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Itinerários de Leituras

Lisboa - Rio de Janeiro - Fortaleza

Os caminhos da coleção Biblioteca do Povo e das Escolas traçados por David Corazzi, Francisco Alves e Gualter Rodrigues
Lisbon - Rio de Janeiro - Fortaleza: the paths of the collection "Biblioteca do Povo e das Escolas" on the hands of David Corazzi, Francisco Alves and Gualter Rodrigues
Giselle Martins Venâncio
p. 185-204

Resumos

O presente texto refere-se à trajetória de três homens. Eles nasceram na mesma época, mas viveram cada um em uma cidade distinta. Um morava em Fortaleza, no Ceará, outro em Lisboa e o terceiro no Rio de Janeiro. O que os unia? Livros. Os três tiveram suas vidas marcadas pela edição, impressão e comercialização de livros e relacionadas, particularmente, pela publicação de uma coleção de livros: a Biblioteca do Povo e das Escolas. É dessa coleção e de como ela se associa à vida desses três homens que este texto trata. É urna história que liga Lisboa, Rio de Janeiro e Fortaleza e que mostra que ainda há muito a se descobrir e percorrer nos caminhos dos livros no século XIX.

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Texto integral

1A história que vai ser contada aqui narra a trajetória de três homens. Eles nasceram na mesma época mas viveram cada um em uma cidade distinta. Um morava em Fortaleza, no Ceará, outro em Lisboa e o terceiro no Rio de Janeiro. O que os unia? Livros. Os três tiveram suas vidas marcadas pela edição, impressão e comercialização de livros e relacionadas, particularmente, pela publicação e comercialização de uma coleção de livros: a Biblioteca do Povo e das Escolas. É dessa coleção e de como ela se associa à vida desses três homens que esse texto trata. É uma história que liga Lisboa, Rio de Janeiro e Fortaleza e que mostra que ainda há muito a se descobrir e percorrer nos caminhos dos livros no século XIX.

Era uma vez um livreiro cearense: Gualter Rodrigues da Silva ...

2Gualter Rodrigues da Silva chegou a Fortaleza, vindo de Quixeramobim onde nasceu, provavelmente, em 1865, data que consta de sua matrícula como aluno do Liceu do Ceará.

  • 1 Almir Leal de Oliveira. "Universo letrado em Fortaleza na década de 1870". In: Simone de Souza e Fr (...)
  • 2 Anibal Bragança estabelece uma tipologia dos agentes do mercado editorial brasileiro. Ele considera (...)

3O Liceu, estabelecimento educacional fundado em 1845, tinha como objetivo educar os rapazes cearenses principalmente os filhos da elite da Província. A criação do Liceu estabeleceu os parâmetros iniciais da formação intelectual da elite local, possibilitando a ampliação do ingresso e participação de seus membros no universo da política provincial e mesmo imperial.1 É certo que no momento em que Gualter tornou-se aluno do Liceu o número de alunos matriculados no estabelecimento decrescia visto que a maior parte dos pais que podia pagar dava preferência às escolas privadas que vinham sendo criadas na cidade. A culpa pelo esvaziamento do estabelecimento público recaía no sistema de ensino que tinha um caráter seriado e de duração considerada muito longa: de cinco a seis anos. Além disso, nas novas escolas privadas, como o Atheneu Cearense inaugurado em 1863, havia o regime de internato, o que facilitava o atendimento aos alunos que vinham do interior da Província. Mas apesar do esvaziamento em termos quantitativos, o Liceu permaneceu como referência inconteste na formação das elites cearenses ao longo do século XIX. Lá, provavelmente, Gualter começou a urdir uma rede de sociabilidade que lhe seria bastante útil durante sua vida profissional e a construir sua auto-representação como livreiro-impressor-editor.2

  • 3 Celeste Cordeiro. "O Ceará na segunda metade do século XIX". In: Simone de Souza. A nova história d (...)

4No momento em que Gualter ainda se sentava nos bancos escolares do Liceu, a cidade de Fortaleza possuía pouquíssimos estabelecimentos comerciais que pudessem ser reconhecidos como livrarias. Celeste Cordeiro3 afirma que a primeira livraria da cidade foi criada pelo comerciante português Manuel Antonio da Rocha Junior, em 1849, mas essa data e esse estabelecimento não são reconhecidos por todos os autores como pioneiros do comércio livreiro. Há quem afirme que esse comércio foi fundado por Antonio Ildefonso de Araújo que, em 1856, estabeleceu-se num velho sobrado, na Praça do Ferreira, ao lado da Intendência Municipal. A livraria funcionava

  • 4 GIRÃO, Raimundo e SOUSA, Maria da Conceição. Dicionário da Literatura Cearense. Fortaleza: Imprensa (...)

"(...) num prédio de três portas de frente, no qual ele levantou prateleiras e um pequeno balcão e distribuiu oadeiras no recinto, num de cujos lados estava uma mesa, sobre a qual espalhava papel, caneta e tinta, blocos para telegramas e catálogos de livrarias brasileiras e de outros países, transformando assim o ambiente num centro de interesse dos intelectuais da terra. Folheando os catálogos, estes iam encomendando, por seu intermédio, os livros desejados".4

5Embora possuíssem catálogos de diversas livrarias e possibilitassem aos leitores locais a compra de livros, esses estabelecimentos não se destinavam exclusivamente à venda de livros. Eram, ao contrário, locais de comércio de produtos variados. Assim também foram as livrarias inauguradas ao longo dos anos 80 dos oitocentos, quando houve uma maior expansão do comércio livreiro em Fortaleza. Entre essas estavam as casas comerciais daqueles que viriam a ser reconhecidos como os dois maiores livreiros da cidade no século XIX: Joaquim José de Oliveira e Gualter Rodrigues Silva, este último um dos principais personagens da história aqui narrada.

6Suas livrarias, bem como as demais existentes nesse período em Fortaleza, faziam publicar nos principais jornais anúncios nos quais proclamavam os produtos vendidos. Através de tais anúncios, pode-se notar que esses estabelecimentos vendiam periódicos como a Gazeta Jurídica, a Revista Jurídica, a Correspondência de Portugal, O Cultivador, entre outros. Num reclame no jornal O Cearense, Joaquim José de Oliveira chegava a afirmar que poderia encarregar-se de quaisquer jornais de outra província, assim como da Europa, mediante, claro, "módica comissão".

