentam imagens de controle (COLLINS, 2019COLLINS, P. H. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.) sobre pessoas lidas como negras.

O marcador de raça, enquanto procedimento discursivo, aparece em duas imagens de controle: (1) negro enquanto presença ausente: invisibilizada no discurso e proibida no espaço da enunciação, sofrendo uma espécie de miscigenação pela linguagem, um branqueamento discursivo (NOGUEIRA; MAIOR, 2020NOGUEIRA, N. A. M; MAIOR, R. C. S. Análise discursiva das afrovivências de uma turma de sétimo ano do ensino fundamental II: identidade e negritude. In.: Anais do CONEDU – VII Congresso Nacional de Educação. Educação como (re)existência: mudanças, conscientização e conhecimentos, Maceió, AL, 2020, p.1-12.); e (2), enquanto corpo reduzido às pulsões primitivas, hipersexualizado, metonímia dos atributos de sensualidade pretensamente intrínsecas a corpos lidos como negros.

Seguindo o caminho interpretativo da tradução cultural, com Hall (2003a)HALL, S. Questão multicultural. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003a, p.51-100., para o qual a experiência da diáspora dispararia um choque entre sistemas de significação distintos, vemos que a cadeia de significados que o termo negro aciona no imaginário das alunas difere da cadeia de sentidos que emerge da aplicação do termo nas interações que as alunas têm em Florianópolis. Ora na advertência da vizinha de Marlene, ora na correção de Penélope, filha de Rosario, o silenciamento do termo negro, paradoxalmente, parece dizer muito a respeito das relações sociais no país e em Santa Catarina, em específico.

Como Hall (2003a)HALL, S. Questão multicultural. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003a, p.51-100. observa, tomando o funcionamento da linguagem conforme sugere Volochínov (2010)VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. Tradução de Michael Lahud e Yara Frateshi Viera 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2010., o alcance de significado de uma palavra tornada signo estaria de acordo com a sua tradução ideológica possível em um dado contexto histórico-social (HALL, 2003aHALL, S. Questão multicultural. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003a, p.51-100.). A partir dessa premissa, a tradução de Marlene da palavra negro como um aspecto positivo, relativo a um atributo físico de sensualidade, não encontra significação correspondente no contexto em que é aplicada, levando a aluna a uma falência na tradução. Frente à impossibilidade de transpor os sentidos, as alunas são levadas a refletir sobre as correções sofridas na tentativa de compreender o uso linguístico situado em um novo contexto sócio-histórico.

Na primeira acepção, presente nas interações de Marlene com a vizinha e de Rosario com a filha, negro figura enquanto termo proibido, indizível, cujo conteúdo não deveria vir à tona. As alunas perguntam se a sociedade brasileira é racista. Para responder ao questionamento, sugiro pensarmos com Almeida (2018)ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural? Coleção Feminismos Plurais. Belo Horizonte: Letramento, 2018., para quem cada sociedade produziria em sua estrutura o racismo de um modo específico, e com Munanga (2019), que aponta o racismo brasileiro como sui generis, fortemente marcado pelo desejo de branqueamento.

Tomando o signo como ideológico (VOLOCHÍNOV, 2010VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. Tradução de Michael Lahud e Yara Frateshi Viera 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2010.), interpreto o procedimento de eliminá-lo da enunciação, como uma forma de impedir o debate que informa os sentidos atribuíveis a ele em um dado tempo histórico. Por outras palavras, a interdição do signo seria um meio de impedir que emerjam significados ainda difíceis de ressignificar ou de dissociar de um passado colonial recente, que não passou de todo, pois segue presente e velado, reinventando-se na estrutura social e invisibilizado na linguagem. Sales Jr. (2006)SALES JR., R. Democracia racial: o não-dito racista. Tempo Social [online], v. 18, n. 2, p.229-258, 2006. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-20702006000200012. Acesso em: 30 out. 2021.
https://doi.org/10.1590/S0103-2070200600...
compreende o processo de invisibilização do racismo como o não-dito racista. Segundo o autor, trata-se de uma técnica articulada à ideia de democracia racial que instaura um interdito sobre o racismo no debate, permitindo a livre circulação de enunciados racistas, desresponsabilizando, contudo, os sujeitos que os proferem (SALES JR., 2006SALES JR., R. Democracia racial: o não-dito racista. Tempo Social [online], v. 18, n. 2, p.229-258, 2006. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-20702006000200012. Acesso em: 30 out. 2021.
https://doi.org/10.1590/S0103-2070200600...
).

