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Sobre incompatibilidade e estranhamento: o enunciado da cristofobia e suas escalas de sentido em charges online

RESUMO

Neste artigo proponho uma análise dialógica de cinco charges online tematizadas pelo termo cristofobia, que reverberam o discurso na ONU do ex-presidente do Brasil (2019-2022) em setembro de 2020. Nele o mandatário conclamava a comunidade internacional a combater a cristofobia. Nas charges, o sentido de perseguição a cristãos é tensionado, apresentando um quadro de antagonismo interdiscursivo entre posicionamentos cristãos e dos fanáticos seguidores do ex-presidente. Partindo da premissa de que a charge é um gênero discursivo privilegiado para compreender as ressonâncias dialógicas entre interlocutores e discursos, a cristofobia é trabalhada como enunciado que responde a escalas de sentido que se revelam na relação entre as enunciações observadas. Percebe-se nas charges um jogo discursivo de incompatibilidade e estranhamento que produz um Outro cristofóbico em oposição a um “nós minoritário” e perseguido, apresentado no discurso da ONU. Nesse arranjo enunciativo, ressalta-se uma percepção sobre intolerância religiosa como resultado da agenda política do alinhamento ideológico-religioso do ex-presidente do Brasil.

PALAVRAS-CHAVE:
Cristofobia; Enunciado; Análise Dialógica; Religião; Alteridade

ABSTRACT

In this article, I propose a dialogical analysis of five online cartoons which reverberate the discourse of the former president of Brazil (2019-2022) at the UN in September 2020, when he called the international community to combat Christphobia. Named after the same term, the cartoons present a framework of interdiscursive antagonism between Christian and the former President of Brazil’s fanatic followers’ positions. Assuming that cartoons are a privileged discursive genre for understanding the dialogical resonances between interlocutors and discourses, this work approaches Christphobia as a responsive utterance in terms of scales of meaning. From the analysis, one can see a discursive game of incompatibility and estrangement, that makes room to a Christophobic “Other” in opposition to a persecuted “minority us,” as once presented during the UN discourse. There is an emphasis on a perception of religious intolerance as a result of the political agenda of the former president of Brazil’s religious-ideological alignment.

KEYWORDS:
Christphobia; Utterance; Dialogical Analysis; Religion; Otherness

Introdução

Neste artigo, proponho uma análise dialógica de cinco charges sob o título “cristofobia”, que foram publicadas pelo chargista e artista André Lafayete, em seu perfil público no Instagram (@ultralafa) no mês de setembro de 2020. As publicações repercutiam o discurso do ex-presidente do Brasil (2019-2022) durante a sessão solene de abertura da 75ª. reunião da Assembleia Geral da ONU, que aconteceu no dia 22 de setembro de 2020. Nele, o ex-presidente conclama a comunidade internacional a lutar contra a cristofobia, após exaltar a liberdade como o maior bem da humanidade (ONU NEWS, 2020)1 1 “A liberdade é o bem maior da humanidade. Faço um apelo à toda comunidade internacional: pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia” (ONU NEWS, 2020), foram as palavras do ex-presidente no discurso. . A reação ao discurso, que também contemplou temáticas como a gestão da pandemia de Covid19 e o controle de queimadas na Amazônia, foi amplamente observada na Internet (Sanches, 2020SANCHES, Mariana. De 'cristofobia' a Amazônia: os sete pontos polêmicos do discurso de Bolsonaro na ONU. BBC News Brasil, 22 set. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54251800. Acesso em: 01 jul. 2023.
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), exemplificando, tal qual Recuero (2014)RECUERO, Raquel. A conversação em rede: comunicação mediada pelo computador e redes sociais na internet. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2014. ressalta, como a conversação em rede captura acontecimentos que influenciam a cultura, constroem fenômenos e espalham informações.

A análise dialógica demarca a intenção de pensar a cristofobia como enunciado, colocando atenção na atitude responsiva nas quais as charges se sustentam. Nesse sentido, a compreensão de um enunciado “é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se o locutor” (Bakhtin, 1997, p. 290, grifo do autor). Acompanhar esse movimento do enunciado requer ter em mente como o dialogismo estabelece relações que se dão entre interlocutores e entre discursos, formando elos na cadeia de comunicação verbal. Assim, vemos como o enunciado da cristofobia que se materializa nas charges não pode ser pensado sem levar em consideração o discurso na ONU, ao mesmo tempo em que este aciona memórias discursivas e sociais que os antecedem, numa relação de “ressonância dialógica” (Bakhtin, 1997aBAKHTIN, Mikhail. O autor e o herói. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina G. G. Pereira. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997a, p. 23-114., p. 320) que fala muito sobre os efeitos de sentido numa dada enunciação.