  • 5 Em 4 de abril de 1872, no jornal Pedro II, músicas novas eram mencionadas como recém chegadas no úl (...)
  • 6 Em 28 de maio de 1872, no jornal Pedro II, o mesmo livreiro anunciava: "bonitos álbuns para retrato (...)

7Além dos jornais e revistas, eles anunciavam também outros produtos como as "famosas tintas Monteiro", para as quais a livraria Oliveira era o único depósito da província. "Folhinhas" contendo abordagens sobre os mais variados assuntos, religiosos, anedóticos, comerciais, de guerras e outros tantos. E ainda partituras musicais,5 álbuns para retratos e materiais de escritórios.6

8Além dos anúncios de jornais, a variedade de mercadorias presente nos estabelecimentos comerciais desses livreiros pode ser investigada por meio de seus inventários que se encontram depositados no Arquivo Público do Estado do Ceará e cuja leitura permite que se tenha claramente um dimensionamento da composição e acervo de uma livraria em fins do século XIX.

9Os inventários de Alexandrina de Oliveira – esposa de Joaquim José de Oliveira – e Gualter Silva são datados, respectivamente, de 1870 e 1892. Nesses documentos há, além de livros, uma relação de materiais para escritórios e escolas, evidenciando o ecletismo e amplo âmbito de atuação dessas casas comerciais. Na lista de produtos postos a venda, estão presentes mercadorias como "Água Balsâmica para dentes de montonac", "Água de toilette phenicado do Dr. Lamaire", "Ácido carbosótico", "Pílulas de Santa Maria", "Pomada Rondesicus", "Sabão de Alcatrão", "Pomada Mágica" e "Pós Dentifrícios".

10Muitas gravuras também compunham as prateleiras das livrarias. Havia retratos de eminentes religiosos e políticos, e quadros importantes, representando, algumas vezes, acontecimentos históricos.

  • 7 Maria Beatriz Nizza da Silva. "História da leitura luso-brasileira: balanços e perspectivas". In: M (...)

11O fato dos livreiros da cidade negociarem uma extensa variedade de produtos parece seguir uma tradição que já vinha de longa data. Segundo Maria Beatriz Nizza da Silva, desde o período colonial o comércio de livros, no Brasil, "(...) extravasava o grupo restrito dos livreiros (organizados ou não em corporações) para se concentrar nas mãos daqueles que negociavam com vários tipos de mercadorias".7 Na opinião dessa mesma autora, a chegada da corte ao Rio de Janeiro marcou um momento de transformação, significando uma maior especialização do comércio livreiro nessa cidade. Mas este não parece ter sido o destino dos comerciantes das Províncias. Ao menos na Província do Ceará, bastante distante da corte, os comerciantes de livros continuaram dedicando-se, ao longo de todo o século XIX, ao comércio de mercadorias variadas.

12Se por um lado, o comércio de livros na Província do Ceará e, particularmente, em Fortaleza, era pouco especializado, por outro, essa posição de vendedores e importadores de produtos diversos propiciava aos livreiros da cidade contato com outros grandes comerciantes, ao mesmo tempo em que os colocava em íntima relação com professores, profissionais liberais e intelectuais. A visão comercial, aliada aos laços de amizade urdidos com "pessoas ilustres" da época, tornava bem sucedidos os negócios dos livreiros-impressores e editores.

  • 8 Anibal Bragança chama a atenção para o fato de que as relações de amizade entre editores e pessoas (...)

13Gualter Rodrigues Silva construiu assim, em torno de si, uma rede de amigos que o levou a ocupar um lugar de destaque na sociedade fortalezense. Na festa de inauguração de sua chácara, em 1888, é possível perceber a rede de sociabilidade tecida por esse livreiro. A foto, tirada no momento da festa, revela a relação estabelecida com intelectuais, políticos e comerciantes locais do período. Verifica-se, na imagem, a presença do presidente da província, Caio Prado, além de literatos como Antônio Sales, Antônio Martins, Antônio Bezerra, Oliveira Paiva, João Lopes e o maestro Alberto Nepomuceno, denunciando que livreiros-impressores buscavam, através de laços de amizade, construir "boas relações para ter privilégios e permissões".8

  • 9 Henrique Sérgio de Araújo Batista. Assim na morte como na vida. Arte e sociedade no cemitério São J (...)

14Assim, os livreiros da cidade estabeleciam uma prática que os colocava entre os mais importantes representantes do comércio local, bem como elaborava uma auto-representação que os inseria como membros participantes dos grupos intelectuais da época. A construção dessa representação dos livreiros como intelectuais e homens de letras foi reforçada, no caso do Gualter, quando, por ocasião de sua morte, sua família optou por ornamentar seu túmulo com livros. Este foi considerado por um estudioso do tema, "(...) o mais significativo jazigo do [cemitério] São João Batista, com as características de uma cruz fincada em um monte de pedras, adornada por livros (…)".9

15A construção dessa representação se dava também e, principalmente, por meio da ação empreendida pelos próprios livreiros, no sentido de sugerir aos leitores o que se podia considerar a "boa leitura", inserido-se, assim, no esforço "civilizador" e educacional que se processava na Província do Ceará, na segunda metade do século XIX. Pelos anúncios de jornais, pode-se perceber o desejo desses agentes de guiar "seus" leitores de forma a fazê-los perceber que sua ação era imprescindível, uma vez que eram eles os mais aptos a indicar leituras que seriam fundamentais para a formação de intelectuais eruditos. Os anunciantes procuravam criar vínculos e uma proximidade com os leitores, objetivando estruturar um sentimento de reciprocidade em que o cerne seria a lealdade. Havia uma tentativa de construção de uma maior intimidade que visava consolidar a cumplicidade presente, por exemplo, nas preocupações com a idoneidade de quem escrevia os livros destinados tanto aos leitores como a seus filhos.

