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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  n.27 Canoas jun. 2008

 

ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO

 

O movimento de João de Santo Cristo no mundo: a via-crúcis de uma identidade

 

The movement of João de Santo Cristo in the world: the via-crucis of an identity

 

 

Andresa Jaqueline ToassiI,*; Michele Caroline Stolf**; Maria Chalfin CoutinhoI,***; Dulce Helena Penna SoaresI,****

I Universidade Federal de Santa Catarina

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O conceito de identidade é polissêmico e paradoxal, contemplando uma série de sentidos e significados. Na Psicologia Social, considera-se o sujeito como sendo ao mesmo tempo singular e plural, ao constituir sua identidade atrelada ao âmbito social, do qual também é constituinte. Assim, o artigo busca contribuir para a análise deste pressuposto, a partir do estudo da trajetória de vida do personagem da música "Faroeste Caboclo", caracterizada como uma produção cultural, ao estar repleta de significações. Sendo o trabalho categoria fundante do ser humano, o qual por sua capacidade de planejamento elabora projetos, busca-se compreender a identidade humana inserida nesse contexto de produção entre homem e realidade, destacando seus aspectos e seu modo de constituição, através do movimento de um personagem que, apesar de fictício, abrange características comuns à coletividade. Trata-se, assim de um ensaio teórico, no qual é realizada uma análise da trajetória do personagem a luz de três categorias teóricas: projeto, identidade e trabalho.

Palavras-chave: Identidade, Trabalho, Projeto.


ABSTRACT

The identity concept is polysemyc and paradoxical, contemplating several meanings. In Social Psychology, we consider the person as singular and plural at the same time, constituting himself intensively linked to the social environment, which is also built by the man. Here we try to contribute to analysis of this presupposed, studying the life trajectory of the main character in the song "Faroeste Caboclo". The song is a cultural production, once it's full of individual and general meanings. The work is a basic category of the human being, who develops projects and advances the future through his planning capacity. Based on this, we try to understand the human identity inserted in a context of uninterrupted production between men and society, emphasizing its features and the way it constitutes, through the movement of a character, who is imaginary, but contains features that are common to the community group. This way, the article is a theoretical trial to analyze the trajectory of the character under three theoretical categories: project, identity and work.

Keywords: Identity, Work, Project.


 

 

Introdução

Uma das principais características do homem é seu caráter relacional, pois se constitui em contextos sociais distintos, nos quais estabelece contatos com o mundo no decorrer de toda sua história. O sujeito não é totalmente determinado pelo meio, pois atua sobre a realidade, o que resulta em produções variadas, dialeticamente implicadas sobre suas construções, sua maneira de ser e estar no mundo (Zanella, 2004).

O indivíduo necessita do convívio social, repleto de regras e normas culturais, pois o que possui de fisiológico, não lhe basta à sobrevivência. Toda produção cultural é construída pelos sujeitos durante a transformação da natureza para satisfazer suas necessidades primordiais, no processo de trabalho, durante o qual cria a si mesmo, ao agir sobre a realidade existente (Marx, 1982). Deste modo, o homem tem a possibilidade de questionar conceitos e refazê-los, numa dialética constante e ininterrupta entre constituição do sujeito e produção cultural.

De acordo com Guareschi (2003), produção cultural caracteriza-se por ações, atos e discursos, não referindo-se apenas ao âmbito material, mas também ao movimento do sujeito no mundo, constituindo-se como formas de vida aliadas a práticas culturais. Conforme Geertz, (1989, p.61) "sem os homens certamente não haveria cultura, mas, de forma semelhante e muito significativa, sem cultura não haveria homem".

Hall (2005) afirma que a cultura constitui-se como sendo solo real das representações, das práticas, costumes e línguas de sociedades específicas. Caracteriza-se também como maneiras contraditórias de senso-comum, as quais encontram-se enraizadas na vida popular, produzindo modos de vida.

A música, neste sentido, pode ser compreendida como produção cultural, pois freqüentemente relata vivências do cotidiano das pessoas, conta suas histórias, referindo-se à sua realidade. Além disso, ela constitui-se como uma forma de linguagem e meio de estabelecer comunicação, ao estar prenhe de significados, produzindo sentidos e ultrapassando limites temporais. De acordo com o contexto onde se apresenta, ela pode também concretizar emoções, sentimentos e pensamentos ao ordená-los de forma compreensível aos outros (Maheirie, 2002).

O artigo busca então, tecer considerações acerca da vida do personagem quase-fictício João de Santo Cristo, da canção "Faroeste Caboclo" composta por Renato Russo, realizando elucubrações teóricas e articulando os conceitos identidade, projeto e trabalho, a partir da análise da trajetória do personagem. O termo quase-fictício é utilizado por Andriani (2002), em uma análise de sujeito feita a partir de um poema, para designar uma personagem que apesar de imaginária, contempla características reais constituintes de uma coletividade. Neste sentido, João de Santo Cristo não possui materialidade, mas sua história, apesar de ter sido composta no ano de 1979, ainda representa a vida de outros sujeitos, que como ele são negros, pobres, moradores do sertão nordestino e migram para os grandes centros urbanos, vivenciando uma realidade de discriminação e exclusão social.

O termo via-crúcis, utilizado no título, para o cristianismo refere-se ao percurso de Cristo rumo à sua crucificação. Na música, o autor utiliza essa expressão, para designar a trajetória de vida do personagem, a qual foi marcada, à exemplo da via-crúcis de Jesus, pelo sofrimento, dor, luta e tristeza. Aqui ele é utilizado como uma analogia à constituição da identidade do sujeito, um processo repleto de tropeços, dores e sofrimentos.

