Direito Global como Intercontextualidade e Interlegalidade

Revista de Direito Público 16 (88):212 - 31 (2019)
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Abstract

Desde os anos 1990, os efeitos da globalização na lei e nos desenvolvimento jurídico têm sido um tópico central no debate acadêmico. Até o presente, o debate foi, contudo, marcado por três lacunas que este capítulo tentará remediar a partir de uma reconceptualização do direito global como o direito de intercontextualidade marcado pela inter-juridicidade e materializado por meio de um corpo de normas que podem ser caracterizadas por sua conectividade. A primeira lacuna é de ordem histórica e empírica. Tanto os críticos quanto os defensores da “lei não estatal” compartilham a premissa de que a “lei além do Estado” e as normas jurídicas correlatas teriam ganhado relevância nos tempos atuais se comparadas a períodos históricos anteriores. Enquanto o direito global, incluindo tanto o direito público e privado de governança global, bem como as construções regionais, como da União Europeia, passou por profundas transformações desde as estruturais, que seguiram os processos de descolonização em meados do século XX, constata-se que não há mais instrumentos de direito global em comparação com outros tipos de lei no mundo contemporâneo do que havia em outros períodos históricos. A segunda lacuna é metodológica. A maioria das produções acadêmicas sobre o direito global é ou de natureza analítica, trazendo reflexões a partir do campo da filosofia, ou de natureza empírica, observando a existência do direito global e os graus de conformidade às normas global em um dado período histórico. Embora essas duas metodologias tenham seu mérito, elas são estáticas, incapazes de explicar e de avaliar a transformação do direito global ao longo do tempo. A terceira lacuna é teórico-conceitual. Em diversas instâncias, o direito global é compreendido como uma lei unitária que produz normas de escala planetária, ou, alternativamente, adota-se uma perspectiva pluralista radical que descarta a existência de normas globais singulares. No entanto, ambas as abordagens parecem não compreender as características estruturais, função e efeitos societários do direito global. Ao contrário, uma terceira posição entre as perspectivas unitárias e radicais pode ser adotada por meio de uma compreensão do direito global e normas legais relacionadas como um tipo descentralizado de direito intercontextual e caracterizado pela inter juridicidade. O direito global pode ser definido como um fenômeno que, a princípio, é ilimitado em alcance, isto é, detém validade sem referência ou limitação a um território ou população específica, embora, por razões práticas, seja submetido a alguma limitação na maioria dos casos. Isso torna o direito global distinto do direito nacional, internacional, transnacional e da lei viva de base comunitária quando definidos da seguinte maneira: direito nacional, a lei dos estados-nação derivada do conceito de soberania; o direito internacional, a lei entre estados-nação; direito transnacional, qualquer lei que, em termos de jurisdição, origem ou efeito, ultrapassa as fronteiras nacionais, produzindo externalidades positivas ou negativas, enquanto continua a depender dos instrumentos e mecanismos legais dos estados; lei viva, normas sociais preenchendo a função de lei no seio de uma comunidade. Esses quatro tipos de lei podem agir, potencialmente, como fonte do direito global inter-jurídico na medida em que são empregadas numa forma intercontextual. Refletindo essa estrutura inter-jurídica, o conteúdo normativo substancial do direito global é caracterizado por uma relativa predominância estrutural de normas de conectividade. Normas de conectividade estão orientadas a facilitar o transplante, isso é, a extração, transmissão e incorporação dos componentes de significado de um contexto jurídico-legal para outro, como, por exemplo, no caso do comércio internacional e das leis de investimento, lei comercial doméstica ou leis aprovadas sobre atividades missionárias no contexto das leis religiosas. O conceito de normas de conectividade, portanto, diferencia-se do entendimento clássico sobre as normas de coerência, cuja finalidade é dar coerência no âmbito de uma coletividade sob a base de prescrições de ações que limitem o escopo de possíveis ações futuras e estabelecer sanções para a não-conformidade. Diferencia-se, ainda, de um entendimento progressivo sobre as normas como normas de possibilidade, implicando a articulação de futuros possíveis com base numa distinção entre o factual e o não-factual, isto é, mediante o distanciamento do mundo factual, com o objetivo de acentuar a abertura do futuro. Assim sendo, as normas de conectividade são, em outras palavras, um terceiro tipo de normas localizado entre as normas de coerência e as normas de possibilidade.

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