16Os livreiros viam a necessidade de, para determinadas obras, mencionar a legitimidade ou oficialidade que atestava a qualidade e responsabilidade dos textos apresentados, corroborando, então, com um perfil honesto, responsável e leal dos comerciantes de livros. Em um anúncio, no dia 25 de março de 1874, o jornal O Cearense propagava o livro de lições práticas de ortografia escrito pelo professor J. Matta Araújo. No texto, chamava-se a atenção para o fato de a obra ter sido aprovada pelos Conselhos de Instrução Pública da Corte, de Pernambuco e do Ceará, e que ela seria adotada pelo governo provincial para as escolas de ensino primário. O anúncio exibia um trecho destacado no qual dizia: "... Há muito sentião as aulas falta deste livrinho". Mais uma vez é perceptível a tentativa desses comerciantes de se posicionarem como indivíduos capazes de orientar as leituras de seus fregueses assim como a íntima relação que possuía grande parte dos títulos, em circulação na cidade, com as leituras exigidas pelos programas escolares, daí o fato dos livreiros, constantemente, fazerem anunciar a qualidade moral e educacional de seus produtos.

17Assim como os demais livreiros, Gualter Silva também fazia questão de possuir, em seu acervo, livros educativos e instrutivos. No rol de títulos que compõe o seu inventário, podemos encontrar diversos exemplos de livros escolares ou destinados, de forma mais ampla, à instrução popular. Entre esses, destacam-se os livros de uma colecção portuguesa que se auto-definia como "a propaganda de instrução para portugueses e brasileiros". Essa coleção, intitulada Biblioteca do Povo e das Escolas, começou a ser publicada no ano de 1881 por uma editora portuguesa chamada David Corazzi, e caracterizava­-se por ser composta exclusivamente de livros de divulgação científica.

... e uma coleção de livros...

  • 10 A respeito da publicação de coleções populares na Europa ao longo do século XIX, ver Isabelle Olive (...)

18No inventário do livreiro Gualter, que data de 1892, são listados 38 títulos da coleção Biblioteca do Povo e das Escolas, num total de 1415 exemplares presentes na livraria cearense. Os livros postos à venda seguiam uma tendência do mercado editorial europeu da época que buscava expandir o número de leitores através da criação de coleções populares. Instrumentos de vulgarização científica, esses livros inseriam-se no grande fenômeno editorial europeu, do século XIX: coleções10 voltadas principalmente para um público mais abrangente e menos erudito.

  • 11 Jean Yves Mollier. "L'évolution du système editorial français depuis l'Enciclopedie de Diderot". In (...)

19A criação de coleções na Europa, nesse momento, inclui-se no processo de afirmação da figura moderna do grande editor que se distinguia dos livreiros e impressores. As coleções criadas pelas casas editoriais européias podem ser consideradas o principal instrumento de afirmação do poder dos editores marcando uma verdadeira ruptura no processo de publicação de livros desenvolvido até então. A criação de coleções populares foi, justamente, o que permitiu aos editores o estabelecimento de um comando editorial através do qual eles passaram a estabelecer as normas do mercado. Na organização das coleções, os editores mudaram sua ação, deixando de comprar manuscritos propostos pelos autores, e passando, por meio de uma produção planificada, metódica e racional, a solicitar e fazer com que os autores produzissem textos que atendessem aos seus interesses. Por esse motivo, Jean Yves Mollier considera que a criação das coleções foi uma das chaves do sucesso da autonomização dos editores.11

20Entre as coleções portáteis e baratas criadas pelos editores europeus do século XIX, destacava-se um tipo que se tornou bastante comum: as coleções de divulgação científica. Essas surgiram com o objetivo de promover a vulgarização dos conhecimentos científicos para o maior número possível de pessoas. Acreditava-se que os livros dessas coleções deveriam ser concisos e pouco volumosos mas teriam que conter o essencial do que havia sido produzido pelos conhecimentos humanos e ser, pelo seu preço, acessível a todos.

  • 12 Isabelle Olivero. op.cit. p. 29.
  • 13 Idem.

21Para que a produção desses livros baratos fosse economicamente interessante para os editores, ela deveria basear-se em grandes tiragens e todos os aspectos dos livros teriam que ser "desprovidos de pretensões".12 As coleções deveriam ser compostas por livros não "(...) apenas de bom mercado, mas o melhor mercado possível (..) onde todos os detalhes manifestassem economia".13 Esse aspecto – do baixo custo – orientava escolhas estéticas e editoriais como tipo de papel, uniformidade da capa, similaridade entre os volumes, tiragem e periodicidade da publicação. Tal aspecto, finalmente, determinava o caráter popular das coleções que visavam conquistar um público amplo.

  • 14 Manuela Domingos assinala que a Biblioteca do povo e das escolas só cumpriu a periodicidade quinzen (...)
  • 15 Jorge Carvalho do Nascimento. "Nota prévia sobre a palavra impressa no Brasil do século XIX: a bibl (...)
  • 16 É importante considerar, a título de comparação, que um jornal como O Cearense era vendido, nessa m (...)

22A Biblioteca do Povo e das Escolas obedecia ao modelo de coleção de vulgarização científica citado acima. Seus volumes – ao menos nos primeiros anos14 – eram publicados, com regularidade quinzenal, nos dias 10 e 25 de cada mês,15 em idêntico formato 15,5X 10cm e possuíam rigorosamente 64 páginas. As capas eram perfeitamente iguais e os volumes eram impressos em papel barato. Para completar o aspecto econômico dos livros eles portavam na capa o preço de cada exemplar: 50 réis.16

  • 17 Jorge Carvalho do Nascimento. op. cit. p. 13.

23Para compensar um preço unitário tão baixo, a Biblioteca do Povo e das Escolas foi publicada com uma tiragem inicial de seis mil exemplares, passando, a partir do terceiro volume, para 12 mil exemplares, e, saltando, no volume 10, para 15 mil exemplares.17

  • 18 Isabelle Olivero. op.cit. p. 16.

24Seguindo também uma tendência do mercado editorial da época, a coleção era intitulada Biblioteca. Isabelle Olivero aponta que, apesar da utilização do termo biblioteca para definir uma coleção ser bastante antiga na Europa, é, somente, no século XIX que ele adquire o sentido de coleção como a compreendemos hoje, consagrando o papel do editor e sua estratégia editorial. Desde o século XVII até os primeiros anos do século XX, o termo biblioteca designava uma coleção composta da reedição de textos já publicados. É no Dictionnaire Universel, no século XIX, que o termo ganha a definição de uma coleção de obras publicadas por uma casa editorial possuindo características comuns. Passa-se, segundo a citada autora, "da idéia de uma compilação de diversos autores para aquela de se seriar obras reagrupadas para um leitor particular, um conjunto adequado escolhido na totalidade dos livros disponíveis".18

  • 19 Manuela Domingos destaca o fato da editora David Corazzi possuir uma extensa rede de distribuição d (...)