A proposta é analisar o movimento de Santo Cristo em seu âmbito cultural e histórico e a construção concomitante de sua identidade, com base nos pressupostos da Psicologia Social, enfocando seu projeto de vida e suas relações com o âmbito do trabalho, fator constituinte do sujeito em vários aspectos1 . Deste modo, buscar-se-á esboçar uma análise teórico conceitual articulando concepções contemporâneas de projeto, identidade e trabalho com as vivências do personagem, sob um olhar mais atual e em consonância com o contexto vigente.

 

Projeto, identidade e trabalho: um esboço teórico-conceitual

Em sua obra Ciampa (1987) problematiza o conceito de identidade, ao defini-la como metamorfose, levando-a a ser compreendida como um movimento contínuo do homem em sua concretude real. De acordo com o autor, cada sujeito contém em si características dos outros indivíduos de seu meio social, assim sua identidade contempla as dos demais e vice-versa.

A identidade de cada sujeito é decorrência de seu contexto, porém não é igual a nenhuma outra, pois apesar de conter a genericidade do meio, possui aspectos singulares. Assim, ela configura-se por "uma totalidade contraditória, múltipla e mutável, no entanto una" (Ciampa, 1981, p.61). Durante todo o decorrer da vida do indivíduo, esse movimento de constituição identitária vai se consubstanciando nos diversos grupos sociais com o qual convive, através das ações concretas, realizadas principalmente no trabalho.

Para Ciampa (1981) o sujeito é aquilo que faz, assim ele se hominiza de modo progressivo e contínuo, ao atuar sobre a natureza buscando a satisfação de suas necessidades básicas. Marx (1982) afirma que isto constitui o processo de trabalho, através do qual o homem diferencia-se dos animais por sua intencionalidade, ao planejar e vislumbrar os resultados de suas ações antes mesmo de iniciá-las. O trabalho é, portanto, essencialmente constituinte do ser humano, pois para existir ele precisa agir, produzindo seu meio social e a si mesmo nesse processo.

Coutinho, Krawulski e Soares (2007) afirmam que o trabalho é uma categoria fundamental na sociedade, pois esta depende dos resultados do processo de transformação da natureza pelo homem para sua construção e manutenção. Paralelamente, o indivíduo precisa trabalhar para constituir-se como membro do seu meio social e ter acesso aos produtos necessários à sua sobrevivência. Deste modo, desde os primórdios de sua existência ele é orientado para o trabalho, no qual utiliza a capacidade de planejar e antecipar as conseqüências de seus atos. Esta habilidade é essencial na elaboração de projetos para o futuro, através dos quais o sujeito formula planos de atuação sobre a realidade, visando alcançar objetivos específicos.

De acordo com Soares (2002), o projeto constitui-se em uma síntese entre objetividade e subjetividade, pois o sujeito planeja inserido em determinado espaço social e histórico, com base nas relações e situações vivenciadas, que influenciam na construção e manutenção de seus objetivos, os quais são definidos individualmente. O projeto compreende assim, o futuro desejado e o passado vivido, sendo modificado ao longo da existência do indivíduo, de acordo com a realidade na qual insere-se no decorrer de sua história. Velho (2003) também traz contribuições a esta temática ao estabelecer ligações entre os conceitos de projeto e metamorfose, enfatizando o movimento contínuo do projeto na vida do sujeito.

Com base nestes princípios, procurar-se-á compreender o personagem João de Santo Cristo abordando seu processo de constituição como um ser em constante movimento e contradição, o qual encontra-se inserido numa coletividade, contendo estes aspectos em sua singularidade, produzindo sentidos e significados que são constituintes de sua identidade. Busca-se ainda, enfatizar a construção da identidade deste sujeito a partir da elaboração de seu projeto e de suas relações com o universo do trabalho, procurando articular estes conceitos na análise da trajetória percorrida ao longo de sua vida, bem como de seus modos de ser e agir no mundo.

 

A construção de uma identidade: o movimento de João de Santo Cristo no mundo contemporâneo

João de Santo Cristo nasceu em uma fazenda do interior nordestino e desde a infância vivenciou uma realidade de discriminação e exclusão social, em função de sua cor e por pertencer a uma classe economicamente desfavorecida. "Quando criança só pensava em ser bandido ainda mais quando com tiro de soldado o pai morreu"2. Desta forma, o personagem, que já vinha se construindo em um contexto marcado pela pobreza e violência, inicia a elaboração de um projeto de futuro, realizando uma série de ações visando o alcance daquilo que planejou, pois "ia pra igreja só pra roubar o dinheiro que as velhinhas colocavam na caixinha do altar".

Para compreender a construção do projeto do personagem, utiliza-se a concepção de Soares (2002, p.76) "o projeto é (...) o momento que funde, num mesmo todo, o futuro previsto e o passado recordado. Pelo projeto, se constrói para si um futuro desejado, esperado". Neste sentido, o personagem inicia a construção de sua identidade através de seu projeto, baseando-se nos fatos vivenciados e na realidade apresentada, não percebendo para si outras possibilidades de futuro. É importante destacar que o projeto se constitui na articulação entre fatores individuais e sociais, sob a ação da dinâmica temporal, implicando sobre a forma como o indivíduo se relaciona consigo mesmo e com o mundo.

Com base nestas concepções, observa-se o quanto os aspectos pessoais e sociais encontram-se interligados na construção do projeto de João de Santo Cristo. Assim, ao vivenciar um fato individual (a morte de seu pai) aliado a condições sociais excludentes e incompreensíveis para ele, que "não entendia como a vida funcionava, a discriminação por causa da sua classe, sua cor"; elaborou como objetivo de vida aquilo que julgava ser a maneira mais eficaz de lutar contra a situação imposta e ao mesmo tempo "vingar-se" da discriminação e exclusão vivenciadas.

