Abstract
Na semana de Pentecostes de 1923, reuniu-se em um hotel na cidade de Ilmenau na Turíngia, região central da Alemanha, um grupo de intelectuais em um encontro que foi denominado “Semana de Trabalho Marxista” (Marxistische Arbeitswoche). Dele participaram seu idealizador – Felix Weil – e cerca de 20 pessoas. Destacaram-se entre os participantes Friedrich Pollock e Karl August Wittfogel. A intenção da “Semana de Trabalho Marxista” era discutir as obras Marxismo e filosofia, de Karl Korsch, e História e consciência de classe, de Georg Lukács – autores um pouco mais velhos, mas igualmente jovens intelectuais cujas contribuições teóricas foram tidas como alento e retomada das reflexões marxistas a partir da perspectiva do jovem Marx. As ideias apresentadas por Korsch e Lukács se afastaram do marxismo clássico e ortodoxo até então em evidência na Europa Central. A “Semana de Trabalho Marxista” foi o embrião para a criação, um ano depois, do Instituto de Pesquisas Sociais, igualmente por iniciativa desses jovens e de seu mentor intelectual e agora patrono financeiro Felix Weil. Esse Instituto foi sediado como um anexo da Universidade de Frankfurt, totalmente custeado pelo aporte financeiro do pai de Felix Weil, o senhor Hermann Weil. Ao longo dos anos, o conhecimento teórico ali produzido ou a menção ao local em que esse conhecimento foi gestado se impuseram como marcas que passaram para a história do pensamento contemporâneo: Teoria Crítica e Escola de Frankfurt são nomes que praticamente se confundem quando se trata da concepção teórica produzida pelo Instituto de Pesquisas Sociais. As referências aos seus pensadores mais significativos – Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Walter Benjamin – tornaram-se realidade a partir do momento em que Max Horkheimer chegou à posição de diretor do Instituto, em 1930, pois sob sua gestão foram formuladas as diretrizes teóricas, combinadas à realização de pesquisas empíricas com base nos métodos e campos de investigação das demais ciências parcelares (Psicologia, Sociologia, Economia, Direito etc.), em articulação com a Filosofia que caracterizam essa escola de pensamento à qual estes nomes estão umbilicalmente ligados. Sob sua “ditadura”[1] Horkheimer tentou, quando possível, conservar as diferenças de temas e objetos de estudo de cada autor, congregando os diferentes campos de conhecimento. Esses primeiros pensadores foram responsáveis por um movimento de ideias que cobriu boa parte do século XX, estendendo-se de 1930 a 1979. Uma segunda geração de teóricos ligados ao Instituto prosseguiu as reflexões iniciais, expandindo-as; outros se distanciaram delas. A teoria crítica da sociedade, assim, constituiu-se como uma fonte de pensamento e método de investigação e análise da realidade na qual fenômenos sociais, bem como determinados temas e objetos de estudo, vinculados a tal realidade, em seu movimento histórico, tornaram-se alvos de crítica permanente. Dentre tais aspectos a serem destacados, mencionamos o legado deixado pelos autores da teoria crítica – especificamente, Adorno, Horkheimer, Erich Fromm, dentre outros – de dados, discussões e análises de pesquisa empírica, de caráter interdisciplinar, voltados aos temas do autoritarismo, preconceito e formação do indivíduo sob as contradições sociais do capitalismo e seus desdobramentos histórico-sociais. Neste movimento, as ciências parcelares, já apontadas acima, tais como a Psicologia, Psicanálise, Economia, Ciências Sociais dentre outras foram convocadas como momentos teórico-metodológicos específicos para compor o projeto interdisciplinar do Instituto de Pesquisa Social, juntamente com a Filosofia, promovendo a premissa epistemológica fundamental da Teoria crítica: a pesquisa interdisciplinar. Em 2021, o Grupo de Pesquisa “Teoria Crítica e Filosofia Social”, sediado na UFU e desde 2003 registrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, organizou e realizou o “I Colóquio de Teoria Crítica da UFU: aporias da emancipação”. Foi a tentativa de integrar, em um evento online dos tempos da pandemia do Covid-19, as pesquisas desenvolvidas por professores da UFU espalhados em alguns de seus institutos e faculdades com outros pesquisadores do Brasil em torno das diversas possibilidades de apropriação da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. Os autores da primeira geração da Escola, que herdaram as reflexões e transformações históricas oriundas do Iluminismo, não apresentaram formulações unívocas ou romantizadas nas suas análises acerca dos limites da Racionalidade burguesa: suas reflexões esbarraram em dificuldades e essa constatação abre a possibilidade de se seguir problematizando, na esteira desta primeira geração, questões decisivas da teoria social nos dias de hoje. Em 2023, o encontro de Ilmenau, que foi o acontecimento propulsor da Teoria Crítica, completa 100 anos. A proposição do dossiê “Teoria Crítica 100 anos” pretende ser uma comemoração, um Festschrift ao centenário de uma data bastante emblemática e marcante para o pensamento filosófico do século XX. O núcleo do dossiê é constituído por algumas palestras proferidas no evento de 2021 que foram transformadas em artigos pelos seus apresentadores. Mais do que isso, com a intenção de ser um Festschrift representativo, o dossiê conta com a contribuição de um pesquisador internacional que não participou do evento. Por ser a Teoria Crítica uma corrente filosófica multifacetada, suas reflexões abrangem os campos da filosofia social, filosofia da história, filosofia política, estética, literatura, música, psicanálise e educação junto à teoria social. Atentos a essa diversidade, sua riqueza temática ficará preservada na proposta do dossiê. Além disso, é importante resgatar a atualidade da centenária Teoria Crítica. O dossiê é constituído por uma entrevista, seis artigos e uma tradução. O entrevistado será o professor Rodrigo Duarte, da UFMG, que fará um balanço da Teoria Crítica, sobre sua recepção no Brasil anterior a 1990 e posterior a essa data. Embora a recepção desta escola de pensamento tenha se dado já na década de 1960, por nomes como Cohn, Merquior, Kothe e Konder, a partir dos anos 1990, Rodrigo Duarte se transformou em uma das principais referências para a sua continuidade em solo nacional. Daí essa entrevista ser um reconhecimento de sua contribuição. [...] [1] A expressão “ditadura do diretor” foi o termo empregado por Horkheimer para indicar o tipo de trabalho interdisciplinar que seria desenvolvido a partir de sua gestão à frente do Instituto.