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Filosofia, história, genealogia* * Tradução de Geraldo Dias ** ** Este artigo pode ser lido como um complemento ao estudo publicado em Cadernos Nietzsche, vol. 34, n° 1, 2014, p.35-62, sob o título “Do valor da história à história dos valores”.

Philosophy, history, genealogy

Resumo:

Neste artigo, procura-se evidenciar que a genealogia nietzschiana representa um conceito novo para a história da filosofia, que ela não deve ser confundida com a “filosofia histórica” de Humano, demasiado humano, mantendo antes uma identificação não utilitarista da história e da filosofia. Com isso, a genealogia dá origem a um tipo original de narrativa em que Nietzsche finalmente resolve satisfatoriamente uma de suas preocupações mais antigas, na medida em que a genealogia celebra o casamento da especulação e do empirismo à igual distância da história dos historiadores, das filosofias da história e da pseudo-história dos empiristas.

Palavras-Chave:
Genealogia; filosofia da história; positivismo; filologia; perspectivismo

Abstract:

This article aims to show that the Nietzschean genealogy represents a new concept for the history of philosophy, that it should not be confused with a historical philosophy, maintaining instead a non-utilitarian identification of history and philosophy. I show how it gives rise to an original type of narrative in which Nietzsche finally satisfactorily resolves one of his oldest concerns, as genealogy celebrates the marriage of speculation and empiricism at an equal distance from the history of historians, of the philosophies of history and pseudo-history of empiricists.

Keywords:
Genealogy; histories of philosophy; positivism; philology; perspectivism

Certamente, não era fácil ser, ao mesmo tempo, aluno de Ritschl, o mestre filólogo, para não dizer o superego institucional, e o leitor entusiasta de Schopenhauer, o filósofo disruptivo, para o qual a história não manifestava outra coisa senão a espuma fenomenal da vontade, na qual, pelo contrário, ele via o que está sob o tempo, indefinidamente idêntico a si mesmo1 1 Arthur Schopenhauer, 1978, cap. 38. . Era tão difícil que Nietzsche, como sabemos, adoeceu visivelmente e teve que fazer esforços consideráveis para reunir o que o despedaçou.

Uma sutura, em retórica, é um oximoro: é compreensível que Nietzsche se chamou, em 1872, de “filólogo wagneriano”,2 2 Carta à Hans von Bülow, de 29 outubro de 1872. e que tenha tentado mostrar como a tragédia grega deveria ser entendida como resultado de um conflito entre vontade e representação. A famosa Consideração Extemporânea de 1874 pode ser lida como a justificativa reflexiva, extremamente tensa, desta tentativa: tratar-se-ia de desempenhar seu papel na história, um papel propriamente secundário, na medida em que deve estar subordinada à “vida”, que é uma “força não-histórica” (eine unhistorische Macht), isto é, uma faculdade de esquecer (HL/Co. Ext. II 1 e 10, KSA 1. 257 e 1.325).

Sabe-se também que, em 1878,3 3 Ver Paolo D’Iorio, 2012. Nietzsche rejeita Schopenhauer para elaborar uma história dos sentimentos morais que se baseia no empirismo anglo-saxão: a história não investiga mais uma metafísica que a transcende; pelo contrário, permite refutar toda metafísica, ou seja, toda afirmação de que existiria o imutável, a começar pelo que diz respeito ao homem e, em particular, à própria razão. O sintagma da “filosofia histórica” (historische Philosophie, historisches Philosophieren) intervém no limiar desse novo empreendimento para significar uma nova articulação da história e da filosofia: em vez de subordinar a primeira à segunda, é preciso pensar sua osmose de uma maneira que não seja aquela de uma filosofia da história (Geschichtsphilosophie)ou “deificação do vir-a-ser” (MA I/HH I 1-2 e 238, KSA 2.23-25 e 2.200). O utilitarismo do outro lado da Mancha é então o que autoriza a identificação não teleológica da história e da filosofia.

Sabe-se, enfim (sem dúvida) que, em 1887, Nietzsche avança um novo conceito - novo na história da filosofia e novo para ele mesmo, praticamente jamais empregado anteriormente4 4 Ver Bertrand Binoche, 2016, pp. 199-209. -, o de “genealogia”, prometendo sucesso considerável5 5 Para não dizer, tempos depois, a uma inflação que lhe faz perder toda significação precisa. . A genealogia não é mais a filosofia histórica, ela é o que se poderia chamar de uma identificação não utilitarista da história e da filosofia. Ela é isso, mas ela não é apenas isso. O presente artigo pretende mostrar como ela dá origem a um tipo original de narrativa em que Nietzsche finalmente resolve satisfatoriamente uma de suas preocupações mais antigas, já que a genealogia celebra o casamento da especulação e da empiria à igual distância da história dos historiadores, das filosofias da história e da pseudo-história dos empiristas.

I. Genealogia versus filosofias da história

É preciso, de início, retornar ao que a genealogia evita para não se reconectar com as “teologias dissimuladas” ou ainda com as “Teodiceias cristãs disfarçadas” que já eram violentamente recusadas, na esteira de Jacob Burckhardt, nas Considerações extemporâneas6 6 HL/Co. Ext. II 8 (eine verkappte Theologie), KSA 1.305; HL/Co. IV, 3, [eine verkappte christliche Theodizee], KSA 1.445. Bem mais tarde, no § 10 de O anticristo, Nietzsche caracterizará a filosofia alemã como uma “teologia insidiosa” (“hinterlistige Theologie”), in (AC/AC 10, KSA 6.176). - ou seja, com o que nos habituamos, de modo um pouco confuso, a chamar de “filosofias da história”. O genealogista da moral se recusa a reescrever, por sua vez, a história universal na medida em que sua narrativa se caracterize por três opções alternativas.