De acordo com Soares (2002), a execução de todo projeto apresenta resultados, assim as conseqüências de suas ações criminosas conduziram Santo Cristo ao reformatório com 15 anos de idade, "onde aumentou seu ódio diante de tanto terror". Este fato contribuiu para alterações em seu projeto, levando-o a tentar a vida na cidade grande. Esta decisão reflete aspectos da realidade social que implicam em suas escolhas pessoais e demonstra os múltiplos fatores constituintes da identidade humana (Ciampa, 1998).

Segundo Coutinho (1999, p. 32), "a configuração da identidade supõe, contraditória e simultaneamente, igualdade e diferença". O sujeito elenca, portanto, características que o tornam diferente dos demais indivíduos de seu grupo social e outras que o igualam. Santo Cristo, no início de sua história, constituía-se mais pela diferença, pois "sentia mesmo que era mesmo diferente, sentia que aquilo ali não era seu lugar. Ele queria sair para ver o mar e as coisas que ele via na televisão, juntou dinheiro para poder viajar, de escolha própria escolheu a solidão". Ele não identificava-se com a realidade na qual vivia, pois seu projeto apontava para outras direções, não contempladas por aquele contexto.

Ciampa (1987) aponta que a identidade do sujeito sempre apresenta nuanças dos pólos objetivos e subjetivos, os quais são indissociáveis, uma vez que o subjetivo se constrói nas relações com o objetivo e a objetividade é resultado de ações singulares do ser humano. A este respeito Dubar (1998) destaca que a objetividade compreende a materialidade, o mundo objetivo do sujeito. Já a subjetividade engloba sua esfera mais particular, seus sentidos, sua individualidade. Assim, o sujeito, apesar de encontrar-se envolto por aspectos objetivos variados, por significados construídos no decorrer da história, através dos quais elabora seus projetos e direciona sua vida (Sawaia, 1999), conota sentidos subjetivos às vivências, construindo seu contexto e seu projeto na interface do pessoal com o social.

O movimento constante entre subjetividade e objetividade é perceptível na construção da identidade e no decorrer da história do personagem João de Santo Cristo, que, apesar de singular, segue o exemplo de milhares de sertanejos que vão em busca de melhores oportunidades na cidade grande. Este local passa a ser uma fonte de novas relações, pois ao chegar ele afirma: "Meu Deus, mais que cidade linda, no Ano Novo eu começo a trabalhar. Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro". Assim, ele vislumbra outras possibilidades de atuação no mundo, começando a projetar sua vida de forma diferente, através do trabalho como carpinteiro.

O sistema capitalista, no qual o personagem encontra-se inserido, caracteriza-se pela exploração da mão-de-obra assalariada e concentração de capital nas mãos de grupos minoritários que possuem poder de decisão sobre o desenvolvimento tecnológico, leis, normas, conceitos, cultura, serviços e mercadorias utilizadas pela sociedade (Marx, 1982). O personagem, ao inserir-se efetivamente neste modo de produção como força de trabalho, vivencia uma realidade de exploração, alienação e pobreza, pois "até a morte trabalhava, mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar".

Sobre alienação, Marx (1983) afirma que esta acontece quando o trabalhador produz bens aos quais dificilmente terá acesso. Neste sentido, "o produto do trabalho não pertence ao trabalhador, mas o enfrenta como uma força estranha, isso só pode acontecer porque pertence a um outro homem que não o trabalhador" (p. 98). Santo Cristo, portanto, era alienado do produto resultante de seu trabalho como carpinteiro, uma vez que suas condições financeiras não lhe possibilitavam sequer o acesso à satisfação de suas necessidades básicas de sobrevivência. Nesta relação, cada "homem é alienado por outros homens" (p. 97), o que os torna concorrentes e adversários no processo capitalista de produção.

Castells (2000) aponta que a lógica do desenvolvimento capitalista engloba a competição e a ausência de sistemas reguladores e éticos, podendo levar a sociedade tanto ao progresso ilimitado como também ao fracasso total, ao imperar o individualismo, o liberalismo econômico e a valorização de sucessos individuais. O momento contemporâneo, apesar de ser regido pela lógica do capital, encontra-se estruturado e opera de modo diferenciado de épocas anteriores. Desde o final do século passado, a esfera global encontrar-se marcada por intensas transformações, rupturas e quebra de paradigmas, o que conduz a alterações em vários âmbitos da vida humana, bem como no modo de produção vigente.

De acordo com Tolfo, Coutinho, Almeida, Baasch e Cugnier (2005), até o final do século XX, houve a predominância hegemônica da forma de ordenação dos processos de trabalho, caracterizada pela verticalidade empresarial e por modelos de produção em série, quando mudanças reestruturativas nos meios e modo de produção, aliadas ao processo de globalização e ao desenvolvimento tecnológico e informacional, começam a tecer alterações nesse cenário. Através das maneiras diferenciadas de organização do processo produtivo, novas configurações de emprego e trabalho vão surgindo, o que conduz ao aparecimento de elementos inéditos nas relações estabelecidas entre os sujeitos e seu ofício, marcadas pela complexidade e diversificação.

Os autores citados afirmam ainda, que as formas inéditas de estruturação do capitalismo, com modelos mais flexibilizados, globalizados e informatizados, conduzem ao surgimento de modos de trabalho diversificados. Estas situações, caracterizadas pela pluralidade e efemeridade, levam os trabalhadores a questionamentos e dúvidas, devido à perda de referenciais norteadores e éticos, o que altera suas relações com o universo do trabalho.