25A Biblioteca do Povo e das Escolas tinha um público leitor claramente definido. Era uma coleção popular. Era essa estratégia editorial, previamente determinada, que conformava todos os aspectos da coleção: da escolha dos textos e dos autores à organização da distribuição e venda.19

26Essa coleção pode ser considerada a primeira experiência portuguesa de livro "popular de massas". Obedecia, como afirmou-se anteriormente, a uma tendência do mercado editorial, mas também à ampliação dos meios de divulgação científica e tecnológica que se desenvolvia em Portugal no século XIX. Segundo Ana Maria Cardoso Matos, a partir do final dos anos 30 dos oitocentos, assistiu-se, em Portugal, ao

  • 20 Ana Cardoso de Matos. "Os agentes e os meios de divulgação científica e tecnológica em Portugal no (...)

"(...) surgimento de sociedades cujo principal objetivo era a divulgação de conhecimentos científicos e técnicos, como foi o caso da Sociedade Propagadora de Conhecimentos Úteis, instituída em 1837, e da Sociedade Promotora dos Interesses Materiais da Nação, estabelecida em 1841".20

  • 21 Citado por Ana Cardoso de Matos. op. cit.

27Essas sociedades criaram periódicos que divulgavam os conhecimentos científicos que, na opinião dos membros da associação, poderiam ser úteis a um grupo ampliado da população. Assim, surgiu, por exemplo, a revista O Panorama através da qual se pretendia fazer "descer a variada ciência até os últimos degraus da escala social".21

  • 22 Ana Cardoso de Matos. op. cit.

28Ao longo dos anos 40, outras publicações com os mesmos objetivos foram surgindo, como por exemplo, os Almanaques Populares, publicados por Felippe Folque, Fradesso da Silveira e Francisco Ângelo de Almeida Pereira e Sousa entre os anos de 1848 e 1851. O Almanaque Popular pretendia ser o "livro de todos para todos", colocando ao alcance do maior número de pessoas "conhecimentos úteis e alguma informação científica redigida numa linguagem acessível".22 Esses almanaques eram vendidos por 160 réis e chegaram a exibir uma tiragem de 6.000 exemplares.

  • 23 Ana Cardoso de Matos. op. cit.

29Formava-se assim, através dessas publicações, o caminho que viria a ser seguido pela Biblioteca do Povo e das Escolas. Essa coleção, surgida na década de 80, ligava-se, provavelmente a outro acontecimento importante: a publicação do decreto de 02 de agosto de 1870 que determinava a criação de bibliotecas populares em cada capital de concelho. Essas bibliotecas que, na opinião de Ana Cardoso, "(...) deviam ser o complemento das escolas populares, abrangiam duas classes de obras, as que se ocupavam dos conhecimentos gerais e as que se ocupavam de cada uma das profissões, agrícola, industrial, comercial e artística, inventos, aplicações e modelos".23 Parece que estava aí apresentado o formato que passou a orientar os livretos da Biblioteca do Povo e das Escolas, coleção que vai ser publicada durante 32 anos e que vai circular, com grandes tiragens, tanto em Portugal quanto no Brasil.

30Seus títulos abrangeram, ao mesmo tempo, um público alargado e estratos específicos de profissionais. Títulos como Química, Física, Aritmética, Invertebrados, Calor, Zoologia, Anatomia, o Mar, Mineralogia, Receitas úteis... destinavam-se, possivelmente, a um público escolar ou a um público mais amplo. Mas havia também outros como Manual do Carpinteiro e Manual do Maquinista, destinados a profissionais e ofícios específicos.

  • 24 Manuela Domingos. Estudos de Sociologia da Cultura. Livros e leitores no século XIX. Lisboa: Instit (...)

31Nos primeiros dez anos de publicação — 1881/1891 – a direção da coleção coube a Xavier da Cunha, um médico que, antes de se formar, havia freqüentado a Escola Politécnica e que tinha desenvolvido a atividade literária paralelamente à atividade médica, desde muito cedo. Escreveu folhetins e versos no Archivo Pittoresco, no Diário de Notícias e na Gazeta de Portugal, bem como colaborou no Dicionário Popular e fez traduções da obra de Julio Verne.24 A arquitetura da coleção organizada pelo diretor objetivava, nas suas próprias palavras,

  • 25 Prefácio de Xavier da Cunha. Biblioteca do Povo e das Escolas, 8ª série, 1883. Citado por Manuela D (...)

"(…) ir pouco a pouco preparando o espirito do leitor a passar dos estudos mais simples para os complexos e de simultaneamente lhe ir inoculando conhecimentos vários nos diversos ramos do saber humano, para que reciprocamente auxiliados e fecundados [pudessem] (...) esses conhecimentos tornar-se mais proveitosos, – a "Biblioteca do Povo e das Escolas", (..) logra o júbilo de tornar mais suave e mais amena a aquisição de semelhantes noções pela variedade com que as vai ministrando".25

  • 26 Manuela Domingos. op. cit. p. 49.

32Assim, Xavier da Cunha constituiu, inicialmente, um programa de publicação que abarcaria "sete grandes ramos de capital importância": educação corporal, zoologia, física, história, literatura, jurisprudência e lingüística. No entanto, à medida que os títulos iam sendo editados, tornava-se cada vez mais difícil enquadrá-los neste esquema original. Esse esboço que, na opinião de Manuela Domingos, era "coerente com o horizonte mental da época",26 foi sendo pouco a pouco substituído por temáticas mais abrangentes que pudessem abarcar todos os conhecimentos científicos e profissionais que a coleção se propunha a popularizar.

33Quanto aos autores dos livros, segundo Jorge Nascimento, estes foram em número de 91, englobando profissionais de ofícios diversos:

  • 27 Jorge Carvalho do Nascimento. op. cit. p. 16.