Também é preciso levar em conta as dimensões históricos-sociais que circundam o enunciado, apontando-lhe o contexto ideológico que acentua, na cristofobia, suas possibilidades de compreensão. Assim, é preciso pontuar que não se trata de negar a existência de intolerância religiosa contra cristãos, fenômeno observado e debatido por organismos internacionais e de proteção aos direitos humanos em latitudes distintas pelo mundo. Trata-se de compreender, num país como o Brasil, as condições sócio-dialógicas que permitem que a cristofobia seja enunciada, tendo em vista o contexto de permeabilidade entre política e religião no país. Esse contexto específico, como será mostrado, articula algo fundamental para que o termo cristofobia faça sentido: suas escalas de medida, que permitem que a identidade cristã ora se apresente como minoritária, ora como majoritária. O manejo dessas diferenças diz muito sobre como o cristianismo, para sobreviver ao longo de dois milênios, estabelece relações diversas com os “poderes constituídos”, apresentando-se ora como minoria perseguida, ora como religião do Império (Green, 2023GREEN, Lloyd. Losing Our Religion Review: Trump and the Crisis of US Christianity. The Guardian, 2023. Disponível em: https://www.theguardian.com/books/2023/aug/13/losing-our-religion-review-trump-crisis-christianity. Acesso em 13 Ago 2023.
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). Assim, a tradição religiosa instituída pela narrativa da crucificação é a mesma das narrativas gloriosas de conversão, de reforma ou de afinidade com formas contemporâneas de nacionalismos e conservadorismo.

O interesse do trabalho não é navegar por esse emaranhado de memórias, narrativas, ditos e interditos, mas localizar um diálogo com a cristofobia, para chegar ao “inusitado de sua forma de ser discursivamente, à sua maneira de participar ativamente de esferas de produção, circulação e recepção, encontrando sua identidade nas relações dialógicas estabelecidas com outros discursos, com outros sujeitos” (Brait, 2006BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, B. Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p. 9-33., p. 13-14). Para isso, o trabalho percorre uma jornada que se inicia na primeira seção com a compreensão da cristofobia como enunciado; sua “entrada na esfera do discurso” (Faraco, 2017FARACO, Carlos Alberto. Autor e autoria. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2017. cap. 2, p. 37 - 60.) traz uma delimitação, que aponta para o contexto da enunciação do ex-presidente no plenário da ONU, como identidade minoritária. A segunda seção se detém nas charges e suas análises, argumentando como a noção de intolerância religiosa do material maneja uma escala majoritária sobre a identidade cristã e sua associação ao alinhamento ideológico-religioso do ex-presidente do Brasil, tanto em seus recortes éticos quanto econômicos. A terceira seção se propõe a analisar os quadros de incompatibilidade e estranhamento com que o sentido de cristofobia precisa operar nas charges para que um Outro cristão e cristofóbico possa aparecer. Por fim, o trabalho se encerra com uma reflexão sobre o trabalho dialético que o enunciado convoca.