De acordo com Hall (2005), essas mudanças estruturais vêm transformando as sociedades, o que fragmenta as referências culturais de classe, sexualidade, gênero, nacionalidade e até mesmo de trabalho. Com isso, "estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados" (2005, p. 9). Desta forma, o autor aponta que as identidades estão em constante mudança, podendo ser caracterizadas como "posições" que o sujeito assume de acordo com os contextos e situações que vivencia.

Frente a esse cenário, por não conseguir vislumbrar alternativas de melhorias em suas condições econômicas e sociais, o personagem perde a confiança no sistema político do país, pois "ouvia às sete horas o noticiário que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar. Mas ele não queria mais conversa e decidiu que como Pablo ele ia se virar". Deste modo, ele volta à criminalidade, tornando-se traficante, como seu amigo Pablo e posteriormente, ladrão. Neste momento, ele retorna ao seu projeto inicial, percebendo esta como a única opção de alterar sua situação e ascender economicamente. A escolha do personagem ilustra assim, a afirmação de Soares (2002, p.40) sobre como "o homem pode escolher dentro de um leque de opções oferecidas pelo sistema econômico e delimitadas pela classe social a qual pertence".

Para a autora citada toda escolha implica em perda, pois ao escolher é preciso abdicar de algo. Desta forma, a opção do personagem pelo crime trouxe uma série de conseqüências à sua vida, pois "ficou rico e acabou com todos traficantes dali. Fez amigos, freqüentava a Asa Norte, ia pra festa de rock pra se libertar. Mas de repente sob uma má influência dos boyzinhos da cidade começou a roubar. Já no primeiro roubo ele dançou". Ser preso levou Santo Cristo a uma revolta ainda maior contra o sistema e a sociedade. As situações de violência vivenciadas na cadeia foram uma forte mediação consolidando sua trajetória na vida criminal, implicando sobre sua constituição como "bandido destemido e temido no Distrito Federal".

No decorrer da história de João percebe-se no movimento constante de idas e vindas, pois quando criança ele inicia sua constituição como bandido, modifica esta condição ao tornar-se carpinteiro e posteriormente retorna à criminalidade. Este processo contempla o sentido de identidade como metamorfose, descrito por Ciampa (1998), a qual constitui-se através de mudanças e alterações constantes. O autor afirma que a identidade do sujeito nunca cristaliza-se, mas caracteriza-se por um contínuo "vir-a-ser", onde aspectos novos e antigos convivem em simultaneidade.

O caráter de metamorfose da identidade humana é novamente perceptível na história do personagem, no momento em que ele conheceu Maria Lúcia e "de todos os seus pecados ele se arrependeu", retornando ao seu antigo ofício de carpinteiro e almejando a constituição de uma família. Aqui observa-se o processo paradoxal existente na constituição do sujeito, caracterizado por um constante "ir e vir", onde não há linearidade, mas movimentos espirais contínuos. Destaca-se ainda a ambigüidade presente na construção da identidade do personagem, a qual representa a "síntese inacabada de contrários" (Maheirie, 2002, p.41).

O relacionamento entre João de Santo Cristo e Maria Lúcia foi constituinte de suas identidades, determinando em diversos momentos as ações executadas pelo personagem. Para Codo, Hitomi e Sampaio (1993) é no horizonte destas relações com os outros, das relações com o corpo, com as coisas e a natureza, com o passado e com o futuro, que o homem se objetiva, que se constitui numa identidade, e é também nestas relações que ele se complica, realiza-se e aliena-se (p.118).

Ao receber uma proposta de "um senhor de alta classe com dinheiro na mão" João sente-se revoltado com o tipo de atividade solicitada e nega-se a aceitá-la, afirmando: "não boto bomba em banca de jornal e em colégio de criança, isso eu não faço não!". Esta resposta resulta em uma grave discussão, na qual "antes de sair com ódio no olhar, o velho disse: Você perdeu a sua vida, meu irmão!". O personagem, diante dessa afirmação, se apropria do sentido dado às palavras do homem, sentindo-se ameaçado ao acreditar que "essas palavras vão entrar no coração, eu vou sofrer as conseqüências como um cão". Em decorrência disso ele fica preocupado e "não foi trabalhar, se embebedou e no meio da bebedeira descobriu que tinha outro trabalhando em seu lugar".

Pinheiro (2000) descreve a linguagem como um instrumento pelo qual as pessoas estabelecem relações com as coisas que as cercam, produzindo sentidos para as circunstâncias que vivenciam. Berger e Luckmann (1985) também apontam a importância da linguagem na produção de sentidos, afirmando que "a linguagem usada na vida cotidiana fornece-me continuamente as necessárias objetivações e determina a ordem em que estas adquirem sentido e na qual a vida cotidiana ganha significado para mim" (1985, p. 38). Assim, o personagem deu um sentido ao que ouviu e passou a agir a partir das significações elaboradas.

Segundo Spink e Medrado (2000), a produção de sentidos não é intra-individual, nem segue modelos, é um fenômeno sociolingüístico, onde os sentidos são construídos quando duas ou mais vozes se confrontam. A produção de sentidos se processa no contexto da ação social, pois ao desempenhar qualquer função as pessoas produzem sentidos sobre o mundo. Berger e Luckmann (2004) também indicam as experiências vivenciadas como produtoras de sentidos, afirmando que cada fato vivido é relacionado com as outras experiências que estão armazenadas no conhecimento subjetivo ou no acervo social.

O homem encontra-se assim, inserido objetivamente em um sistema social repleto de valores, significados, ideologias, o qual possui uma organização econômica e política. Assim, ao trabalhar e lançar-se neste mundo ele é também definido pela sociedade, ao mesmo tempo em que a supera e a constitui através de sua práxis, de seus atos, condições e possibilidades (Codo & cols, 1993). Isto ocorre pela realização de cada projeto, onde o indivíduo movimenta-se de acordo com as condições ofertadas e disponibilizadas pelo meio. Pela condição histórica e lugar que o sujeito ocupa em um determinado contexto social, o modo como ele significa e é significado pelos outros, resulta em ações que são características não apenas de um sujeito, mas contém em si a própria história da humanidade.