A genealogia da moral trabalha, de início, sob outra cronologia: ela regressa ao fundo da história universal e inclui “os milênios anteriores à história do homem” (GM/GM, II, 14, KSA 5.319)7 7 “jene Jahrtausende vor der Geschichte des Menschen”. que correspondem ao que Aurora havia chamado de “eticidade do costume” (M/A 9, KSA 3.21). É “a era mais longa da história humana - a chamada era pré-histórica” (JGM/BM 32, KSA 5.50)8 8 “die längste Zeit der menschlichen Geschichte — man nennt sie die prähstorische Zeit”. , ou ainda “a era pré-histórica, o mais longo período da espécie humana” (GM/GM, II, 19, KSA 5.328)9 9 “(…) für jene längste Zeit des Menschengeschlechts Recht behalten, für seine Urzeit”. , ou enfim “os imensos períodos, que precederam a “história universal” como a verdadeira e decisiva” (GM/GM, III, 9, KSA 5.359)10 10 “(…) welche der “Weltgeschichte” vorausliegen, als die wirkliche und entscheidende Hauptgeschichte, welche den Charakter der Menschheit festgestellt hat”. . Acentuando a era que não é somente a mais antiga e a mais longa, mas também a era decisiva (die entscheidende), Nietzsche inverte com premeditação o gesto hegeliano que, em 1830, excluía expressamente a “pré-história”, isto é, os séculos ou os milênios que haviam precedido a instituição do Estado e da consciência que este tomou de si mesmo na historiografia.11 11 Hegel fala de “Jahrhunderte oder Jahrtausende” [séculos ou milênios] (Hegel 1955, p. 164 sq.). Dühring repetirá a expressão (cf. infra, nota 35). Os nazistas se apropriarão desse tema de milênios distantes recobertos pelo cristianismo e no qual eles pretenderão descobrir a verdade (racial) da origem, ver Johann Chapoutot, 2014, p. 51. A consequência mais devastadora é que em toda parte em que o olhar metafisico acredita discernir as essências (ou os universais), o olhar genealógico faz aparecer os fenômenos tardios, recentes.

Em seguida, a genealogia da moral implementa uma totalmente historicidade diferente, bem descrita no § 12 da segunda dissertação - uma historicidade teleofóbica, que interdita colocar na origem o que está no fim: ver na semente o carvalho em potência12 12 A racionalidade genealógica não é o zweckmässige Tun que define a razão em Hegel no prefácio à Fenomenologia do espírito. é, paradoxalmente, negar o vir-a-ser, uma vez que tudo é jogado antecipadamente. A filosofia da história aparece assim como a neutralização da história; se há um truque da razão, é, com efeito, um truque da razão platônica, que finge fazer seu espaço na história para melhor dela se livrar. Ao contrário, a genealogia é realmente histórica porque ela implica uma historicidade descontínua, agonística e aleatória, que explica tudo (toda palavra, instituição, sentimento, órgão) encontrando o momento imprevisível em que uma vontade de potência identificável se apropria e lhe confere o sentido que ela precisava, sentido que vem para cobrir os anteriores. Em tal tempo, nenhum progresso se realiza, nada é “realizado”, mas as vitórias contingentes acontecem e as dominações, por hipótese provisória, se seguem sem desenhar nenhum processo global13 13 É notável que Nietzsche, na segunda dissertação de Para a genealogia da moral (§ 12) empregue então no plural o termo processos: “Überwältigungsprozesse” [processos de dominação] (KSA 5, p. 314). A segunda Consideração (§ 1), ao contrário, condenava vigorosamente os “Verehrer des Prozesses” [veneradores do processo](KSA 1, p. 256), no singular. É verdade que, ao mesmo tempo, certas formulações de aspecto kantiano, como aquelas que abrem a segunda dissertação e retroativamente atribuem uma tarefa à natureza, soam sarcasticamente. .

Enfim, a genealogia da moral se inscreve num plano completamente diferente, no sentido de que ela não é uma narrativa, mas uma série aberta de narrativas: comete-se contrassenso conjugando-a no singular (contrassenso ao qual o próprio título da obra maliciosamente nos convida).14 14 Zur [!] Genealogie der Moral. Mas, afinal, isso não é dizer Die [!] Genealogie der Moral. E põe ao tradutor francês um problema que já foi muito diversamente resolvido. O genealogista não dispõe de todos os elementos de sua pesquisa em um eixo único, de modo que, da eticidade do costume ao além-do-homem futuro, passando pela inversão sacerdotal dos valores e o niilismo contemporâneo, se inscreve uma nova história universal desenvolvida num tempo homogêneo, orientado pelo móbile, por exemplo, da interiorização do homem. Na realidade, o próprio Nietzsche fala sempre da Genealogia como uma sucessão de estudos tendo por meta estabelecer o valor de tais ou tais valores:15 15 Conforme a nota programática que encerra a primeira dissertação. assim é em Ecce homo, no qual as três dissertações são apresentadas como “três importantes ensaios preparatórios” (EH/EH, Genealogia da moral, KSA 6.353); assim também é na carta a Burckhardt, de 14 de novembro de 1887, em que Nietzsche evoca “os estudos da história da moralidade”16 16 Lettres choisies, choix et présentation par Marc de Launay, trad. par Henri-Alexis Baatsch et al., Paris 2008, p. 288. KSB 8.198. ou na carta a Carl Spitteler de 10 de fevereiro de 1888, que menciona “três problemas mais difíceis que há”17 17 Ibid., p. 301. KSB 8.247. . Sabemos pelo biógrafo Janz que Nietzsche havia considerado uma série incluindo “três novas dissertações enumeradas à série das três primeiras”.18 18 Curt Paul Janz, 1985, vol. 3, p. 296. De fato, cada Abhandlung põe um problema específico e dá-se um ponto de partida ad hoc, de maneira que as narrativas que se seguem se cruzam em certos pontos, mas não se encadeiam e não se firmam em um sistema.19 19 Tal como nas Considerações Extemporâneas. É por isso que não é necessário os ler na ordem em que se apresentam. E é assim que o plano em que poderia se desenvolver majestosamente as “filosofias da história” se encontra de início pulverizado: por natureza, a narrativa genealógica é plural.

II. Genealogia versus genealogias

A genealogia se exprime contra a filosofia da história. Mas se exprime igualmente

contra outras genealogias: escrever “Zur20 20 Grifo nosso. Genealogie der Moral” não é escrever a primeira e a única genealogia da moral, mas é produzir, como anuncia o subtítulo do livro, um “escrito polêmico”, quer dizer, intervir em um campo pré-existente. Além do mais, uma perspectiva, por definição, não pode existir senão contra outras perspectivas.21 21 Como precisamente notou Anthony Jensen, 2013, p. 168.

A primeira dissertação começa, com efeito, com a crítica dos psicólogos ingleses, os únicos, é então dito, a realizarem “tentativas de reconstruir a gênese da moral” (GM/GM I, 1, KSA 5.257). Atrás desses “psicólogos ingleses”, não é difícil adivinhar Paul Rée no Prólogo (§ 4) já nomeado explicitamente. Mas é possível encontrar o próprio Nietzsche e a “filosofia histórica” proposta no final dos anos de 70.22 22 A crítica de Paul Rée é uma autocrítica: isso foi vislumbrado por certos comentaristas, ver Paul Redding, 1993, p. 221, nota 2. A correspondência de 1883 é bastante reveladora a esse respeito: Nietzsche, muitas vezes, testemunha seu desejo de não ser confundido com Rée (ver as cartas a Overbeck, 6 de março, Köselitz, 17 de abril, Malwida von Meysenbug de 20 de abril).