1 Cristofobia no Brasil? Delimitando o contexto, situando o enunciado

Nesta seção, tomo a cristofobia como palavra-enunciado, constructo em que a expressividade da palavra é demarcada para além dos recursos sintáticos, lexicais e morfológicos da língua. Tal concepção é apresentada por Pereira e Brait (2020)PEREIRA, Rodrigo Acosta; BRAIT, Beth. Revisitando o estudo/estatuto dialógico da palavra-enunciado. Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, SC, v. 20, n. 1, p. 125-141, jan./abr. 2020. Disponíevl em: https://doi.org/10.1590/1982-4017-200108-3219. Acesso em 06 Jun 2023.
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, em seus estudos a partir do Círculo de Bakhtin. Para eles, “a expressividade da palavra é o elemento que marca seu índice valorativo, que possibilita à palavra receber um determinado valor na situação de interação da qual participa” (Pereira; Brait, 2020PEREIRA, Rodrigo Acosta; BRAIT, Beth. Revisitando o estudo/estatuto dialógico da palavra-enunciado. Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, SC, v. 20, n. 1, p. 125-141, jan./abr. 2020. Disponíevl em: https://doi.org/10.1590/1982-4017-200108-3219. Acesso em 06 Jun 2023.
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, p. 135). Nesse sentido, a palavra-enunciado não é “uma forma idêntica a si mesma ou expressão do pensamento” e sim “construto social, [que reafirma a] (...) possibilidade de considerar seu estatuto a partir da perspectiva dialógica” (Pereira; Brait, 2020PEREIRA, Rodrigo Acosta; BRAIT, Beth. Revisitando o estudo/estatuto dialógico da palavra-enunciado. Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, SC, v. 20, n. 1, p. 125-141, jan./abr. 2020. Disponíevl em: https://doi.org/10.1590/1982-4017-200108-3219. Acesso em 06 Jun 2023.
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, p. 135). Assim, o enunciado é a unidade discursiva por excelência numa análise sociológico-dialógica, que compreende três estágios. O primeiro envolve tanto a compreensão da situação social ampla (as condições sociais, históricas, culturais, políticas etc.) quanto da situação imediata (os interlocutores e seus horizontes ideológico-valorativos). O segundo delimita a palavra-enunciado num dado gênero discursivo, o que requer levar em conta suas possíveis dimensões verbal, visual, verbo-visual ou gesto-visual. O terceiro estágio prevê o reconhecimento dos “potenciais de sentido” que a palavra-enunciado engendra.

O percurso metodológico da análise sociológica-dialógica requer atenção às densidades da alteridade na formação da palavra-enunciado. Isso porque o integrante de “um grupo falante nunca encontra previamente a palavra como uma palavra neutra da língua, isenta das aspirações e avaliações de outros ou despovoada das vozes de outros. (...) A palavra, ele a recebe da voz de outro e repleta de voz de outros” (Bakhtin, 2002BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002., p. 232). É assumindo a relação com o outro (o dialogismo em si) que a palavra se dá como enunciado e essa categoria interessa justamente porque convida a navegar pelos tantos fios dialógicos que tecem a possibilidade de sentidos que emergem numa dada enunciação. No caso específico da cristofobia, é fundamental que se pense dialogicamente a partir das tantas vozes que se somam a do ex-presidente em seu discurso na ONU, em setembro de 2020.

Afinal, num país como o Brasil, seria possível falar de cristofobia? A fala do presidente trouxe à tona números expressivos sobre a presença do Cristianismo no Brasil, em que cerca de 85,7% da população professa uma fé cristã, segundo indica o Censo 2010. Além disso, é importante ter em mente que a hegemonia cristã não se dá apenas em termos quantitativos, é também um aspecto relevante da cultura cívica do país, observada na regulação do calendário civil com seus feriados cristãos (Montero, 2009MONTERO, Paula. Secularização e espaço público: a reinvenção do pluralismo religioso no Brasil. Etnográfica [Online], vol. 13 (1), 2009. Disponível em: http://journals.openedition.org/etnografica/1195. Acesso em 01 Jun 2023.
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), ou na ocupação do espaço público com monumentos, patrimônios (e crucifixos) que demarcam a ubiquidade do cristianismo de forma geral (Giumbelli, 2008GIUMBELLI, Emerson. A presença do religioso no espaço público: modalidades no Brasil. Religião & Sociedade, Rio de Janeiro, v. 28, n. 2, p. 80-101, 2008. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0100-85872008000200005. Acesso em 05 Jun 2021.
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) nas praças, prédios públicos e cortes de justiça. Enquanto fenômeno social, a cristofobia é um argumento no mínimo insustentável no Brasil. No entanto, enquanto enunciado, o termo encontra ressonância em determinadas bases político-religiosas, deixando ver uma situação social ampla que se baseia na linguagem dos direitos democráticos para postular sobre perseguição religiosa e proteção de minorias.