Santo Cristo estava significando-se através do trabalho e projetava seu futuro neste contexto, mas com a nova condição de desempregado ele começa a procurar alternativas dentro de sua realidade e da posição que passou a ocupar no universo social. Assim, a volta ao tráfico apresentou-se como a opção mais viável naquele momento, pois já possuía conhecimentos acerca desse meio e vislumbrava garantias de retorno financeiro. Então, "falou com Pablo que queria um parceiro e também tinha dinheiro e queria se armar".

Em decorrência do cenário de trabalho contemporâneo altamente competitivo, excludente, seletivo e instável, marcado pela complexidade, diversidade e multiplicidade, muitos trabalhadores, assim como Santo Cristo, não conseguem inserir-se ou manter-se ativos no mercado de trabalho, fato que contribui sobremaneira para a realização de atividades informais, precarização das condições trabalhistas e inclusive, ao aumento da criminalidade (Tolfo & cols., 2005). E esta foi a solução encontrada por João ao almejar sua sobrevivência, pois frente ao cenário de trabalho, decidiu ser novamente bandido, optando pela vida no universo do crime em detrimento da busca pela inserção no âmbito do trabalho.

Santo Cristo vê o porte de uma arma como possibilidade de atuação no mundo e sobre as condições que ameaçavam sua integridade física e moral. Para ele a arma representava um meio de alterar sua realidade e agir contra as situações impostas socialmente, rompendo com a resignação e impotência. Como até mesmo o universo do crime encontra-se permeado pela realidade contemporânea de concorrência e competitividade, o personagem João de Santo Cristo precisa lidar então com a presença do concorrente Jeremias, "traficante de renome" que "apareceu por lá" e "decidiu que com João ele ia acabar", o que reafirma a sua necessidade de armar-se e preparar-se para uma disputa de poder.

Ao analisar o papel das relações sociais cotidianas na constituição dos processos identitários, Coutinho (1999) aponta a participação do poder neste processo, pois cada indivíduo possui e apresenta-o, em maior ou menor grau, de acordo com o local assumido na esfera social, utilizando-o "para se impor como diferente na relação com o outro" (Coutinho, 1999, p.33-34). Santo Cristo procurava colocar-se como diferente de seu rival, devido ao papel e às ações que cada um exercia naquele contexto, onde Jeremias era considerado "maconheiro sem-vergonha" e "desvirginava mocinhas inocentes e dizia que era crente, mas não sabia rezar".

Apesar de viver na criminalidade, João evitava determinados aspectos dessa identidade, uma vez que não almejava tornar-se um assassino, pois mesmo quando "Pablo trouxe uma Winchester 22 e Santo Cristo já sabia atirar", ele "decidiu usar a arma só depois que Jeremias começasse a brigar". Neste sentido, cabe observar que, mesmo na criminalidade, João não abria mão de certos valores, usando a arma dentro de critérios, considerados justos por ele. Porém, a arma não perde seu caráter de objeto de poder, sendo que mesmo sem utilizá-la, ela pode representar uma ameaça ou ferramenta de coerção, auxiliando-o na diferenciação e supremacia sobre os demais.

O poder, portanto, é considerado uma prática social, construída histórica e culturalmente, pela multiplicidade e variedade, não estando restrito a uma área apenas, mas abrangendo de forma dinâmica e não linear, todos os sujeitos e âmbitos sociais. (Foucault, 1979). Deste modo, ele rompe fronteiras de tempo e espaço, tende a assumir várias faces e integrar grupos variados, intervindo nas relações de modo substancial. O grau de poder que o sujeito apresenta, portanto, encontra-se em consonância com uma série de aspectos, entre eles a função e a posição que o indivíduo ocupa na rede organizacional, bem como o contexto onde encontra-se inserido, o que implica de forma abissal sobre o desenvolvimento de sua identidade.

As relações de poder e as implicações da objetividade para a subjetividade e construção da identidade, aparecem novamente e de modo decisivo na história de Santo Cristo quando ele descobre que "com Maria Lúcia Jeremias se casou e um filho nela ele fez". Em decorrência disso, sua identidade sofre transformações marcantes, que podem ser observadas no momento em que "chegando em casa então ele chorou" e "Santo Cristo era só ódio por dentro". De acordo com Ciampa (1987), há uma coexistência dialética entre permanência e transformação, mesmice e "vir a ser", igualdade e diferença, uno e múltiplo, onde estes pólos contrários convivem e compõem um mesmo sujeito de modo contínuo. Os fatores paradoxais constituintes da identidade podem ser percebidos nesta etapa da vida do personagem, pois devido à situação vivenciada ele modifica-se, mas não deixa de contemplar as características construídas ao longo de sua história.

A participação que a coletividade exerce neste processo é acentuada, pois há um significado atribuído socialmente à traição, o qual pressupõe a necessidade de vingança, de "lavar a honra", o que faz com que Santo Cristo busque uma retaliação, quando "Jeremias pra um duelo ele chamou". Este fato aponta o aspecto uno e múltiplo da identidade, uma vez que o personagem, em sua singularidade, segue padrões ditados pelo seu contexto.