Como observa Seyferth (1986)SEYFERTH, G. A estratégia do branqueamento. Ciência Hoje, v. 5, n. 5, p.54-56, 1986.,

não há categoria mais marcada por traços negativos e pejorativos que a do negro, símbolo de sujeição e inferioridade; nem mais ambígua que a do mulato, verdadeiro axioma da ideologia [do branqueamento], uma vez que superou os percalços da cor e “escapou de ser negro” (p.56).

Ao apresentar uma fórmula que tenta escapar de ser racista, a vizinha, conselheira pragmática - orientando o uso da língua para Marlene -, opera ao contrário, apontando justamente que há um sentido corrente que prevê o termo negro como ofensivo, intrinsecamente negativo. Marlene e Rosario não aceitam essa acepção pejorativa, tampouco a proibição da discussão racial e dão visibilidade ao fenômeno discursivo de apagamento.

Uma vez que o conceito sociológico de raça é estruturante no capitalismo (ALMEIDA, 2018ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural? Coleção Feminismos Plurais. Belo Horizonte: Letramento, 2018.), não haveria um apagamento possível da ideologia racista, senão uma atualização desse quadro, elaborado discursivamente. No entanto, sentidos negativos para o termo ainda persistem, embora outras conotações positivas para o termo estejam presentes, considerando se tratar de um significante flutuante, como coloca Hall (1997, 2003aHALL, S. Questão multicultural. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003a, p.51-100., 2003bHALL, S. Significação, representação e ideologia: Althusser e os debates pós-estruturalistas. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003b, p.160-198.).

A interlocutora de Marlene, sua vizinha, teria traduzido alguns dos sentidos atribuíveis ao termo negro em sua sociedade, privilegiando os negativos, indicando o apagamento como possibilidade de invisibilizar a temática racial, um modus operandi discursivo típico da sociedade brasileira. Marlene aponta, sem o saber, um tema tabu da sociedade brasileira, que, apesar de central na identidade do povo, inventado como exemplo de miscigenação, está longe de refletir no social a atmosfera de harmonia sugerida em teoria pela ideia universalista de que somos todos mestiços (MUNANGA, 2019). Esse implícito cultural passou a ser a norma no Brasil da década de 30, pelo menos até a década de 70 do século XX, quando os movimentos sociais começam a ganhar força (MUNANGA, 2019). Nesse período, a invisibilização de certos grupos, pode-se dizer, seguiu sendo uma das tônicas da ordem sociocultural e linguística brasileira, em que raça atua como uma categoria importante na atribuição de (i)legitimidade aos falantes.

O apagamento pode ser interpretado, portanto, como um dos mecanismos discursivos que contribui para a manutenção do racismo como estrutura velada nas relações sociais brasileiras, sustentado através do mito da democracia racial. Na pretensa harmonia, naturalizam-se as desigualdades sociais na atribuição de menor legitimidade de falante quanto mais escura for a pele do sujeito.

Na classificação racial tipicamente brasileira, cromática, Marlene pode ser lida como branca. Na conversa com a vizinha, com a qual compartilha uma série de trocas, ela é prevenida sobre interações com integrantes de um grupo racial presumidamente outro. Nesse contexto específico, em que traduções diferentes são mostradas, tanto na correção da vizinha de Marlene, quanto na feita pela filha de Rosario, reatualiza-se a invisibilidade no recurso de diminuição da tonalidade cromática ou branqueamento discursivo: Negro não, “marrom fofinho”. A substituição de negro por marrom seria uma estratégia pedagógica de apresentação do lugar possível para o sujeito de cor da pele negra, rumo a um branqueamento (MUNANGA, 2019). Na linguagem local, em um eufemismo: enquanto moreno, embranquecido, para caber no campo semântico tolerado naquele horizonte de significações.

O desejo de branqueamento, projeto do laboratório racial brasileiro (SCHWARCZ, 2012SCHWARCZ, L. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. Claro Enigma, 2012.), parece persistir na linguagem, fazendo com que o termo negro seja negado e substituído pela figura híbrida, mas não menos controversa, do mestiço, negro não, “marrom fofinho”, em um meio do caminho rumo ao ideal branco (MUNANGA, 2019). Esses pressupostos parecem ser evocados tanto na interação de Marlene com a vizinha quanto na escola que a filha de Rosario frequenta - demonstrando esferas de circulação, como uma instituição formadora, e a réplica cotidiana, como âmbitos em que a ideologia racista segue presente.