Nesse sentido, é importante considerar o que Castelli (2007)CASTELLI, Elizabeth. Persecution Complexes: Identity, Politics and the “War on Christians.” Brown University and differences: A Journal of Feminist Cultural Studies, v. 18, n. 3, p. 155-156. Disponível em: https://doi.org/10.1215/10407391-2007-014. Acesso em 05 Jul 2023.
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delimitou como “complexo da perseguição cristã”, uma forma de ativismo político organizado sob a égide do combate à “perseguição religiosa” e da proteção da “liberdade religiosa” que se articulou a partir da década de 1960 nos Estados Unidos e vem ganhando tração nas reivindicações de grupos ultraconservadores cristãos naquele país, sobretudo com a ascensão da direita alternativa e conservadora (alt-right) que ganhou forma com o trumpismo. A cristofobia integra essa lógica persecutória que organiza discursos das denominações cristãs não só nos Estados Unidos, mas em diversas outras latitudes (incluindo aí o Brasil). Como explica o teólogo Ronilson Pacheco em entrevista à Agência Pública (Correa, 2020), a cristofobia é um termo de significativa potência política, que pode ser utilizada virtualmente para qualquer questão. Ele explica:

Um debate com relação a discursos homofóbicos - o que é crença, o que é discurso de ódio - pode ser enquadrado como cristofobia. Qualquer discussão que coloque em xeque práticas de comunidades terapêuticas cristãs, que não respeitem o mínimo da política de saúde mental, podem ser enquadrados dentro de uma perspectiva de cristofobia (Correa, 2020, s/p).

A reflexão de Castelli fornece importantes insights sobre o funcionamento discursivo desse complexo de perseguição e suas principais características e efeitos. A primeira é a sua autorregulação, que se dá num circuito de repetições que simplifica “alegações de perseguição religiosa através de cada nível sucessivo de interação, independentemente de qualquer contra interpretação ou apresentação de contra evidências empiricamente fundamentadas” (Castelli, 2007CASTELLI, Elizabeth. Persecution Complexes: Identity, Politics and the “War on Christians.” Brown University and differences: A Journal of Feminist Cultural Studies, v. 18, n. 3, p. 155-156. Disponível em: https://doi.org/10.1215/10407391-2007-014. Acesso em 05 Jul 2023.
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, p. 173). A segunda é a capacidade de afetar políticas sociais, demonstrando habilidade pragmática em reivindicar e delimitar direitos civis. Entendo que as discussões sobre o “complexo de perseguição cristã” abrem relevantes brechas de reflexão sobre situações similares no Brasil, principalmente no que se refere ao debate sobre cristofobia, termo que já atravessou o debate público antes de o ex-presidente chegar ao púlpito da ONU em 2020 (Correa, 2020). Isso ajuda a identificar os fios dialógicos com que se tecem os sentidos de perseguição que a cristofobia suscita, mesmo que se trate de um país majoritariamente cristão. Ao mesmo tempo é possível perceber como tal arranjo é capaz de fixar uma determinada posição de sujeito no espaço público, capaz de conquistar legitimidade a partir de uma gramática democrática.

Assim, a “situação imediata” do enunciado é o contexto da cerimônia de abertura da Reunião da Assembleia Geral da ONU e seus interlocutores. Naquele momento, havia a expectativa de que o então mandatário brasileiro haveria de lidar com questões críticas no cenário internacional: do gerenciamento da crise causada pela pandemia de Covid-19 às questões de políticas ambientais. As repercussões sobre o discurso ressaltaram como a cristofobia foi uma espécie de aceno do presidente a sua tenaz base eleitoral evangélica (Sanches, 2020SANCHES, Mariana. De 'cristofobia' a Amazônia: os sete pontos polêmicos do discurso de Bolsonaro na ONU. BBC News Brasil, 22 set. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54251800. Acesso em: 01 jul. 2023.
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). A ambiguidade latente do termo no próprio discurso do ex-presidente foi capturada por Toniol (2020)TONIOL, Rodrigo. Cristofobia e a captura dos Direitos Humanos. Estado da Arte, Estadão. São Paulo, 17 out. 2020. Disponível em: https://estadodaarte.estadao.com.br/toniol-cristofobia-direitos-humanos/?fbclid=IwAR32ZOpg0xZ29rHSiPitLaS_gMWUcop-Q-eH4BZS0HG7sheaSIAfYJaPzpA. Acesso em: 01 jul. 2023.
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, que ressaltou como na fala do então presidente coexistiam tanto o apelo do combate à cristofobia quanto o reconhecimento do Brasil como “um país cristão e conservador, [que] tem na família a sua base”. Para o autor, não se tratava de um equívoco ou contradição, mas de um jogo de escalas e manuseio de identidades, demonstrando como a gramática da cristofobia depende de uma lógica política de minoritização e do reconhecimento do Brasil como país cristão.