A abordagem típica que é denunciada no § 2 e pode, de fato, encontrar elementos em Mandeville23 23 Na segunda parte de A fábula das abelhas (1729), Mandeville havia apresentado sua investigação como uma genealogia (“pedigree”) inversa à pesquisa das vis origens do que se apresenta como honroso (Mandeville 1924, t. II, p. 31); e, de fato, ele se apresenta, às vezes, como o protótipo perfeito do que Nietzsche herda (ver o que é dito sobre o esquecimento, engendrado pelo hábito, da origem orgulhosa de nossas nas ações no segundo diálogo (Mandeville 1924, t. II, p. 79). , Hume e Bentham, consiste em justificar os valores existentes: 1) mostrando que eles foram originalmente adotados porque eram úteis à comunidade; 2) que tal utilidade tornou-se objetivo de esquecimento progressivo; 3) que o hábito transmitiu, como motivo, o reconhecimento da utilidade; 4) que não se sabe mais por que se respeita esses valores e que é preciso, por consequência, lhes atribuir legitimações fantásticas - por exemplo, o desinteresse (ou seja, a ausência de utilidade) (MA I/HH I 92, KSA 2.89).

Ora, uma tal abordagem é, a bem ver, ela também, aistórica: para “esses historiadores da moral, lhes falta o próprio espírito histórico” (der historische Geist) (GM/GM, I, 2, KSA 5.258). E lhes falta duplamente: 1) porque, em tal cenário, os próprios valores não mudaram - só mudou a justificação desses valores; bem e mal sempre foram o bem e o mal, não importa quais sejam as razões para se fazer o que é bem e fugir do que é mal;24 24 Cf. Jeremy Bentham, 2007 (1789), chap. X, § 10, p. 102: “Now, pleasure is in itself a good: nay, even setting aside immunity from pain, the only good; pain is in itself an evil: and, indeed, without exception, the only evil; or else the words good and evil have no meaning” [Ora, o prazer é em si mesmo um bem - não só isto, mas até o único bem, abstraindo da imunidade da dor; e a dor é em si mesma um mal - não só isto, mas o único mal, sem exceção. De outra forma, as palavras bem e mal não têm nenhum significado (1974, p. 37)]. 2) porque, em tal cenário, aqueles que decidem os valores (os legisladores) não mudam mais - sempre serão aqueles a quem eles são úteis, portanto, os membros da comunidade, o que Nietzsche chama de rebanho.

A história anglo-saxônica da moral, a mesma que Nietzsche havia tomado por apoio porque nela encontrara o meio de associar a filosofia e a história não teleologicamente, aparece então como uma outra neutralização do vir-a-ser. Em certo sentido, a filosofia da história e a genealogia utilitarista são duas estratégias simétricas, colocam em execução, respectivamente, as fontes do desenvolvimento e do esquecimento, que conduzem ao mesmo resultado: a incapacidade de compreender que os valores têm uma história e que a têm porque não são essências, mas criações. Da mesma forma, proíbe-se de repetir a grande revolução inaugurada pelo judaísmo, usada pelos cristãos e furiosamente perseguida hoje por “cães anarquistas” (JGB/BM 202, KSA 5.125).

Agora não é inútil observar que esse desconhecimento da historicidade moral é indissociável de uma ignorância da história tout court, aquela dos historiadores: para ser uma “efetiva história da moral”, a genealogia deve levar em conta “a coisa documentada, o efetivamente constatável, o realmente havido, numa palavra, a longa, quase indecifrável escrita hieroglífica (Hieroglyphenschrift), do passado humano moral” (GM/GM, “Prefácio”, 7, KSA 5.254). A terminologia de Nietzsche é aqui aquela de Ranke25 25 Cuja célebre fórmula solicita ao historiador “mostrar as coisas wie es eigentlich gewesen [como de fato ocorreram]” e amava empregar a metáfora dos hieróglifos, ver Jean-Yves Calvez, 2001, p. 119 et 126. e não é por uma coincidência: é aí que o genealogista digno desse nome deve ser cientista, e que o saber empírico do filólogo encontre seu lugar definitivo. Entre a abstração preguiçosa do fato observável e sua reificação pretensamente científica (sob a qual se retorna), há uma positividade propriamente genealógica que a terminologia de Nietzsche chama correntemente “probidade”. O perspectivismo não autoriza a arbitrariedade. Tanto que a perspectiva adotada é a de uma “história natural” e não de uma fundação da metafísica da moral, ela exige uma descrição (Beschreibung) empírica de fatos morais.26 26 “moralischen facta” (JGB/BM 186, KSA 5.105).

O já citado § 12 da segunda dissertação novamente menciona “os genealogistas da moral que existiram até aqui” (“die bisherigen Moral-Genealogen”) (GM/GM, II, 12, KSA 5.313). Essa menção introduz a potente crítica ao evolucionismo evocada mais acima e segue a um violento ataque contra Dühring no parágrafo anterior. Na primeira edição de sua obra, significativamente intitulada Der Werth des Lebens (O valor da vida) (1865),27 27 Colocar, em 1874, a questão do valor da história à luz da vida, era claramente recusar avaliar a vida. A recusa é explicita em 1888 no Crepúsculo do Ídolos: para Nietzsche, não se pode avaliar a vida pois “a vida mesma nos coage a instituir valores”; cf. “A moral como contranatureza”, 5, KSA 6.86; cf. também “O problema de Sócrates”, 2, KSA 6.68. figurava um apêndice que pretendia proceder a uma “explicação genética” dos conceitos de direito a partir da vingança, entendida como um instinto fundamental.28 28 “Will man daher die Rechtsbegriffe genetisch erklären, so muss man sie sämmtlich aus jenem Grundtriebe ableiten” (Eugen Dühring, 1865, p. 223). Esse segundo apêndice intitula-se “Die transzendente Befriedigung der Rache” (satisfação transcendente da vingança). Cito essa primeira edição a que se refere Nietzsche nos fragmentos póstumos do verão 1875, 9 [1], em: OPC, t. II / 2 (o apêndice sobre a vingança está resumido em 404-406, KSA 8.176-178). Resultou a tese segundo a qual “o sentimento do direito é essencialmente um ressentimento, uma emoção reativa”.29 29 “Das Rechtsgefühl ist wesentlich ein Ressentiment, eine reactive Empfindung” (Dühring,1865, cf. nota 43, p. 219). Em 1882, em Sache, Leben und Feinde (Assuntos, vida e inimigos), Dühring persiste e assinala, referindo-se a este apêndice e declarando que “a doutrina da vingança” havia percorrido todos esses trabalhos como “o fio vermelho da justiça”.30 30 “(Die Rachelehre hat sich als der rothe Gerechtigkeitsfaden durch alle meine Arbeiten und Anstrengungen hindurchgezogen” (Eugen Dühring,1903, p. 335 sq., Leipzig 21903). Essa é a fórmula que Nietzsche cita em Para a genealogia da moral, II, 11, KSA 5.311.