A emoção também exerce papel fundamental nesse processo de constituição identitária, ao fazer parte do ser humano, englobando-o como um todo e implicando sobre o desenvolvimento de suas ações, de acordo com o sentido que atribui aos acontecimentos (Maheirie, 2002). Assim, devido ao significado social da traição aliado ao seu sofrimento pessoal, o personagem age tomado pela raiva e pela tristeza, buscando alterar sua situação através do duelo e não refletindo sobre outras possibilidades de atuação. Este fato modifica seu projeto e altera novamente sua identidade, uma vez que ele precisa lidar com os resultados de suas atitudes.

A proposta do duelo, portanto, foi feita em um momento onde a emoção permeava fortemente as decisões de João. Mas ao perceber as possíveis conseqüências desse ato, ele sente-se confuso, pois isso vai contra a identidade construída até então, na qual ele evitava tornar-se um assassino. No momento do duelo, João e Jeremias - "um homem que atirava pelas costas e acertou o Santo Cristo e começou a sorrir" -, exemplificam como os valores e julgamentos sociais encontram-se presentes nas ações desempenhadas pelos sujeitos, que se apropriam de modo singular destas regras, apresentando comportamentos diferentes nas mesmas situações. Assim, ao duelar, Santo Cristo seguiu as normas culturais relacionadas à coragem, honra e honestidade, ao passo que Jeremias desconsiderou estes pressupostos, procurando salvar a si mesmo, sem preocupar-se com opiniões alheias.

Um dos aspectos constituintes da identidade é a questão de gênero, a qual atribui socialmente características que os sujeitos de cada sexo devem ser apresentar, de acordo com as diferentes culturas (Lago, 1999). Deste modo, os conceitos de masculino e feminino são definidos a partir de valores, padrões e funções diferenciados. As palavras de Santo Cristo refletem esta concepção, ao afirmar "- Jeremias eu sou homem coisa que você não é e não atiro pelas costas não". Percebe-se aqui a atribuição de valores morais ao gênero masculino, os quais ditam regras específicas que definem os atributos necessários para ser considerado homem, relacionando-os à coragem, força, honra, honestidade e bravura.

O caráter paradoxal da identidade destaca-se na relação de Santo Cristo com as regras impostas socialmente, pois ao entrar na criminalidade, ele vai contra as normas estabelecidas pelo meio, mas concomitantemente procura seguir alguns valores e padrões ditados por este âmbito. Isto é perceptível em vários momentos, na sua postura ao rejeitar a proposta do "senhor de alta classe", ao procurar exercer uma profissão considerada honesta, querer casar-se e constituir uma família, bem como durante o duelo. A identidade contempla assim, conceitos opostos e iguais, sendo dialeticamente construída no conflito e no consenso.

De acordo com Ciampa (1981), a identidade constitui-se por uma miríade de `modos de ser', pois em função do momento, do local e daquilo que o sujeito realiza ao atuar no mundo, ele se posiciona e se identifica de maneiras diferentes. Assim, Santo Cristo era filho, bandido, carpinteiro, traficante, amigo, presidiário, namorado, pois embora constitua uma totalidade, ele irá manifestar-se de determinada forma tendo em vista os aspectos múltiplos que compõem sua realidade e seu modo de ser e estar no mundo. Desta forma, ora certas nuances da sua identidade são mais perceptíveis, ora outras adquirem ênfase especial.

Momentos antes de sua morte, João "se lembrou de quando era uma criança e de tudo que vivera até ali, e decidiu entrar de vez naquela dança. - Se a via-crúcis virou circo estou aqui". Neste instante ele resgata sua trajetória de vida, os vários `modos de ser' que assumiu neste processo, o sofrimento vivenciado (via-crúcis) e seu movimento no mundo até o presente, no qual sua morte iminente era observada e alardeada como um espetáculo.

Ciampa (1987, p.198) afirma que "a concretude da identidade é a sua temporalidade: passado, presente e futuro". Assim, João concretiza a sua identidade ao contemplar seu passado, tudo que vivenciou até chegar o momento presente, percebendo o havia feito no decorrer de sua vida e o futuro que o aguardava, onde depois de tanta luta, a morte era inevitável. Então decidiu matar Jeremias, constituindo-se finalmente como um assassino, pois não tinha mais nada a perder e nenhum objetivo pelo qual lutar. De acordo com o autor, os sujeitos identificam-se em função dos atos realizados concretamente, deste modo, "Santo Cristo com a Winchester-22 deu cinco tiros no bandido traidor, Maria Lúcia se arrependeu depois e morreu junto com João, seu protetor".

Esse desfecho da história, bem como toda a trajetória do personagem, apesar de fictício, contempla o final de muitas histórias reais, nas quais os sujeitos vivenciam uma situação de exclusão, miséria, sofrimento e morte, não conseguindo atuar sobre as suas condições de existência, desenvolver sua identidade de modo diferenciado e muito menos alcançar os objetivos de seu projeto. Santo Cristo ilustra essa realidade, pois no final da música aparece mais declaradamente seu objetivo não alcançado, o que conduziu sua vinda para a cidade grande, embasado naquilo que vivenciou durante sua trajetória, afinal, "João não conseguiu o que queria quando veio pra Brasília, com o diabo ter. Ele queria era falar pro presidente, pra ajudar toda essa gente que só faz sofrer".

 

Considerações finais

A análise introdutória e ensaística do personagem João de Santo Cristo permite uma compreensão mais ampla do tema identidade, abrangendo também os conceitos trabalho e projeto, e sua relação. A discussão desses tópicos, embasada na história de vida do personagem, possibilita uma visualização de como esses pressupostos teóricos concretizam-se na vida cotidiana dos sujeitos, através de atos, vivências e relações, demonstrando o movimento do indivíduo no decorrer de sua história e seus modos de constituição nesse processo.