Esse jogo de escalas é um ponto fundamental para a análise dialógica da cristofobia, pois demarca um movimento na enunciação que tanto embaralha concepções de liberdade e perseguição entre maiorias, quanto mimetiza a crítica que historicamente as minorias tecem às estruturas de poder. O sentido de ameaça e a necessidade de proteção que atravessam a palavra-enunciado da cristofobia remetem à “quase arquetípica história cristã de martírio e perseguição, e desconsidera as ambiguidades inerentes a uma história mítica de reivindicação através do sofrimento” (Castelli, 2007CASTELLI, Elizabeth. Persecution Complexes: Identity, Politics and the “War on Christians.” Brown University and differences: A Journal of Feminist Cultural Studies, v. 18, n. 3, p. 155-156. Disponível em: https://doi.org/10.1215/10407391-2007-014. Acesso em 05 Jul 2023.
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, p. 160). Segundo a autora, o complexo de perseguição cristã evoca memórias discursivas de uma “Igreja Perseguida” que não condiz mais com o alcance global do Cristianismo2 2 Neste trabalho, usarei o termo “memória fora do lugar” para nomear esse processo de evocação de memórias sobre uma “Igreja Perseguida”, remontando ao momento do Cristianismo em seu estágio primitivo, enquanto religião minoritária, perseguida pelas forças do Império Romano. Hoje, o Cristianismo ainda é considerada a maior religião do mundo com cerca de 2.4 bilhões de adeptos no mundo (Hackett; Mcclendon, 2017). . Não por acaso, o ex-presidente lança mão da cristofobia num ponto do discurso em que destaca a liberdade como “bem maior da humanidade” e equipara o apelo à liberdade religiosa ao combate à cristofobia. Ao apagar deliberadamente o dado histórico de perseguição às religiões de matrizes africanas no Brasil3 3 No momento em que finalizo esse texto, acompanhamos as notícias sobre o assassinato de Mãe Bernadete, Yalaorixá. , a palavra-enunciado da cristofobia demonstra como todo objeto está “embebido em discurso”, de tal modo que “todo discurso que fale de qualquer objeto não está voltado para a realidade em si, mas para os discursos que o circundam” (Fiorin, 2018FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2018., p. 22).

Impregnada de vozes sociais que se utilizam de uma concepção ambígua de liberdade religiosa, de uma “memória fora de lugar”, de apagamentos e já-ditos, de idas e vindas em escalas majoritárias e minoritárias, a cristofobia daquele mandatário é um exemplo de como “os enunciados, ao mesmo tempo que respondem ao já dito (...), provocam continuamente as mais diversas respostas” (Faraco, 2017FARACO, Carlos Alberto. Autor e autoria. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2017. cap. 2, p. 37 - 60., p. 58-59). Assim, se por um lado seu discurso na ONU aciona uma intrincada teia dialógica, ele também põe em movimento essa mesma teia, capaz de engendrar outros sentidos, responsivos, num devir de duplo movimento: “como réplica ao já dito e sob o condicionamento da réplica ainda não dita, mas já solicitada e prevista, já que Bakhtin entende o universo da cultura como um grande e infinito diálogo” (Faraco, 2017FARACO, Carlos Alberto. Autor e autoria. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2017. cap. 2, p. 37 - 60., p. 42). Assim, na seção seguinte, discutirei, a partir das especificidades da charge online como a palavra-enunciado da cristofobia entra nessa teia em sua forma discursivamente inusitada, como resposta e ironia.

2 A charge online: fios dialógicos e construção de sentidos

Situado num dado momento histórico e social e tocando os milhares de fios dialógicos existentes, o enunciado participa ativamente no diálogo social (Bakhtin/Volóchinov, 2009BAKHTIN, Mikhail (VOLOCHINOV). O discurso de outrem. In: BAKHTIN, Mikhail (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. Prefácio de Roman Jakobson. Apresentação de Marina Yaguello. Tradução de Michel Laud e Yara Frateschi Vieira. Colaboração de Lúcia Teixiera Wisnik e Carlos Henrique D Chagas Cruz. São Paulo: Hucitec, 2009, p. 144-154.), o que reforça a importância de pensar os atravessamentos que conformam um dado discurso e as adesões que ele convoca. Nesse sentido, entendo que a perspectiva dialógica ajuda a situar como o enunciado da cristofobia pode fazer sentido apesar de sua impossibilidade como fenômeno (histórico, censitário e cultural) no Brasil. Se, por um lado, como demonstrei na seção anterior, a cristofobia no discurso do ex-presidente remete a uma estratégia de articulação com sua base de apoiadores religiosos na medida em que subscreve o complexo de perseguição cristã; por outro, o enunciado do então presidente abre espaço para respostas diversas que podem tanto endossar quanto contrapor sua afirmação de perseguição, conformando a tensão entre enunciados que estruturam as relações dialógicas (Faraco, 2017FARACO, Carlos Alberto. Autor e autoria. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2017. cap. 2, p. 37 - 60.).

