Abstract
No curso La société punitive, Michel Foucault indica até que ponto as lutas em torno do poder político produzem efeitos de realidade. Um deles é o nascimento de um novo sistema de penalidade no começo do século XIX. Ele surge de uma reconfiguração das lutas políticas em relação ao século XVIII. O conceito explicativo que fundamenta essa reconfiguração é o de ilegalismo, retomado mais tarde em Vigiar e punir. No século XVIII, ele designa um conjunto de transgressões de ordem política que são toleradas e praticadas por diferentes agentes sociais, dentre eles a burguesia; no decorrer do século XIX, as lutas e resistências das camadas populares e trabalhadores contra o sistema político vigente deixam de ser toleradas e são tipificadas como infração à ordem estabelecida pela nascente penalidade burguesa. A transformação dos ilegalismos em ilegalidades é coetânea à elaboração de táticas de inserção da moral punitiva no interior do sistema penal. No artigo, percorremos a mudança estatuto das lutas políticas em torno do poder e em que sentido a nova penalidade não deixa de ser a continuidade da guerra social por outros meios. Enfatizamos, enfim, a importância do conceito de guerra civil introduzido nesse curso, tanto para a elaboração teórica da analítica do poder quanto pelo seu cruzamento com as lutas do presente em torno das práticas judiciárias.