A argumentação de Dühring se apresenta, então, de fato, como uma outra genealogia da moral, sem dúvida bem mais antipática, uma vez que acompanhada um nacionalismo antissemita desenfreado. Evidentemente, não surpreende ver Nietzsche lhe objetar que essa também advém do eterno sofisma de projetar o presente na origem: o reativo (a vingança) não pode ter sido o que motivou a punição, é um produto “tardio” da cultura. Inicialmente, a punição era infligida pelo credor, isto é, pela comunidade, que sancionou o criminoso como devedor insolvente. E dizer que a punição era o reembolso de uma dívida infligida pela comunidade é dizer que ela não foi feita pela vítima e que ela não tinha nada então a ver com a crença no livre arbítrio, a má consciência, e toda a patologia reativa que mais tarde lhe confere um novo sentido e atribuiu retroativamente uma origem fictícia. Essa ocultação procede, é claro, ela mesma de uma ignorância dos arquivos disponíveis, que nos informam que, “historicamente considerado, o direito representa na Terra justamente a luta contra sentimentos reativos” (GM/GM, II, 11, KSA 5.311).

Mas uma coisa pode esconder outra, e ainda encontramos Rée atrás de Dühring. Por isso que, em 1885, publicou Die Entstehung des Gewissens [O surgimento da consciência] num projeto do qual Nietzsche já havia aplaudido, exclamando: “Viva a consciência moral, porque ela agora terá uma história”.31 31 Carta a Rée, fim de julho de 1879. KSB 5.431. Mas Rée também parte da vingança: “De início a punição não existe; mas somente a vingança da vítima ou de sua linhagem”;32 32 “Zunächst also existirt die Strafe nicht; sondern blos Rache des Verletzten oder seines Geschlechts” (Paul Rée, 2004, p. 231). e se não deve ser rapidamente interpretada como uma reação a um sentimento de injustiça, ela é uma reação: “Assim o fato de infligir um sofrimento, mesmo não aprovado pela vítima como um erro, pode provocar reação, a saber, a vingança”.33 33 “Also jede Leidzufügung kann, auch wenn sie von dem Verletzten nicht als Unrecht empfunden wird, eine Reaktion bewirken, nämlich diejenige der Rache” (Paul Rée, 2004, p. 235). A partir daí, pode-se, passo a passo, reconstruir a institucionalização da punição. Finalmente, “os genealogistas da moral”, mencionados no início do § 12, são Dühring e Rée.

Segue-se um primeiro paradoxo: as falsificações genealógicas do judeu Paul Rée e do antissemita Dühring são igualmente reativas. Mas isso não deve dissimular um segundo paradoxo, tão embaraçoso quanto o anterior: o vigor com que Nietzsche refere-se a Dühring talvez esteja relacionado com o fato de que ele havia concebido sua empresa como uma denúncia do pessimismo schopenhauriano entendido como o último avatar do veneno judeu - “die metaphysische Fortpflanzung eines religiösen Aberglaubens” [a reprodução metafísica de uma crença religiosa].34 34 Dühring: Der Werth des Lebens, Cap. 1, § 1, na terceira edição de Leipzig, 1881 (este parágrafo está ausente na primeira edição de 1865, mas não inclui o segundo apêndice de 1865 acima citado). Deve ser notado que no mesmo texto Dühring emprega quase literalmente a mesma expressão que Hegel (“die Jahrhunderte und Jahrtausende”, ver a fórmula citada acima, nota 12) para a escala cronológica na qual ele deveria raciocinar e é idêntica à de Nietzsche. Claro, Nietzsche não subscreve a sinistra conclusão que afirma que “o egoísmo dos Hebreus somente será removido da cena com os próprios hebreus”35 35 “Die Judenselbstsucht wird nur mit den Juden selbst vom Schauplatz abtreten” (ibid., 1865, p. 6). - mas não endossaria a premissa36 36 Quando ele imputa aos judeus terem inaugurado “a revolta dos escravos na moral” (“Sklaven-Aufstand in der Moral”) em Para além de bem e mal, § 195 et Para a genealogia da moral, I, 7, KSA 5.117 e 5.68). O que, é claro, não esgota o julgamento de Nietzsche sobre os judeus. e isso não explicaria a virulência do ataque? Isso não é proporcional à importância de se distinguir de uma empresa com a qual a genealogia tenha talvez mais a ver do que ela quer reconhecer?

III. Genealogia versus histórias

Podemos resumir as coisas assim: a genealogia não é uma “filosofia da história”, mas ela também não é mais uma “filosofia histórica” ou, o que dá na mesma, ela é uma contra-genealogia. Com tal título, ela reivindica a garantia da história empírica sob o gênero não exclusivo da filologia. Mas a narrativa genealógica ainda se opõe, e não menos vigorosamente, à própria narrativa histórica cujo processo figura no § 26 da terceira dissertação,37 37 Um parágrafo que, para dizer o mínimo, dificilmente detém o interesse dos comentadores da Genealogia: Werner Stegmaier,1994, p. 204 sq.; Lawrence J. Hatab, 2008, p. 164 sq.; Simon May (éd.), 2011. No livro citado acima (cf. nota 30), Anthony Jensen não o cita mais que duas vezes, muito apressadamente (pp. 109 e 122). no contexto de uma avaliação do ascetismo contemporâneo. A ciência histórica moderna, longe de se estabelecer contra o ideal ascético, o acompanha: e como poderia ser de outra forma, quando é uma ciência?

Ainda precisamos distinguir duas espécies de historiadores. O primeiro valoriza uma história puramente descritiva, com a ambição essencial de ser um “espelho” (GM/GM III, § 26, KSA 5.405) - e Nietzsche usa aqui pejorativamente, com aspas, do verbo “beschreiben”, o qual vimos que empregou positivamente no ano anterior contra Kant, Schopenhauer e todos os amantes de fundamentações.38 38 Cf. nota 27.