A invisibilidade do negro nas narrativas torna-se símbolo da negação de uma presença, a marca de um incômodo, de um passado que retorna, de uma relação mal resolvida com aquele que não teve seu lugar de direito no território, nem na historiografia, menos ainda na linguagem, sem que carregue um passado de significações pejorativas agarrado ao calcanhar. Em suma, conotações que compõem uma imagem de controle (COLLINS, 2019COLLINS, P. H. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.) do lugar do negro como ausência, território proibido, silenciado, invisibilizado.

Os relatos que as alunas trazem à sala de aula revelam a persistência dessas imagens de controle baseadas no paradigma racista biológico, para o qual a cor da pele segue sendo utilizada como “metáfora de hereditariedade” a indiciar o pertencimento a um dado grupo racial, não apenas outro, mas presumidamente inferior (SEYFERTH, 1986, p.57SEYFERTH, G. A estratégia do branqueamento. Ciência Hoje, v. 5, n. 5, p.54-56, 1986.).

Seyferth (1996)SEYFERTH, G. Construindo a nação: hierarquias raciais e o papel do racismo na política de imigração e colonização. In: MAIO, M. C.; SANTOS, R. V. Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: editora FIOCRUZ, 1996, p.41-58. aponta para a persistência da ideia de raça como “fator explicativo das diferenças sociais”, “arraigada no imaginário popular”, “manifesta de muitas formas, seja através dos estereótipos, do anedotário, das simbologias da cor e do sangue associadas à hereditariedade ou, simplesmente, pela discriminação objetiva” (SEYFERTH, 1996, p.202SEYFERTH, G. Construindo a nação: hierarquias raciais e o papel do racismo na política de imigração e colonização. In: MAIO, M. C.; SANTOS, R. V. Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: editora FIOCRUZ, 1996, p.41-58.), ou seja, largamente proliferada nos discursos cotidianos. A ideologia racial não estaria presente apenas em Santa Catarina, de onde a autora colhe uma série de provérbios e ditos presentes neste estado que, segundo ela, contêm o mesmo teor das teorias raciais defendidas por intelectuais e cientistas. Modificadas apenas no modo de explicação das desigualdades, as teorias racistas encontram-se plenamente presentes no imaginário social brasileiro como um todo (SEYFERTH, 1986SEYFERTH, G. A estratégia do branqueamento. Ciência Hoje, v. 5, n. 5, p.54-56, 1986., 1995SEYFERTH, G. A invenção das raças e o poder discricionário dos estereótipos. Anuário Antropológico Brasileiro/93. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995, p.175-203., 1996SEYFERTH, G. Construindo a nação: hierarquias raciais e o papel do racismo na política de imigração e colonização. In: MAIO, M. C.; SANTOS, R. V. Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: editora FIOCRUZ, 1996, p.41-58.).

No entanto, não sugiro que as ações de apagamento do termo negro ou de branqueamento discursivo nas cenas específicas que trazem Marlene e Rosario devam ser interpretadas como atos racistas ou não-racistas desde uma perspectiva individual. Uma vez que os processos de significação operam em um quadro social, e não individual, importa considerarmos a ideologia subjacente a esses procedimentos como um importante traço da ordem sociocultural e linguística (SIGNORINI, 2002SIGNORINI, I. Por uma teoria da desregulamentação linguística. In: BAGNO, M. (org.). Lingüística da norma, São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 93-125.) brasileira contemporânea estruturante das relações sociais. A partir desse importante registro de uma operação metapragmática, é possível dizer que a ideologia racista segue presente, que há um esforço para silenciá-la e que, segundo nos trazem veementemente Marlene e Rosario, que é possível e necessário visibilizá-la e contestá-la.