Tomando a charge como lócus privilegiado de observação dos tensionamentos que emergem a partir do enunciado da cristofobia do ex-presidente, argumento com Carmelino e Possenti (2019)CARMELINO, Ana Cristina; POSSENTI, Sírio. Charge, memória e polêmica: o caso Bolsonaro. Diálogos Pertinentes, Franca, v. 15, n. 2, p. 27-50, jul./dez. 2019. Disponível em: https://doi.org/10.26843/dp.v15i2.3612. Acesso em 15 Jun 2023.
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que se trata de um gênero discursivo, tanto no que diz respeito a sua estrutura e forma de circulação, quanto por sua forma peculiar de estabelecer relações com um dado contexto histórico e social. A comunicação pela charge demonstra, conforme explica Bakhtin (1997b)BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina G. G. Pereira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997b, p. 277-326. sobre gêneros discursivos, que o discurso se molda à forma do enunciado que pertence a um sujeito falante, revelando especificidades da comunicação, como a necessidade de uma temática que se revela no objeto do sentido. Assim, o uso da charge para repercutir a cristofobia já demonstra uma posição do sujeito, que reconhece nesse gênero a possibilidade de instalar sentidos que não só se opõem àquele do púlpito da ONU, mas o ironizam, colocando-o num lugar de escrutínio, expondo-lhe as contradições. Isso porque a charge é, como explica Teixeira (2005)TEIXEIRA, Luís Sérgio. Sentidos do humor, trapaças da razão: a charge. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2005., um desenho de humor cujos traços transitam entre a simplificação e o exagero, em que se retomam, transmitem e repercutem múltiplas informações, num jogo sutil de interditos e permitidos.

Gênero crítico e opinativo, a charge toma o horizonte social imediato dos acontecimentos que ocupam o espaço público, questionando a realidade a partir de uma perspectiva crítica, contestatória. A origem francesa do termo (charge vem de charger) denota a carga, o peso sobre o conteúdo a ser trabalhado, o que de certa forma exemplifica a postulação de Bakhtin sobre o funcionamento dos gêneros do discurso na comunicação humana. Segundo ele, os discursos se moldam em forma de gênero e, ao ouvir o discurso alheio já se adivinha o seu gênero “pelas primeiras palavras, adivinhamos um determinado volume, uma determinada construção composicional, (...) desde o início temos a sensação do conjunto do discurso” (Bakhtin, 1997bBAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina G. G. Pereira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997b, p. 277-326., p. 290). Assim, entendo que ouvir/ler a charge é, por certo, esperar uma carga sobre um determinado sentido ou argumento, geralmente inusitado, crítico ou controverso. A charge é também polivalente, pode ser lida como fonte histórica com potencial para “identificação da historicidade inerente às práticas políticas, especialmente ao traduzir a multiplicidade de interesses de que tais práticas se revestem” (Romero, 2020ROMERO, Marcelo. A charge como fonte histórica e ferramenta didática no ensino de História. Cadernos do Aplicação, Porto Alegre, v. 33, n. 1, 2020. DOI: 10.22456/2595-4377.104522. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/CadernosdoAplicacao/article/view/104522. Acesso em: 8 ago. 2023.
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, p. 3) ou como recurso didático que sintetiza um dado contexto histórico. Ao se somar aos registros críticos de um determinado tempo, a charge também atua na construção de uma “memória social sem a qual não poderia haver História, que só se constitui pelo discurso” (Oliveira, 2001OLIVEIRA, Maria Lilia Simões de. Charge: imagem e palavra numa leitura burlesca do mundo. In: AZEREDO, José Carlos. Letras & Comunicação: uma parceria para o ensino de língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 2001., p. 265).