Já em 1874, a segunda Extemporânea (§ 6) estava vigorosamente tomada pela pretensa “objetividade” dos estudos históricos da qual ele era crítico por ser: 1) estéril (para nada serve registrar as verdades que servem para nada); 2) ingênuo (como se pudéssemos evitar qualquer modificação do objeto pelo sujeito); 3) supersticioso (como se pudéssemos evitar toda modificação do sujeito pelo objeto). Quem era assim visado, senão um oponente fantasmagórico, um historiador “positivista” no sentido vulgar (não-comtiano) do termo; talvez o nome de Ranke ilustrasse isso ao preço de um mal-entendido comum?39 39 Ver Gérard Noiriel, Paris 1996, p. 51 sq. e p. 113-116. Nietzsche nomeia Ranke no final do § 19 da mesma dissertação. Foi dito acima (ver nota 26) como, além disso, Nietzsche, contra Rée, usou uma terminologia que Ranke provavelmente não teria negado. Mas, então, havia outra objetividade, a da narrativa dramática (de mitólogo, artista, Wagner), que era colocada antes.

Em 1886, no § 207 de Para além de bem e mal, Nietzsche se detém na metáfora do conhecimento como espelho. Ela ilustra bem o ideal do cientista moderno, que vê no conhecimento “objetivo” um fim em si e é incapaz de concordar ou de negar40 40 O cientista [savant] moderno “weiß nicht mehr zu bejahen, nicht mehr zu verneinen” [não sabe mais afirmar e negar](KSA 5, p. 136); a mesma fórmula é retomada na Genealogia, III, 26: a historiografia moderna “bejaht so wenig als sie verneint” [afirma tão pouco quanto nega] (KSA 5, p. 406). , de destruir ou de comandar: projetando o conhecimento como um simples registro de fatos, tais como se levassem a uma consciência modesta e escrupulosa, despojada de sua natureza interpretativa, e que não compreende que o saber é inseparavelmente criar (valores) e legislar (impor), uma vez que é sempre uma vontade de potência que conhece (JGB/BM 211, KSA 5.144) - e assim se expressando, Nietzsche desfoca as grandes distinções que organizaram a crítica kantiana. A metáfora do espelho é “ascética” na medida em que pretende subtrair da ciência os valores, submetendo-a a um protocolo meticuloso que reclama a abnegação de qualquer singularidade subjetiva. Em breve chega à conclusão de que existem na verdade apenas “fatos”, eles próprios desprovidos de “sentido”. Mas como entender, no ano seguinte, o atalho abrupto que conduz do conhecimento histórico como espelho “para a metapolítica de São Petersburgo e da ‘piedade’ tolstoiana” (GM/GM, III, 26, KSA 5.406)? A resposta é simples: recusar interpretar os fatos, deslegitimar toda obediência política, ou identificar-se indiferentemente com aqueles que sofrem, é sempre a mesma coisa - saber fingir descartar toda hierarquia, rejeitar toda avaliação, negar que a vontade de potência manifeste necessariamente a potência. E assim entende-se melhor o sentido próprio da categoria “niilismo”, que abrange os três grandes registros da objetividade (epistemologia), da piedade (moral) e da anarquia (política). Ela permite reconstituir a unidade da conjuntura, mostrando o fio secreto que relaciona os sintomas aparentemente sem relação.

Para esta reificação do “dado” histórico, o qual jamais é simplesmente dado, mas sempre um produto de uma apropriação, Nietzsche replica que o próprio cientista, tanto quanto o espelho, é um instrumento, um escravo (JGB/BM, 207, KSA 5.135). Isso significa que não se trata de destituir a ciência, por exemplo a filologia, e de afundar em um irracionalismo que retornaria simplesmente para reverter a abstração positivista e fazer valorizar a vontade sem conhecimento. Trata-se de dominá-la. Tal é a chave para a relação entre perspectivismo e filologia, e é por isso que Nietzsche pode, às vezes, de um lado, reivindicar a positividade histórica contra os pseudo-genealogistas da moral e, de do outro lado, recusar violentamente o positivismo historiográfico. Não é preciso rejeitar a erudição, é preciso colocá-la a serviço de uma vontade de potência que dá ao mundo sensível toda a sua consistência, mostrando como ela lhe foi tirada no curso de uma longa e terrível história, e que se trata precisamente de “cortá-la ao meio”. A história não pode se emancipar da filosofia sem participar do niilismo; mas a filosofia não pode ignorar a história sem tornar-se metafísica. É preciso então ordenar para se fazer genealogia autêntica. Como sempre, é um problema de hierarquia. E, para a objetividade, é preciso opor não o mito, mas a perspectiva.

Todavia, não se pode parar por aqui, uma vez que Nietzsche considerava uma segunda categoria da história à qual se prende com uma violência desconcertante, aquela dos historiadores “contemplativos” e cujo representante por excelência é Renan.41 41 Lembremos que A vida de Jesus apareceu em 1863. Não é fácil compreender de início o que Nietzsche lhe censura, mas ele o censura em termos cujo vigor, no fundo, é da época, e refere-se a toda uma tradição ultracatólica francesa que vai de Barbey d’Aurevilly42 42 Ver a crítica de La vie de Jésus que Barbey d’Aurevilly publica em Le nain jaune (22 juillet 1863 et 5 mai 1866), reeditada em 1909, p. 141-166. a Léon Bloy.43 43 Ver o artigo Sépulcres blanchis, publicado em 23 dezembro 1890 que Léon Bloy recolhe em id.: Belluaires et porchers, Paris 1905, p. 79-92 (reeditado em Léon Bloy, 1964, p. 230-237). Este, alhures, estigmatizou, no mesmo ano, no cristianismo de sua época, “uma religião apática e pegajosa, mais formidável por seus efeitos que o próprio niilismo” e que não poderia senão “enfraquecer as almas”44 44 No capítulo 54 de Désespéré, publicado igualmente em 1887 (Paris 1983, Union Générale d’Éditions, p. 302). Ver, igualmente, as páginas 49-54 e 421 para as menções ao niilismo. - a proximidade é surpreendente.