7 Hiperssexualização

Na segunda rede de significados, a partir da defesa que fazem Marlene e Rosario do uso positivo do termo em seu país, Venezuela, negro é tomado enquanto sinônimo de sensual. Parafraseando Marlene, o termo é utilizado quando se quer dizer que alguém é sexy. Nesta acepção, encontramos o eco das teorias raciais elaboradas pela Antropologia Física que, a partir de um aparato pretensamente científico de medições dos corpos, pressupunham que as populações consideradas negras estariam mais próximas dos macacos que dos humanos (leia-se do homem branco) e seriam, portanto, selvagens, de instintos sexuais desviantes, dotados de grande força física, mas incapazes de dotes intelectuais (SEYFERTH, 1996SEYFERTH, G. Construindo a nação: hierarquias raciais e o papel do racismo na política de imigração e colonização. In: MAIO, M. C.; SANTOS, R. V. Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: editora FIOCRUZ, 1996, p.41-58.).

Metonimicamente, ao tomar a parte pelo todo, a qualidade exacerbada enquanto intrínseca a certos grupos sociais orientados por pulsões primitivas, o próprio atributo de sensualidade passa a ser sinônimo do termo negro. Essa relação de sinonímia não pode ser considerada apenas positiva, reduzindo a experiência de todo um grupo imaginado de sujeitos à pulsão de vida mais animalesca e instintiva. Novamente, a animalidade e o primitivismo figuram como adjetivos de corpos negros, a encerrar certas existências às sexualidades de seus corpos, marca da objetificação e desumanização, enfim, do exotismo com que o termo negro é inventado no Ocidente (HALL, 2003cHALL, S. Que ‘negro’ é esse na cultura negra? In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003c, p.335-249.).

O discurso de hipersexualização provocou e segue a provocar e legitimar uma série de violências contra homens e mulheres negras (RIBEIRO, 2018RIBEIRO, D. Quem tem medo do feminismo negro? São Paulo: Companhia das Letras, 2018.; COLLINS, 2019COLLINS, P. H. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.). Imagens de controle de mulheres e de homens negros reduzidos à sua sexualidade foram centrais no discurso do colonialismo, uma vez que os colonizadores precisavam inventar um modo de convencer os outros e a si mesmos de que a violência colonial era justificável. A associação dos africanos a animais, na mente dos colonizadores, era uma maneira de tranquilizar as consciências, eximindo-os de conviver com a autoimagem de genocidas (CESAIRE, 2010CESAIRE, A. Discurso sobre o colonialismo. Tradução de Anísio Garcez Homem. Florianópolis: Letras Contemporâneas. 2010.). Brutalizados, brutalizavam os outros (CESAIRE, 2010CESAIRE, A. Discurso sobre o colonialismo. Tradução de Anísio Garcez Homem. Florianópolis: Letras Contemporâneas. 2010.).

As imagens de controle que tomam o termo negro como sinônimo de desvio de sexualidade facilitaram tanto a demonização do homem negro, inventado como ameaça a mulheres brancas (FANON, 2008FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira e Prefácio de Lewis R. Gordon. Salvador: Edufba, 2008.), quanto permitiram a naturalização da cultura do estupro às africanas e afro-americanas durante o período da escravização nos Estados Unidos (DAVIS, 2018 [1981]) e às afrodescendentes após a abolição, em imagens de controle de mulheres hipersexualizadas (COLLINS, 2019COLLINS, P. H. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.).

No Brasil, a naturalização do estupro no período colonial atualizou a imagem de controle das mulheres afrodescendentes no período pós abolicionista a partir do discurso de “romantização da miscigenação” (RIBEIRO, 2018, p.117RIBEIRO, D. Quem tem medo do feminismo negro? São Paulo: Companhia das Letras, 2018.), desenvolvido por intelectuais e acadêmicos na década de 1930, sob as vestes do mito da democracia racial com o intuito de escamotear as violências contra homens e mulheres negras. Ribeiro (2018)RIBEIRO, D. Quem tem medo do feminismo negro? São Paulo: Companhia das Letras, 2018. coloca que as mulheres negras brasileiras estão, atualmente, mais suscetíveis à violência sexual e doméstica que as mulheres brancas, uma vez que “seus corpos vêm sendo desumanizados e ultrassexualizados historicamente” (RIBEIRO, 2018, p.117RIBEIRO, D. Quem tem medo do feminismo negro? São Paulo: Companhia das Letras, 2018.). Ribeiro afirma que essas imagens de controle “contribuem ainda para a cultura de violência contra essas mulheres, que são vistas como lascívias, ‘fáceis’ e indignas de respeito” (RIBEIRO, 2018, p.117RIBEIRO, D. Quem tem medo do feminismo negro? São Paulo: Companhia das Letras, 2018.). No campo da Antropologia, Lélia Gonzalez (1984) teria observado essa produção de estereótipos sobre a mulher negra na sociedade brasileira antes mesmo que Patricia Hill Collins nomeasse esse procedimento discursivo como imagens de controle.

