Abstract
As reflexões que encontramos na Fenomenologia da Percepção, de Merleau-Ponty e em Étant Donné, de Jean-Luc Marion estão ancoradas, como manda a tradição fenomenológica, na redução. Para Merleau-Ponty, a redução fenomenológica se abre primordialmente para uma reflexão do irrefletido, da experiência perceptiva, a correlação mais original e espontânea entre os eventos mundanos e a atividade pré-pessoal do corpo próprio. Todavia, Merleau-Ponty, nos trabalhos dos anos 50 e, ainda no Visível e o Invisível, Merleau-Ponty julgará essa tentativa como uma má-ambiguidade, pois a percepção foi elevada a condição de um pensamento. Radicalizando a redução husserliana, a via de Marion – “A tanta redução, a tanta doação ”– abre-se para uma profunda discussão sobre a homologia fenomênica entre redução, doação e aparecimento. No ato de doação, o que se dá não é um fenômeno como evidência objetal, não é ente para o dasein ou, ainda, um fenômeno como síntese da nossa experiência pré-reflexiva, mas é dado como puro dom. A ambiguidade, portanto, constitutiva da doação, é uma espécie de acontecimento contíguo que radicalizaria todas as formas de redução fenomênica e não fenomênica ao colocar em cena um aparecer que se dá sem a proeminência de um objeto, de um sujeito ou, ainda, de qualquer forma de síntese intelectiva ou perceptiva. Em uma fenomenologia da doação, portanto, escaparíamos ao problema da má-ambiguidade, sempre presente em uma fenomenologia da percepção. Como? Eis o que eu busco entender.