De fato, o que Nietzsche faz, por sua vez, de início, é acusar Renan de uma dupla tartufice. Sob o plano do conhecimento, Renan é apenas um meio-cientista. Certamente, ele afirma que “a história é essencialmente desinteressada”, mas acrescenta imediatamente: “o historiador tem apenas uma preocupação, arte e verdade (duas coisas inseparáveis, a arte guarda o segredo das leis mais íntimas da verdade)”;45 45 Ernest Renan: Prefácio à 13a edição, in: La vie de Jésus, Paris 1974, p. 42. Ver também p. 63: “A moral não é história. Pintar e contar não é aprovar”. assim pretende seduzir como artista voluptuoso, respeitando as duras restrições da verdade, o que equivale a fazer as coisas pela metade, recusando-se a ir a até o fim do que exige a epistemologia moderna; o que era falta de “probidade”. No plano teológico, é o mesmo: Renan assegura tomar distância do cristianismo e estudá-lo “num espírito puramente laico e profano”46 46 Ernest Renan, 1974, p. 42. ; mas é claro que é para justificá-lo sob uma forma desnaturada e a arte não tem realmente qualquer outra função aqui do que transformar a moral evangélica, que ele chama de “a mais bela do mundo”, em uma “deliciosa pastoral”47 47 Ernest Renan, 1974, p. 85 et 180. “Charmoso”, “delicioso” são epítetos que Renan usa de fato, por assim dizer, em cada página. , que oculta o caráter propriamente horrível. Historiador incerto e padre vergonhoso (ver também JGB/BM 48, KSA 5.69), Renan, assim, joga sempre, covardemente, dos dois lados. Toda a sua empresa se alimenta de uma nojenta ambiguidade que tranquiliza os burgueses, evitando toda dramatização - ela não lhe permite escolher entre o cientista e o artista, não mais do que entre o cristão e o homem honesto.

Uma tal abordagem se propaga num espaço de simulação irreparavelmente ambíguo: o pretenso cientista desinteressado é na verdade um artista medíocre e um teólogo dissimulado, mas também o teólogo é portador de uma religião sem fé, reduzida ao “sentimento do infinito”48 48 Ernest Renan, 1974, (cf. nota 65), p. 127. Renan a ela retorna incessantemente, retomando assim um dos principais conceitos de Benjamin Constant (De la religion considérée dans sa source, ses formes et ses développements, 1824-1831). e despojada de toda a nitidez que tinha a verdade - a verdade sinistra, mas a verdade genealógica. É isso que explica uma nova mudança, não menos perturbadora: se a história descritiva conduziu de Ranke a Dostoiévski, a história contemplativa deriva de Renan para Wagner. Mas nós sabemos que o segundo apreciava muito o primeiro,49 49 Janz, 1985, t. III, p. 245 sq. e não é por coincidência - ele também é desprovido de toda convicção real, também pertence ao cristianismo (com Parsifal), mas um cristianismo de artista, sem nenhuma outra substância além do espetacular (ou “contemplativo”), e é por isso que ele também esvazia o ideal ascético de toda significação própria (GM/GM, III, 2-5, KSA 5.340-346). É de admirar que o falsificador tenha reconhecido o falsificador e lá se encontrado! Mas também é de admirar que Nietzsche se lance então contra Renan: é que se trata de Wagner!

A estetização, historiográfica ou dramatúrgica do ascetismo, é irremediavelmente desonesta. Mas se ela suscita em Nietzsche um tal furor, é porque ela mistura o diagnóstico, obscurecendo a lógica do processo niilista em curso. De fato, não se trata de detê-lo, nem de freá-lo, mas, ao contrário, de levá-lo ao ponto em que ele deve se voltar contra si mesmo: Nietzsche não é Bloy, e o ateísmo do livre pensador deve conduzir ao do espírito livre, enquanto a desconfiança de Deus deve se transformar - pelo próprio fato de a genealogia ter uma função performativa - na desconfiança da sombra de Deus, isto é, a verdade. A vontade de verdade a todo preço constrange a perguntar por que devemos querer a verdade (GM/GM 27, KSA 5.410). É justamente essa necessidade que incomoda Renan, o jesuíta por aproximação do ideal ascético: desativa a carga explosiva, impede de nele ver o âmbito suicida e, como resultado, libertador. O verdadeiro cientista é o jansenista, ele não se detém na estrada e termina cedo ou tarde por questionar a vontade de saber.

No entanto, ainda aqui, não está excluído que a ira de Nietzsche advém, em última análise, do que ele deve a Renan sem querer reconhecê-lo. Este havia claramente estabelecido que a revolução desejada por Jesus “fora sempre uma revolução moral” mais do que política;50 50 Renan, 1974, (cf. note 65), p. 224. Comparar com os textos sobre “a revolução dos escravos na moral” citado acima (cf. note 36). afirmou que “nós somos cristãos, mesmo quando nos separamos em quase todos os pontos da tradição cristã que nos precedeu”, porque a essência do cristianismo está registrada no Sermão da Montanha e não nos dogmas da Igreja51 51 Renan, 1974, p. 493. Ver também página 362 na qual Renan evoca sua época como aquela dos “dias turbulentos, quando Jesus não tem autênticos continuadores mais do que aqueles que parecem repudiá-lo”. . E algumas páginas depois, havia anotado: “Pela nossa extrema delicadeza no emprego dos meios de convicção, por nossa sinceridade absoluta e nosso amor desinteressado de ideia pura, nós fundamos, todos nós que dedicamos nossas vidas à ciência, um novo ideal de moralidade”.52 52 Renan, 1974, p. 496.

Sem dúvida as três teses são distintas: Renan não diz que o ideal do cientista seja o cristianismo como moral e não como dogma; e ele então não diz que somos ainda cristãos em virtude desse novo ideal. Mas Nietzsche não faz outra coisa do que sobrepor as três teses para inferir que o cristianismo dogmático, tornado moral, deve agora, contra si mesmo, chegar a termo, (GM/GM, III, 27, KSA 5.410)? E sua fúria também não encobriria sua dívida?

Auch eine Philosophie der Geschichte? [Também uma filosofia da história]? Desde Kant, em 1784, os alemães sonhavam com uma cabeça filosófica, muito consciente dos conhecimentos disponíveis, ordenadora da história empírica.53 53 Ver a conclusão de Kant em Idee zu einer allgemeinen Geschichte in weltbürgerlicher Absicht [1784], in: Id.: Abhandlungen nach 1781, éd. par l’Académie de Berlin, Berlin 1968 (Kants Werke. Akademie-Textausgabe, t. VIII), p. 15-31, aqui p. 30. A genealogia da moral resolve esse problema com novos custos: contra as filosofias da história alemães, as mesmas para as quais Kant havia poderosamente concebido o projeto; contra as gêneses empiristas anglo-saxônicas, das quais Mandeville havia maliciosamente formulado o princípio; contra a austera história alemã dos fatos, ou ainda contra a edulcorada história francesa do cristianismo.