Na Linguística Aplicada brasileira, Melo e Ferreira (2014)MELO, G. C. V.; FERREIRA, J. T. R. As ordens de indexicalidade de gênero, de raça e de nacionalidade em dois objetos de consumo em tempos de Copa do Mundo 2014. RBLA, Belo Horizonte, v. 17, n. 3, p.405-426, 2017., Melo e Moita Lopes (2015)MELO, G. V.; MOITA LOPES, L. P. “Você é uma morena muito bonita”: a trajetória textual de um elogio que fere. Trab. Ling. Aplic., Campinas, n. 54.1, p.1-26, jan/jun, 2015. também apontam para a permanência de discursos de objetificação de sujeitos lidos como negros que permanecem no imaginário social brasileiro.

Em suma, ecos históricos persistem na estrutura social como discursos cristalizados pela linguagem que têm consequências para as vidas de pessoas negras (MELO; MOITA LOPES, 2015MELO, G. V.; MOITA LOPES, L. P. “Você é uma morena muito bonita”: a trajetória textual de um elogio que fere. Trab. Ling. Aplic., Campinas, n. 54.1, p.1-26, jan/jun, 2015.). Os procedimentos ideológicos subjazem à enunciação e são elementos centrais do processo de significação, importantes de serem pontuados, nomeados e discutidos em concepções de língua(gem), para as quais importa uma abordagem informada pelos usos situados.

Considerações finais

Neste artigo, recorte de uma investigação etnográfica, foram pontuados procedimentos discursivos e ideologias subjacentes ao uso do termo negro emergentes dos significados construídos na experiência de aprendizagem da língua portuguesa de Marlene e Rosario, ambas provenientes da Venezuela. Vimos que, no fenômeno diaspórico, o deslocamento não é apenas geográfico, mas também de sentidos. Na fronteira com o outro, certas redes de sentido, que até então funcionavam bem, mostram-se falíveis. Em seus processos de negociação no novo contexto, as aprendizes mostram-se contestatórias de significados pejorativos para o termo negro, evidenciando, como aponta Hall (1997, 2003aHALL, S. Questão multicultural. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003a, p.51-100., 2003bHALL, S. Significação, representação e ideologia: Althusser e os debates pós-estruturalistas. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaine La Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Tavares, Francisco Rüdiger e Sayonara Amaral, organização de Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003b, p.160-198.), tratar-se de um significante flutuante, aberto a novas redes de sentido em cada contexto sócio-histórico específico.

A invisibilidade, o branqueamento discursivo e a hipersexualização foram os procedimentos enfocados a partir de uma breve escavação historiográfica de discursos locais que lhes dão sustentação. A breve análise reitera a importância e a riqueza das ideias de Volochínov para a compreensão sobre como a ideologia opera no discurso cotidiano, naturalizando-se e sendo assimilada desde a palavra alheia para a palavra própria, bem como cristalizando certos discursos no horizonte apreciativo dos falantes.

Os mecanismos discursivos que as alunas nos fazem ver – de invisibilização, branqueamento discursivo e hiperssexualização – indiciam um quadro em que, a despeito das lutas pelos movimentos sociais em torno de redes semânticas positivas para o termo negro (MUNANGA, 2019), este segue em plena disputa ideológica por significação, em busca de um espaço próprio em que possa se realizar plenamente enquanto signo de humanidade.

  • 1
    Ver tese defendida em 2021: REIS, N. O. Como dar certo em português? A experiência de mães imigrantes aprendizes de português em Florianópolis. 2021. 261f. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/229909.
  • 2
    Marlene fez questão de utilizar seu próprio nome, Rosario é um pseudônimo.
  • 3
    A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade em que foi realizada.

Agradecimentos

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de estudos concedida durante a realização desta pesquisa. Agradeço, ainda, aos professores doutores: Maria Inêz Probst Lucena, Carlos Maroto Guerola, Glenda Cristina Valim de Melo, Cristine Görski Severo, Denilson de Lima Santos e Daniel do Nascimento e Silva pelas contribuições no diálogo estabelecido para a interpretação dos dados apresentados neste trabalho.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2021
  • Aceito
    17 Mar 2022
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