A música Faroeste Caboclo constitui-se como uma produção cultural que apresenta uma trajetória de vida cujas características são similares às vivenciadas cotidianamente no contexto contemporâneo. Deste modo, a relação indissociável entre objetividade e subjetividade no desenvolvimento da identidade humana é claramente perceptível no movimento do personagem, constituindo uma espiral dinâmica, ininterrupta, construída e reconstruída, unificando a sociedade, a cultura e o sujeito em um processo de mútua edificação. A identidade contempla assim, visões e caráter antagônicos, paradoxais, possuindo duplas dimensões entre unidade/pluralidade, transformação/permanência, igualdade/diferença, sendo que um aspecto não anula o outro, pois não são excludentes, mas complementares e simultâneos. Ela não pode, portanto, ser dicotomizada, pois concomitante ao seu movimento de transformação há a afirmação e manutenção de determinados modos de ser e estar no mundo.

A importância e a abrangência do trabalho no desenvolvimento da identidade apresentam-se também de maneira freqüente ao longo da vida de Santo Cristo, pois cada atividade realizada lhe conferia um modo diferente de ser. Assim, ele buscava alterações em sua realidade, movendo-se em direção aos seus projetos de acordo com as possibilidades que percebia, constituindo-se nesse processo de atuação. Pela elaboração do projeto, ele traçava metas para sua vida e praticava ações nesse sentido, contemplando a estreita relação entre sujeito, trabalho e sociedade.

Considerando que o sujeito está inserido em uma realidade dialeticamente construída, constituindo-se também desta forma, a identidade passa a ser considerada, como a intersecção entre a objetividade e aspectos subjetivos, resultando assim, em uma síntese inacabada entre estes dois âmbitos (Maheirie, 2002). No decorrer da vida do personagem é possível identificar esse movimento, pois percebe-se o quanto a concretude vivenciada é constituinte de sua singularidade, pois o produto desse processo abrange aquilo que ele é e faz de modo contínuo, ao tornar-se também autor de sua própria existência.

O cenário contemporâneo e as condições de vida e trabalho por ele ofertadas, também são desenvolvidas neste processo analítico, tendo em vista a amplitude de suas implicações sobre o projeto do sujeito e sobre a constituição de sua identidade, uma vez que trazem em seu bojo mudanças profundas e significativas, resultantes em adaptações e vivências diferenciadas às novas formas e modos de trabalhar e produzir sua existência. Assim, à luz das teorias que tratam do assunto, buscou-se verificar como Santo Cristo constituía sua identidade inserido neste contexto distinto, marcado pela complexidade, multiplicidade e diversidade.

O sentido de identidade como metamorfose descrita por Ciampa (1987) em sua análise anterior sobre o tema, é, portanto, contemplado nesse esboço e em suas considerações, articulando-o com os conceitos de trabalho e projeto, os quais são profundamente constituintes da identidade do sujeito. Destaca-se, porém, que a complexidade existente no conceito de identidade aponta a necessidade de estudos e análises contínuos e abrangentes, visando à compreensão da constituição do sujeito nesse movimento constante, caracterizado pela unidade entre pólos opostos, o que resulta em um eterno paradoxo.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: andresasc@yahoo.com.br

Recebido em julho de 2007
Aceito em janeiro de 2008

 

 

* Andresa Jaqueline Toassi: psicóloga; mestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
** Michele Caroline Stolf: psicóloga; mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
*** Maria Chalfin Coutinho: psicóloga; doutora em Ciências Sociais (Unicamp); professora do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.
**** Dulce Helena Penna Soares: doutora em Psicologia Clínica (Universidade Louis Pasteur, França); professora Adjunta IV de graduação e pós- graduação da Universidade Federal de Santa Catarina; coordenadora do Laboratório de Informação Profissional LIOP/UFSC.
1 A obra de Ciampa (1987) intitulada "A estória do Severino e a história da Severina", já discutia o conceito de identidade com base no personagem de um poema e na história de vida de uma mulher, mostrando as similaridades entre ficção e realidade.
2 Ao longo do texto, os itens formatados em itálico e entre aspas, referem-se a trechos copiados na íntegra da letra da música Faroeste Caboclo. Ver letra completa desta música ao final deste texto.

 

 

Anexo

Letra da Música

Faroeste Caboclo
Legião Urbana
Composição: Renato Russo

- Não tinha medo o tal João de Santo Cristo,
Era o que todos diziam quando ele se perdeu.
Deixou pra trás todo o marasmo da fazenda
Só pra sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu.
Quando criança só pensava em ser bandido,
Ainda mais quando com um tiro de soldado o pai morreu
Era o terror da sercania onde morava
E na escola até o professor com ele aprendeu.

Ia pra igreja só prá roubar o dinheiro
Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar.
Sentia mesmo que era mesmo diferente
Sentia que aquilo ali não era o seu lugar
Ele queria sair para ver o mar
E as coisas que ele via na televisão
Juntou dinheiro para poder viajar

E de escolha própria, escolheu a solidão
Comia todas as menininhas da cidade
De tanto brincar de médico, aos doze era professor.
Aos quinze, foi mandado para o reformatório
Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror.

Não entendia como a vida funcionava -
Descriminação por causa da sua classe ou sua cor
Ficou cansado de tentar achar resposta
E comprou uma passagem, foi direto a Salvador.

E lá chegando foi tomar um cafezinho
E encontrou um boiadeiro com quem foi falar
E o boiadeiro tinha uma passagem e ia perder a viagem
Mas João foi lhe salvar.
Dizia ele: - Estou indo pra Brasília,
Neste país lugar melhor não há.
Estou precisando visitar a minha filha
Então fico aqui e você vai no meu lugar.