É um “escrito polêmico”, efetivamente europeu. E a solução que ele recomenda não se encontra em uma narrativa, mas em uma série aberta de narrativas onde cada fenômeno deve ser reinscrito em uma nova análise, da qual não se pode pressupor nem o ponto de partida nem o ponto de chegada. No máximo postular que tudo aí se torna, em função das vontades que se relacionam. Este mesmo postulado procede de uma vontade que subjuga orgulhosamente ao arquivo. É que se trata de uma “genealogia” e não de uma história: o vivo se aproveita do morto.

Referências Bibliográficas

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  • *
    Tradução de Geraldo Dias
  • **
    Este artigo pode ser lido como um complemento ao estudo publicado em Cadernos Nietzsche, vol. 34, n° 1, 2014, p.35-62, sob o título “Do valor da história à história dos valores”.
  • 1
    Arthur Schopenhauer, 1978, cap. 38.
  • 2
    Carta à Hans von Bülow, de 29 outubro de 1872.
  • 3
    Ver Paolo D’Iorio, 2012.
  • 4
    Ver Bertrand Binoche, 2016, pp. 199-209.
  • 5
    Para não dizer, tempos depois, a uma inflação que lhe faz perder toda significação precisa.
  • 6
    HL/Co. Ext. II 8 (eine verkappte Theologie), KSA 1.305; HL/Co. IV, 3, [eine verkappte christliche Theodizee], KSA 1.445. Bem mais tarde, no § 10 de O anticristo, Nietzsche caracterizará a filosofia alemã como uma “teologia insidiosa” (“hinterlistige Theologie”), in (AC/AC 10, KSA 6.176).
  • 7
    “jene Jahrtausende vor der Geschichte des Menschen”.
  • 8
    “die längste Zeit der menschlichen Geschichte — man nennt sie die prähstorische Zeit”.
  • 9
    “(…) für jene längste Zeit des Menschengeschlechts Recht behalten, für seine Urzeit”.
  • 10
    “(…) welche der “Weltgeschichte” vorausliegen, als die wirkliche und entscheidende Hauptgeschichte, welche den Charakter der Menschheit festgestellt hat”.
  • 11
    Hegel fala de “Jahrhunderte oder Jahrtausende” [séculos ou milênios] (Hegel 1955, p. 164 sq.). Dühring repetirá a expressão (cf. infra, nota 35). Os nazistas se apropriarão desse tema de milênios distantes recobertos pelo cristianismo e no qual eles pretenderão descobrir a verdade (racial) da origem, ver Johann Chapoutot, 2014, p. 51.
  • 12
    A racionalidade genealógica não é o zweckmässige Tun que define a razão em Hegel no prefácio à Fenomenologia do espírito.
  • 13
    É notável que Nietzsche, na segunda dissertação de Para a genealogia da moral (§ 12) empregue então no plural o termo processos: “Überwältigungsprozesse” [processos de dominação] (KSA 5, p. 314). A segunda Consideração (§ 1), ao contrário, condenava vigorosamente os “Verehrer des Prozesses” [veneradores do processo](KSA 1, p. 256), no singular. É verdade que, ao mesmo tempo, certas formulações de aspecto kantiano, como aquelas que abrem a segunda dissertação e retroativamente atribuem uma tarefa à natureza, soam sarcasticamente.
  • 14
    Zur [!] Genealogie der Moral. Mas, afinal, isso não é dizer Die [!] Genealogie der Moral. E põe ao tradutor francês um problema que já foi muito diversamente resolvido.
  • 15
    Conforme a nota programática que encerra a primeira dissertação.
  • 16
    Lettres choisies, choix et présentation par Marc de Launay, trad. par Henri-Alexis Baatsch et al., Paris 2008NIETZSCHE, F. W. Lettres choisies, choix et présentation par Marc de Launay, trad. par Henri-Alexis Baatsch et al.. Paris: Gallimard, 2008., p. 288. KSB 8.198.
  • 17
    Ibid., p. 301. KSB 8.247.
  • 18
    Curt Paul Janz, 1985, vol. 3, p. 296.
  • 19
    Tal como nas Considerações Extemporâneas.
  • 20
    Grifo nosso.
  • 21
    Como precisamente notou Anthony Jensen, 2013, p. 168.
  • 22
    A crítica de Paul Rée é uma autocrítica: isso foi vislumbrado por certos comentaristas, ver Paul Redding, 1993REDDING, Paul. “Child of the English Genealogists”, in: PATTON, Paul (org.): Nietzsche. Feminism and Political Theory, New-York 1993., p. 221, nota 2. A correspondência de 1883 é bastante reveladora a esse respeito: Nietzsche, muitas vezes, testemunha seu desejo de não ser confundido com Rée (ver as cartas a Overbeck, 6 de março, Köselitz, 17 de abril, Malwida von Meysenbug de 20 de abril).
  • 23
    Na segunda parte de A fábula das abelhas (1729), Mandeville havia apresentado sua investigação como uma genealogia (“pedigree”) inversa à pesquisa das vis origens do que se apresenta como honroso (Mandeville 1924, t. II, p. 31); e, de fato, ele se apresenta, às vezes, como o protótipo perfeito do que Nietzsche herda (ver o que é dito sobre o esquecimento, engendrado pelo hábito, da origem orgulhosa de nossas nas ações no segundo diálogo (Mandeville 1924, t. II, p. 79).
  • 24
    Cf. Jeremy Bentham, 2007 (1789), chap. X, § 10, p. 102: “Now, pleasure is in itself a good: nay, even setting aside immunity from pain, the only good; pain is in itself an evil: and, indeed, without exception, the only evil; or else the words good and evil have no meaning” [Ora, o prazer é em si mesmo um bem - não só isto, mas até o único bem, abstraindo da imunidade da dor; e a dor é em si mesma um mal - não só isto, mas o único mal, sem exceção. De outra forma, as palavras bem e mal não têm nenhum significado (1974, p. 37)].
  • 25
    Cuja célebre fórmula solicita ao historiador “mostrar as coisas wie es eigentlich gewesen [como de fato ocorreram]” e amava empregar a metáfora dos hieróglifos, ver Jean-Yves Calvez, 2001, p. 119 et 126.
  • 26
    moralischen facta” (JGB/BM 186, KSA 5.105).
  • 27