34"dois eram engenheiros agrônomos, dois tipógrafos, cinco médicos, 22 oficiais militares do exército e da marinha, um comerciário, três estudantes de direito, um farmacêutico, um estudante de letras, 18 professores, um telegrafista, um ator, quatro funcionários públicos, três escritores, um naturalista, um advogado, três estudantes de artes industriais e comerciais, um poeta, um botânico, dois sacerdotes, um cenógrafo, um estudante de agronomia, dois jornalistas e um estudante de medicina".27

  • 28 Ver a esse respeito: Isabelle Olivero. "Instruction pour tous et savoir utile". in: L'Invention de (...)

35A diversidade de autores, temas e títulos, aliada a grandes tiragens de cada título, demonstra, claramente, o que era um dos principais objetivos das coleções européias de divulgação científica: o desejo de difusão de todos os saberes e de todos os conhecimentos humanos para o maior número possível de leitores.28

36Com o objetivo ainda de atrair novos leitores e de instruir um número cada vez maior de indivíduos, a Biblioteca do Povo e das Escolas tinha outra grande preocupação: tornar os textos mais compreensíveis por meio de ilustrações e imagens. Para que a transmissão do conhecimento fosse mais facilmente absorvida pela população leiga ou com pouco conhecimento científico, as descrições técnico-científicas eram acompanhadas de imagens que ilustravam os processos e aparelhos descritos, tornando os livros "além de úteis, apreciáveis".

  • 29 Manuela Domingos cita, em seu estudo, os diversos títulos que foram utilizados pelo governo portugu (...)

37Por todas as suas características, a Biblioteca do Povo e das Escolas, demonstra uma preocupação dominante com a instrução popular. Inicialmente, uma instrução para todos, posteriormente, uma instrução profissionalizante. Basicamente, é o ideal de instruir, formar e educar um número abrangente de pessoas – o objetivo que está na raiz do projeto da coleção –, o que explica o fato de vários volumes terem sido adotados pelo governo português em diversos graus de ensino.29

38A causa da instrução popular mobilizava, em meados do século XIX, em Portugal, não apenas os membros do governo. Segundo Manuela Domingos,

  • 30 Manuela Domingos. op. cit. p. 15.

"(...) a meados do século, ações concretas e marcantes para os anos seguintes foram levadas a cabo por um grupo de personalidades empenhadas em modernizar a sociedade portuguesa, a partir de dentro, para construir uma civilização burguesa, erguer um povo de cidadãos".30

  • 31 Manuela Domingos. op. cit. p. 21.

39Intelectuais, livreiros e editores participaram do esforço de construir uma nova sociedade por meio da educação de seus cidadãos. Muitos livros e manuais foram escritos, editados e vendidos com o objetivo precípuo de ampliar a instrução popular. Entre os editores que se engajaram nesse processo, um nome se destaca: David Corazzi. Considerado "benemérito e patriota", justamente pelo fato de ter-se dedicado à causa da instrução popular.31 Foi ele o editor responsável pela Biblioteca do Povo e das Escolas, coleção que, pelos seus méritos na divulgação científica, chegou a ser premiada com Medalha de Ouro, na Exposição do Rio de Janeiro de 1881, consolidando a participação de sua editora tanto no mercado português quanto brasileiro da época.

... e seu editor português: David Corazzi

40David Corazzi ficou órfão de pai aos quinze anos e com poucos recursos. Tornou-se, mais tarde, funcionário público e, com vistas a obter um pequeno capital com o qual pudesse dar início a um negócio próprio, lançou-se à venda dos direitos de um livro de seu pai, o médico cirurgião David Antonio Caetano Corazzi.

  • 32 Manuela Domingos. op. cit. p. 22.

41Com o capital arrecadado, David Corazzi criou a Empresa Horas Românticas dando início à publicação de romances em fascículos. O primeiro romance publicado por ele foi Les chevaliers de la nuit de Ponson du Terrail. Algum tempo depois, David Corazzi publicaria o texto que mudaria a sua vida. Ao tomar conhecimento da publicação do livro de Fernandes y Gonzáles, El Rei Maldito, em Madrid, Corazzi decidiu editá-lo, em Portugal, num formato novo que se tornaria revolucionário: em fascículos de 8 páginas e gravuras que seriam vendidos a 10 réis. Na opinião de Manuela Domingos, "a viragem da sua vida foi completa: em menos de um mês o editor ganhava imenso dinheiro, ampliava "instalações" (...) outros romances se seguiram, com idêntico esquema de publicação. Assim nasceu a Casa Editora David Corazzi".32

  • 33 Prospecto da BPE, citado por Manuela Domingos. op.cit. p. 25.

42A editora de David Corrazi não se dedicou apenas à publicação de romances. Novos projetos também voltados para um público mais amplo começaram a ser desenvolvidos pela empresa, entre eles a coleção Biblioteca do Povo e das Escolas. Nas palavras do editor, essa coleção deveria formar uma "enciclopédia de conhecimentos humanos, uma biblioteca ao alcance de todas as bolsas e de todas as inteligências, um repositório onde os indoutos [pudessem] (...) aprender e os doutos se não se [enfastiassem] (...) de recordar".33

43A coleção que, no seu primeiro volume – História de Portugal –, ainda registrava na capa o nome da empresa – Horas Românticas –, tornou-se um grande sucesso ganhando grande mercado também no Brasil. Corazzi criou uma filial na cidade do Rio de Janeiro, de onde, possivelmente, distribuía para as demais províncias do Império, como o Ceará.

  • 34 Catálogo de 1884 da Editora David Corazzi, citado por Manuela Domingos. op. cit. p. 64-65.

44Ao longo dos anos 80, as empresas David Corazzi prosperaram bastante criando urna variada gama de serviços tais como oficina de composição, impressão e estereotipia, oficina de alçado, dobragem e brochura, oficina de encadernação e depósito para as suas publicações.34

  • 35 Manuela Domingos. op. cit. p. 91.