E João aceitou sua proposta e num ônibus entrou no Planalto Central
Ele ficou bestificado com a cidade
Saindo da rodoviária, viu as luzes de Natal.
- Meu Deus,mas que cidade linda,
No ano-novo eu começo a trabalhar.
Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro
Ganhava cem mil por mês em Taguatinga.

Na sexta feira ia pra zona da cidade
Gastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhador
E conhecia muita gente interessante
Até um neto bastardo do seu bisavô:
Um peruano que vivia na Bolívia
E muitas coisas trazia de lá
Seu nome era Pablo e ele dizia
Que um negócio ele ia começar.

E Santo Cristo até a morte trabalhava
Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar
E ouvia às sete horas o noticiário
Que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar
Mas ele não queria mais conversa e decidiu que,
Como Pablo, ele ia se virar
Elaborou mais uma vez seu plano santo
E, sem ser crucificado, a plantação foi começar.
Logo logo os maluco da cidade souberam da novidade:
- Tem bagulho bom ai!
E João de Santo Cristo ficou rico
E acabou com todos os traficantes dali.
Fez amigos, freqüentava a Asa Norte
E ia prá festa de rock, prá se libertar
Mas de repente
Sob uma má influência dos boyzinho da cidade
Começou a roubar.

Já no primeiro roubo ele dançou
E pro inferno ele foi pela primeira vez
Violência e estupro do seu corpo
- Vocês vão ver, eu vou pegar vocês.

Agora Santo Cristo era bandido
Destemido e temido no Distrito Federal.
Não tinha nenhum medo de polícia
Capitão ou traficante, playboy ou general.
Foi quando conheceu uma menina
E de todos os seus pecados ele se arrependeu.
Maria Lúcia era uma menina linda
E o coração dele
Pra ela o Santo Cristo prometeu
Ele dizia que queria se casar
E carpinteiro ele voltou a ser
- Maria Lúcia pra sempre eu vou te amar
E um filho com você eu quero ter.

O tempo passa e um dia vem à porta um senhor de alta classe com dinheiro na mão
E ele faz uma proposta indecorosa e diz que espera uma resposta.
Uma resposta de João:
- Não boto bomba em banca de jornal nem em colégio de criança
Isso eu não faço não
E não protejo general de dez estrelas, que fica atrás da mesa
Com o cú na mão.
E é melhor o senhor sair da minha casa
Nunca brinque com um Peixes de ascendente Escorpião.
Mas antes de sair, com ódio no olhar, o velho disse:
- Você perdeu a sua vida, meu irmão.

Você perdeu a sua vida meu irmão. Você perdeu a sua vida meu irmão
Essas palavras vão entrar no coração
E eu vou sofrer as conseqüências como um cão.
Não é que o Santo Cristo estava certo
E seu futuro era incerto e ele não foi trabalhar
Se embebedou e no meio da bebedeira descobriu que tinha outro
Trabalhando em seu lugar
Falou com Pablo que queria um parceiro
E também tinha dinheiro e queria se armar
Pablo trazia o contrabando da Bolívia e Santo Cristo revendia em Planaltina.

Mas acontece que um tal de Jeremias, traficante de renome,
Apareceu por lá
Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo
E decidiu que, com João ele ia acabar.
Mas Pablo trouxe uma Winchester-22
E Santo Cristo já sabia atirar
E decidiu usar a arma só depois
Que o Jeremias começasse a brigar.

(O Jeremias, maconheiro sem-vergonha, organizou a Rockonha
E fez todo mundo dançar.)

Desvirginava mocinhas inocentes
E dizia que era crente mas não sabia rezar.

E Santo Cristo há muito não ia pra casa
E a saudade começou a apertar
- Eu vou embora, eu vou ver Maria Lúcia
Já está em tempo da gente se casar.

Chegando em casa então ele chorou
E pro inferno ele foi pela segunda vez
Com Maria Lúcia Jeremias se casou
E um filho nela ele fez.
Santo Cristo era só ódio por dentro e então o Jeremias pra um duelo ele chamou
Amanhã às duas horas na Ceilândia, em frente ao lote 14, é pra lá que eu vou

E você pode escolher as suas armas que eu acabo mesmo com você, seu porco traidor
E mato também Maria Lúcia, aquela menina falsa pra quem jurei o meu amor

Santo Cristo não sabia o que fazer
Quando viu o repórter da televisão
Que deu notícia do duelo na TV
Dizendo a hora o local e a razão.

No sábado então, às duas horas, todo o povo
Sem demora foi lá só para assistir
Um homem que atirava pelas costas e acertou o Santo Cristo
Começou a sorrir.
Sentindo o sangue na garganta,
João olhou pras bandeirinhas e pro povo a aplaudir
E olhou pro sorveteiro e pras câmeras e
A gente da TV que filmava tudo ali.

E se lembrou de quando era uma criança e de tudo o que vivera até ali
E decidiu entrar de vez naquela dança
- Se a via-crucis virou circo, estou aqui.

E nisso o sol cegou seus olhos e então Maria Lúcia ele reconheceu.
Ela trazia a Winchester-22
A arma que seu primo Pablo lhe deu.

- Jeremias, eu sou homem. coisa que você não é.
E não atiro pelas costas não.
Olha pra cá filha-da-puta, sem-vergonha,
Dá uma olhada no meu sangue
E vem sentir o teu perdão.

E Santo Cristo com a Winchester-22
Deu cinco tiros no bandido traidor
Maria Lúcia se arrependeu depois
E morreu junto com João, seu protetor.

E o povo declarava que João de Santo Cristo era santo porque sabia morrer
E a alta burguesia da cidade não acreditou na estória que eles viram na TV
E João não conseguiu o que queria quando veio pra Brasília, com o diabo ter
Ele queria era falar pro presidente,
Pra ajudar toda essa gente
Que só faz sofrer

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