    Colocar, em 1874, a questão do valor da história à luz da vida, era claramente recusar avaliar a vida. A recusa é explicita em 1888 no Crepúsculo do Ídolos: para Nietzsche, não se pode avaliar a vida pois “a vida mesma nos coage a instituir valores”; cf. “A moral como contranatureza”, 5, KSA 6.86; cf. também “O problema de Sócrates”, 2, KSA 6.68.
  • 28
    “Will man daher die Rechtsbegriffe genetisch erklären, so muss man sie sämmtlich aus jenem Grundtriebe ableiten” (Eugen Dühring, 1865, p. 223). Esse segundo apêndice intitula-se “Die transzendente Befriedigung der Rache” (satisfação transcendente da vingança). Cito essa primeira edição a que se refere Nietzsche nos fragmentos póstumos do verão 1875, 9 [1], em: OPC, t. II / 2 (o apêndice sobre a vingança está resumido em 404-406, KSA 8.176-178).
  • 29
    “Das Rechtsgefühl ist wesentlich ein Ressentiment, eine reactive Empfindung” (Dühring,1865, cf. nota 43, p. 219).
  • 30
    “(Die Rachelehre hat sich als der rothe Gerechtigkeitsfaden durch alle meine Arbeiten und Anstrengungen hindurchgezogen” (Eugen Dühring,1903, p. 335 sq., Leipzig 21903). Essa é a fórmula que Nietzsche cita em Para a genealogia da moral, II, 11, KSA 5.311.
  • 31
    Carta a Rée, fim de julho de 1879. KSB 5.431.
  • 32
    “Zunächst also existirt die Strafe nicht; sondern blos Rache des Verletzten oder seines Geschlechts” (Paul Rée, 2004RÉE, Paul. Die Entstehung des Gewissens [1885], in: RÉE, P. Gesammelte Werke 1875-1885, éd. par Hubert Treiber, Berlin 2004., p. 231).
  • 33
    “Also jede Leidzufügung kann, auch wenn sie von dem Verletzten nicht als Unrecht empfunden wird, eine Reaktion bewirken, nämlich diejenige der Rache” (Paul Rée, 2004, p. 235).
  • 34
    Dühring: Der Werth des Lebens, Cap. 1, § 1, na terceira edição de Leipzig, 1881 (este parágrafo está ausente na primeira edição de 1865, mas não inclui o segundo apêndice de 1865 acima citado). Deve ser notado que no mesmo texto Dühring emprega quase literalmente a mesma expressão que Hegel (“die Jahrhunderte und Jahrtausende”, ver a fórmula citada acima, nota 12) para a escala cronológica na qual ele deveria raciocinar e é idêntica à de Nietzsche.
  • 35
    “Die Judenselbstsucht wird nur mit den Juden selbst vom Schauplatz abtreten” (ibid., 1865, p. 6).
  • 36
    Quando ele imputa aos judeus terem inaugurado “a revolta dos escravos na moral” (“Sklaven-Aufstand in der Moral”) em Para além de bem e mal, § 195 et Para a genealogia da moral, I, 7, KSA 5.117 e 5.68). O que, é claro, não esgota o julgamento de Nietzsche sobre os judeus.
  • 37
    Um parágrafo que, para dizer o mínimo, dificilmente detém o interesse dos comentadores da Genealogia: Werner Stegmaier,1994SCHOPENHAUER, Arthur. Le monde comme volonté et représentation. Trad. A. Burdeau. Paris: PUF, 1978., p. 204 sq.; Lawrence J. Hatab, 2008, p. 164 sq.; Simon May (éd.), 2011. No livro citado acima (cf. nota 30), Anthony Jensen não o cita mais que duas vezes, muito apressadamente (pp. 109 e 122).
  • 38
    Cf. nota 27.
  • 39
    Ver Gérard Noiriel, Paris 1996NOIRIEL, Gérard. Sur la “crise” de l’histoire, Paris: Belin, 1996., p. 51 sq. e p. 113-116. Nietzsche nomeia Ranke no final do § 19 da mesma dissertação. Foi dito acima (ver nota 26) como, além disso, Nietzsche, contra Rée, usou uma terminologia que Ranke provavelmente não teria negado.
  • 40
    O cientista [savant] moderno “weiß nicht mehr zu bejahen, nicht mehr zu verneinen” [não sabe mais afirmar e negar](KSA 5, p. 136); a mesma fórmula é retomada na Genealogia, III, 26: a historiografia moderna “bejaht so wenig als sie verneint” [afirma tão pouco quanto nega] (KSA 5, p. 406).
  • 41
    Lembremos que A vida de Jesus apareceu em 1863.
  • 42
    Ver a crítica de La vie de Jésus que Barbey d’Aurevilly publica em Le nain jaune (22 juillet 1863 et 5 mai 1866), reeditada em 1909, p. 141-166.
  • 43
    Ver o artigo Sépulcres blanchis, publicado em 23 dezembro 1890 que Léon Bloy recolhe em id.: Belluaires et porchers, Paris 1905, p. 79-92 (reeditado em Léon Bloy, 1964, p. 230-237).
  • 44
    No capítulo 54 de Désespéré, publicado igualmente em 1887 (Paris 1983, Union Générale d’Éditions, p. 302). Ver, igualmente, as páginas 49-54 e 421 para as menções ao niilismo.
  • 45
    Ernest Renan: Prefácio à 13a edição, in: La vie de Jésus, Paris 1974, p. 42. Ver também p. 63: “A moral não é história. Pintar e contar não é aprovar”.
  • 46
    Ernest Renan, 1974, p. 42.
  • 47
    Ernest Renan, 1974, p. 85 et 180. “Charmoso”, “delicioso” são epítetos que Renan usa de fato, por assim dizer, em cada página.
  • 48
    Ernest Renan, 1974, (cf. nota 65), p. 127. Renan a ela retorna incessantemente, retomando assim um dos principais conceitos de Benjamin Constant (De la religion considérée dans sa source, ses formes et ses développements, 1824-1831).
  • 49
    Janz, 1985, t. III, p. 245 sq.
  • 50
    Renan, 1974, (cf. note 65), p. 224. Comparar com os textos sobre “a revolução dos escravos na moral” citado acima (cf. note 36).
  • 51
    Renan, 1974RENAN, Ernest. La vie de Jésus. Éd. par Jean Gaulfumier, Paris 1974., p. 493. Ver também página 362 na qual Renan evoca sua época como aquela dos “dias turbulentos, quando Jesus não tem autênticos continuadores mais do que aqueles que parecem repudiá-lo”.
  • 52
    Renan, 1974, p. 496.
  • 53
    Ver a conclusão de Kant em Idee zu einer allgemeinen Geschichte in weltbürgerlicher Absicht [1784], in: Id.: Abhandlungen nach 1781, éd. par l’Académie de Berlin, Berlin 1968 (Kants Werke. Akademie-Textausgabe, t. VIII), p. 15-31, aqui p. 30.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2020
  • Aceito
    25 Maio 2020
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