45No final dos anos 80, por motivo de doença, David Corazzi foi obrigado a abandonar os trabalhos nas suas empresas, tendo sido substituído em suas funções por Justiniano Guedes. A partir da saída de Corazzi, a empresa responsável pela publicação da coleção passa a ser a Companhia Nacional Editora que, mais tarde e ainda com Justiniano Guedes à frente, passa a ter a denominação de A Editora. O ritmo de publicação dos volumes da Biblioteca do Povo e das Escolas diminui sensivelmente. A periodicidade quinzenal apresentada nos primeiros anos já não consegue mais ser cumprida. Nos primeiros anos do século XX, a publicação dos exemplares da coleção tornou-se ainda mais esparsa, sendo editados apenas 8 volumes entre os anos de 1906 e 1913, o que leva Manuela Domingos a afirmar que "(...) a liquidação do projeto ambicioso e da profícua realidade de três décadas atrás estava consumada".35

46Foi exatamente neste período que entrou em cena o terceiro personagem dessa história: Francisco Alves. Foi este livreiro-editor português, estabelecido no Brasil, que, em 1913, comprou A Editora Limitada, empresa na qual havia se transformado a antiga editora fundada por David Corazzi e deu continuidade à publicação dos volumes da Biblioteca do Povo e das Escolas.

E um português que se torna livreiro e editor no Brasil: Francisco Alves

47No momento em que Francisco Alves entra nessa história, suas empresas no Rio de Janeiro prosperavam de forma tão intensa que, invertendo o percurso trilhado por outros editores, ele havia passado a comprar editoras européias. Em 1913, Alves já tinha comprado parte da francesa Aillaud e a portuguesa Bertrand, tornando-se, então, proprietário d’A Editora.

48Francisco Alves havia, desde as últimas décadas do século XIX, cumprido uma trajetória de sucesso no espaço livreiro e editorial brasileiro. Nascido em Portugal, Alves tornou-se cidadão brasileiro, contribuindo de forma definitiva para a criação de um mercado editorial no Brasil. Ao narrar sua trajetória profissional, Aníbal Bragança destaca o fato de que, ao contrário de outros editores europeus que se estabeleceram no Rio de Janeiro, no século XIX, Francisco Alves não criou no Brasil uma empresa "satélite" representante de interesses estrangeiros. Segundo o citado autor,

  • 36 Aníbal Bragança. "A política editorial de Francisco Alves e a profissionalização do escritor no Bra (...)

"A história de Francisco Alves de Oliveira é outra. Nascido em Portugal, chegou ao Brasil com quinze anos, trabalhou em outro ramo de comércio antes de se iniciar no setor livreiro como alfarrabista. Formou-se livreiro no Brasil. Após regressar à terra natal, foi chamado de volta por seu tio Nicolau Antonio Alves, dono da Livraria Clássica, fundada na Corte em 1854. Veio, então, definitivamente instalar-se no Rio de Janeiro. Logo requereu cidadania brasileira. Após poucos anos, em 1883, assumiu a direção da empresa, já conhecida como Livraria Alves. Em 13 de setembro de 1897, com a retirada do tio, a livraria passou a denominar-se simplesmente "Francisco Alves"".36

  • 37 Aníbal Bragança. "Uma introdução à história editorial brasileira". Cultura, 14, 2002, p. 76.

49A actuação de Francisco Alves no mercado livreiro foi marcada por sua ação como editor literário, destacando-se, entre os autores publicados por ele: Raul Pompéia, Olavo Bilac, Euclides da Cunha e outros. Mas foram os livros escolares que marcaram definitivamente o lugar desse editor no mundo do livro. Aníbal Bragança afirma que "Francisco Alves lançou as bases modernas da edição escolar no Brasil. Fez fortuna e chegou a ser reconhecido como o "Rei do Livro" (...)".37 Talvez tenha sido seu empenho pelas publicações voltadas para a instrução popular que o tenha feito interessar-se pela A Editora e sua Biblioteca do Povo e das Escolas. Não foi apenas essa coleção portuguesa com projeto de educação popular que Alves adquiriu. Ele comprou também Biblioteca de Instrução Profissional, coleção que havia sido criada na esteira do sucesso da Biblioteca do Povo e das Escolas.

50Também impressa em A Editora, a Biblioteca de Instrução Profissional foi criada, em 1904, por Thomaz Bordallo Pinheiro com um grupo de professores do ensino industrial e técnico e, ainda, profissionais de diversos setores. Inicialmente a coleção foi publicada também em fascículos passando, mais tarde, a ser editada em volumes completos. Segundo Manuela Domingos,

  • 38 Manuela Domingos. op. cit., p. 93.

"(...) a coleção teve o mérito de fornecer textos para as escolas industriais e comerciais, exército, marinha, etc., continuando a ação pioneira da "BPE" nesses domínios, adaptando-se às exigências da formação profissional de quadros técnicos médios que o país requeria. Não concorrente com a "BPE", mas herdeira atualizada do seu espírito. Prova disso, o fato de finalmente, também ter chegado a ser distribuída e editada por Aillaud, Alves e Ca".38

51As coleções de divulgação científica e instrução popular eram, portanto, de grande interesse de Francisco Alves, editor que se consagrou, como se afirmou anteriormente, por meio da produção e comercialização de livros escolares.

52Com a compra da Biblioteca do Povo e das Escolas por Alves, dois novos fascículos desta coleção foram editados e comercializados no Brasil. Podemos supor que Alves manteve também, e, quem sabe, veio até a ampliar, os correspondentes que eram utilizados pela editora portuguesa para distribuir os volumes da coleção. Dentre esse grupo de correspondentes, muito provavelmente, faziam parte os herdeiros do livreiro cearense Gualter Rodrigues, com quem começamos a contar esta história.

Voltando ao início da história

53Quando Gualter Rodrigues morreu em 1892, a coleção Biblioteca do Povo e das Escolas contava com 197 títulos já publicados. Sua livraria possuía 38 desses títulos como podemos observar no quadro abaixo:

Número de exemplares

Título

Autor

152

Química Orgânica

José Maria Greenfield de Mello

100

Aritmética

José Maria Greenfield de Mello

86

Topografia

Carlos Adolfo Marques Leitão

81

Geometria1

74

Eletricidade

Guilherme Luiz dos Santos

68

Calor

Julio Leitão

48

Invertebrados

Vitor Ribeiro

47

Zoologia

Francisco Guilherme de Souza

45

Acústica

João Feliciano Marques Pereira

45

Geologia

João Maria Jalles

45

Pedagogia

Henrique Freire

45

Introdução às Ciências Físicas e Naturais

João Cesário de Lacerda

43

Desenho Linear

Carlos Adolfo Leitão

43

Mineralogia

João Maria Jalles

42

Astronomia2

José de Mello

40

O Mar

Vicente de Moura Coutinho d’Almeida Eça

39

Anatomia

João Cesário de Lacerda

38

Hidrostática

Julio Leitão

38

Manual do Carpinteiro

Francisco Adolfo Celestino Soares

36

Manual do Maquinista3

Carlos Bandeira Mello

30

Física

José Maria Greenfield de Mello

20

Manual do Ferrador

D. Antonio José de Mello

19

Natal4

Olympio de Freitas

18

Manual do Fabricante5

J. M. Marques Pereira

18

Moral

Augusto Baratados Santos Martins

18

Música6

José Timóteo da Silva Bastos

17

Tipografia7

16

Gravidade

João Maria Jalles

15

Vidro

João Feliciano Marques Pereira

15

Máquinas de Vapor

Manuel Rodrigues de Oliveira

14

Fisiologia Humana

João Cesário de Lacerda

14

Trigonometria

João Maria Jalles

12

Mecânica

João Maria Jalles

11

Esgrima

Francisco Adolfo Celestino Soares

09

Celebridades Femininas8

Xavier da Cunha

07

Botânica

Francisco Guilherme de Souza

04

Código Português9

João Cesário de Lacerda

03

Receitas Úteis

João Bastos Pereira da Costa e Manuel Diogo de Valadares

54Os dois títulos com maior número de exemplares presentes na livraria cearense eram Química Orgânica e Aritmética, ambos de autoria de José Maria Greenfield de Mello, militar de carreira e grande colaborador da coleção.

55O indivíduo com maior número de títulos postos à venda na livraria cearense era João Maria Jalles, também militar de carreira, que escreveu, entre outos volumes, Geologia, Mineralogia, Gravidade, Trigonometria e Mecânica. Em segundo lugar, no número de títulos postos à venda na livraria cearense, aparecia José Cesário de Lacerda que escreveu os volumes intitulados Introdução às Ciências Físicas e Naturais, Anatomia, Fisiologia Humana e Código Civil Portuguez.

  • 39 Manuela Domingos. op. cit., p. 34.

56Esses três autores foram grandes colaboradores da coleção. Dois deles, João Maria Jalles e João Cesário de Lacerda, juntamente com o diretor da coleção – Xavier da Cunha – e com Julio Arthur Lopes Cardoso foram responsáveis por 38 % do total de obras editadas pela coleção Biblioteca do Povo e das Escolas.39

57Entre os títulos postos à venda, a maioria referia-se a temas relacionados com o ensino secundário, como Aritmética, Geometria, Invertebrados, Eletricidade, Calor e Física, outros ligavam-se a ofícios mais específicos tais como Manual do Maquinista, do ferrador, do fabricante de verniz e do carpinteiro, outros ainda tratavam de assuntos menos associados a questões escolares ou de formação profissional tais como Natal, Celebridades Femininas e Receitas Úteis.

58Embora tratassem de assuntos diversos – muitos dos quais não diretamente relacionados à questão da instrução pública –, a presença de tais exemplares no estabelecimento comercial cearense denuncia um crescimento, no mercado livreiro, dos títulos destinados à leitura popular. Apesar do Ceará ser, na segunda metade do século XIX, uma província profundamente iletrada, a presença de uma quantidade significativa de livros d'A Biblioteca do Povo e das Escolas pode nos sugerir uma maior preocupação com a ampliação dos processos educativos e com uma crescente divulgação dos conhecimentos científicos e profissionais destinados a um público mais amplo.

59Assim é que, por meio dos caminhos trilhados pela coleção Biblioteca do Povo e das Escolas – desde de sua concepção e edição em Lisboa, pela empresa de David Corazzi, anos mais tarde adquirida por Francisco Alves, até a sua comercialização por Gualter Rodrigues em locais distantes e pouco letrados como Fortaleza – podemos conhecer aspectos da história dos livros, desvendando, pelo menos em parte, a dinâmica cultural que se estabelecia entre a Europa e as diversas regiões do Brasil no século XIX.

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Bibliografia

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Notas

1 Almir Leal de Oliveira. "Universo letrado em Fortaleza na década de 1870". In: Simone de Souza e Frederico de Castro Neves. Intelectuais. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002, p. 18-19.

2 Anibal Bragança estabelece uma tipologia dos agentes do mercado editorial brasileiro. Ele considera que há três tipos distintos de editores. O impressor-editor, o livreiro-editor e o editor stricto sensu. Mas, este mesmo autor chama a atenção para o fato de que "a realidade histórica apresenta múltiplas combinações" e que "devemos atentar para o eixo central" de atividade do indivíduo em questão. No caso de Gualter Rodrigues da Silva, considerou-se que este era um livreiro-impressor-editor pois apesar de ser o oficio de livreiro sua principal atividade, ele também desempenhou, de forma simultânea, os ofícios de impressor e editor. Ver a respeito da tipologia citada, Aníbal Bragança. "Uma introdução à história editorial brasileira". Cultura, 14, 2002, pp. 57-83.

3 Celeste Cordeiro. "O Ceará na segunda metade do século XIX". In: Simone de Souza. A nova história do Ceará. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, p. 149.

4 GIRÃO, Raimundo e SOUSA, Maria da Conceição. Dicionário da Literatura Cearense. Fortaleza: Imprensa Oficial, 1987.

5 Em 4 de abril de 1872, no jornal Pedro II, músicas novas eram mencionadas como recém chegadas no último vapor. Joaquim José de Oliveira fazia questão de detalhar a mercadoria: "(...) A Lisbonense, Polka por Pinheiro – Minha Estrella, valsa por Rente, Hymno Nacional, por F. Manoel da Silva."

6 Em 28 de maio de 1872, no jornal Pedro II, o mesmo livreiro anunciava: "bonitos álbuns para retratos com lindas músicas modernas: chegarão à livraria de J.J. d'Oliveira & C.ª assim como muitos objetos d'escritório, entre elles lindas pastas, facas de marfim, lacres de diversas cores, tintas de várias qualidades, papel de phantasia, dito de cores, dito para músi­ca, área preta e de cores, tintas de diversas cores, dita americana para imprimir, etc, etc."

7 Maria Beatriz Nizza da Silva. "História da leitura luso-brasileira: balanços e perspectivas". In: Márcia Abreu (org.). Leitura, História e História da Leitura. São Paulo: Fapesp, Campinas: Mercado das Letras, 1999, p. 153.

8 Anibal Bragança chama a atenção para o fato de que as relações de amizade entre editores e pessoas ilustres é uma das características fundamentais do mercado editorial brasileiro. Ver Aníbal Bragança. "Uma introdução à história editorial brasileira". Cultura – Revista de História e Teorias das Idéias. II série, vol XIV / 2002.

9 Henrique Sérgio de Araújo Batista. Assim na morte como na vida. Arte e sociedade no cemitério São João Batista (1866-1915). Museu do Ceará/Secretaria de Cultura e Desporto, 2002, p. 87.

10 A respeito da publicação de coleções populares na Europa ao longo do século XIX, ver Isabelle Olivero. L'invention de la collection. Paris: IMEC/Maison des sciences de l'Homme, 1999.

11 Jean Yves Mollier. "L'évolution du système editorial français depuis l'Enciclopedie de Diderot". In: Jean Yves Mollier (dir.). Où va le livre?. Paris: La Dispute, 2000, p. 22.

12 Isabelle Olivero. op.cit. p. 29.

13 Idem.

14 Manuela Domingos assinala que a Biblioteca do povo e das escolas só cumpriu a periodicidade quinzenal nos cinco primeiros anos de sua publicação. Esse período – de 1891 a 1896 – é o período de apogeu da coleção, tendo esta sido "profusamente elogiada pela imprensa (...) Logo o período seguinte – 1886/91 –, a sua periodicidade média passa a ser mensal. A partir daí, a coleção já não voltará nunca a ser o que era: arrasta-se penosamente, ao longo dos anos, com abundância de interrupções, editoras e, quem sabe de direções". Manuela Domingos. Estudos de Sociologia da Cultura. Livros e leitores no século XIX. Lisboa: Instituto Português de Ensino a Distância, 1985, p. 28.

15 Jorge Carvalho do Nascimento. "Nota prévia sobre a palavra impressa no Brasil do século XIX: a biblioteca do povo e das escolas". Horizontes. Bragança Paulista, vol. 19, pp. 11-27, jan/dez. 2001, p. 13.

16 É importante considerar, a título de comparação, que um jornal como O Cearense era vendido, nessa mesma época, a 200 réis o exemplar.

17 Jorge Carvalho do Nascimento. op. cit. p. 13.

18 Isabelle Olivero. op.cit. p. 16.

19 Manuela Domingos destaca o fato da editora David Corazzi possuir uma extensa rede de distribuição de seus livros. Segundo ela, a editora possuía 217 correspondentes (incluindo o Brasil, África e China, além da Europa). O Catálogo da editora, datado de 1884, define correspondente como sendo "(...) em qualquer localidade, todas as pessoas que se responsabilizem por um certo número de assinaturas de cuja distribuição se encarreguem e dêem a esta Casa garantia de sua boa vontade, honradez e zelo". A autora destaca ainda o fato de que a editora dava a seus correspondentes, em contrapartida, 15% de comissão nas vendas. Ver Manuela Domingos. op. cit. p. 66.

20 Ana Cardoso de Matos. "Os agentes e os meios de divulgação científica e tecnológica em Portugal no século XIX". Scripta Nova.

21 Citado por Ana Cardoso de Matos. op. cit.

22 Ana Cardoso de Matos. op. cit.

23 Ana Cardoso de Matos. op. cit.

24 Manuela Domingos. Estudos de Sociologia da Cultura. Livros e leitores no século XIX. Lisboa: Instituto Português de Ensino a Distância, 1985, p. 27.

25 Prefácio de Xavier da Cunha. Biblioteca do Povo e das Escolas, 8ª série, 1883. Citado por Manuela Domingos. op. cit. p. 46.

26 Manuela Domingos. op. cit. p. 49.

27 Jorge Carvalho do Nascimento. op. cit. p. 16.

28 Ver a esse respeito: Isabelle Olivero. "Instruction pour tous et savoir utile". in: L'Invention de la collection. Paris: IMEC/ Éditions de la Maison des Sciences de l'Homme, 1999, pp. 170-181.

29 Manuela Domingos cita, em seu estudo, os diversos títulos que foram utilizados pelo governo português tanto no ensino normal quanto no nível elementar de ensino. Ver: Manuela Domingos. op. cit. p. 51.

30 Manuela Domingos. op. cit. p. 15.

31 Manuela Domingos. op. cit. p. 21.

32 Manuela Domingos. op. cit. p. 22.

33 Prospecto da BPE, citado por Manuela Domingos. op.cit. p. 25.

34 Catálogo de 1884 da Editora David Corazzi, citado por Manuela Domingos. op. cit. p. 64-65.

35 Manuela Domingos. op. cit. p. 91.

36 Aníbal Bragança. "A política editorial de Francisco Alves e a profissionalização do escritor no Brasil". In: Márcia Abreu (org.) Leitura, História e História da leitura. Campinas: Mercado de Letras, 2000, p. 453.

37 Aníbal Bragança. "Uma introdução à história editorial brasileira". Cultura, 14, 2002, p. 76.

38 Manuela Domingos. op. cit., p. 93.

39 Manuela Domingos. op. cit., p. 34.

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Giselle Martins Venâncio, «Lisboa - Rio de Janeiro - Fortaleza»Cultura, vol. 21 | 2005, 185-204.

Referência eletrónica

Giselle Martins Venâncio, «Lisboa - Rio de Janeiro - Fortaleza»Cultura [Online], vol. 21 | 2005, posto online no dia 15 março 2018, consultado o 28 março 2024. URL: http://journals.openedition.org/cultura/3221; DOI: https://doi.org/10.4000/cultura.3221

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Autor

Giselle Martins Venâncio

Doutora em História Social pela Univ. Federal do Rio de Janeiro. Pós-doutoranda na Universidade Federal de Minas Gerais.
Graduada em História pela Pontificia Universidade Católica do Rio de Janeiro, mestre em História pela Universidade Federal Fluminense e doutora pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 2000/2001, com uma bolsa da Capes, trabalhou com Roger Chartier na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales, em Paris. Actualmente, desenvolve um projecto de pós-doutoramento intitulado "Ciência para todos: circulação e edição de coleções de divulgação científica no Brasil (1881-1946)", na Universidade Federal de Minas Gerais.

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