Também merece atenção o fato de que a charge como aqui analisada é um gênero fortemente marcado pelo processo de remediação, pois apesar de ainda trazer as marcas de suas formas originais, desenvolvidas ao longo da cultura dos jornais impressos, acumula características próprias à circulação de conteúdos digitais. A remediação diz respeito a um processo em que “novas” mídias se apropriam das técnicas, formas e significação cultural das “velhas” mídias. O termo, cunhado por Bolter e Gruisin (2000), sustenta que os meios se renovam num processo de recuperação dos elementos anteriores e formam novos produtos que ora imitam, incorporam ou desafiam as práticas anteriores. Um dos efeitos mais importantes da remediação é a “transparência do meio”, em que “o usuário não se atenta ao contato com o meio, mas, ao contrário, estabelece uma relação imediata com o conteúdo daquele meio”. (Bolter, Grusin, 2000BOLTER, Jay David; GRUSIN, Richard. Remediation: Understanding New Media. Cambridge: The MIT Press, 2000., p. 23-24). Na perspectiva da cultura digital, a remediação faz com que se consumam conteúdos e informação de forma que o suporte envolvido (geralmente uma plataforma) seja apagado, ou mesmo naturalizado no processo de interação. A remediação das charges não altera suas características formais básicas, tais como a multimodalidade ou o escopo de repercutir acontecimentos ou pessoas do contemporâneo, mas impacta significativamente a frequência e forma de distribuição, não mais vinculadas à publicação num jornal ou revista, mas a atenção e interesse de um determinado chargista ao debate público e à sua disponibilidade em compartilhar tais imagens.

É o caso das charges analisadas neste trabalho, todas concebidas pelo chargista André Lafayete e publicadas em seu perfil pessoal-profissional no Instagram (@putz_grilah). O corpus do trabalho abarca cinco (05) publicações, todas intituladas “cristofobia”, feitas entre os dias 23 e 24 setembro de 2020, ou seja, menos de uma semana após o discurso de do ex-presidente na ONU, e sem vinculação a um meio de comunicação específico. Todas elas estão postadas no feed do perfil, e se estruturam imageticamente de forma semelhante: apresentam a figura de um personagem comum se opondo a Jesus Cristo num desfecho de intolerância, que o autor denota como cristofobia.

Outro aspecto comum a todas as charges é a construção de uma incompatibilidade interdiscursiva. De um lado, na forma de intertexto, o personagem de Jesus Cristo se manifesta a partir dos Evangelhos de João (três charges) ou de Mateus (duas charges), ambos do Novo Testamento (NT). O segundo reverbera enunciados de uma cultura político-religiosa fortemente associada aos grupos que apoiaram/apoiam o alinhamento ideológico-religioso do ex-presidente do Brasil 4 4 É importante ressaltar como o alinhamento ideológico-religioso do ex-presidente do Brasil tratado no texto revela muito mais um arranjo do que propriamente personaliza uma força política. . Assim, tem-se dois aspectos da análise que se conectam e influenciam mutuamente: a apresentação de duas posições ético-discursivas que se dão na charge como inconciliáveis (a de Jesus e a de seu interlocutor); e a intolerância religiosa (que remete à cristofobia, enunciado que instaura e motiva as charges) como desfecho comum em todas as cenas. A seguir, farei uma breve descrição das cenas do corpus, distinguindo dois recortes como vetores de análise: um ético e outro econômico, posicionados em função da origem dos Evangelhos de João e Mateus, respectivamente.

2.1 A ética da cristofobia: incompatibilidades entre o Evangelho de João e o alinhamento ideológico-religioso do ex-presidente do Brasil

Na charge abaixo, publicada em 24 de setembro de 2020, temos o quadro em que Jesus Cristo profere: “Atire a primeira pedra aquele que nunca pecou”. Extraído do Evangelho de João (Jo 8:7), o trecho remonta à conhecida “narrativa da mulher adúltera”, em que Jesus interrompe o apedrejamento de uma mulher casada que havia sido flagrada em pecado de adultério. O interlocutor de Jesus é um homem de meia idade que responde: “Bandido bom é bandido morto”, demarcando um posicionamento político que reverbera as filiações punitivistas que marcam o discurso dos fanáticos seguidores do ex-presidente.

Já na charge seguinte, o personagem de Cristo diz a um homem jovem e musculoso “Eu te amo” e a reação a sua fala é um soco em seu rosto. A referência intertextual também se encontra no Evangelho de João, que narra o momento em que Jesus dá um novo mandamento aos apóstolos: de se amarem uns aos outros como o próprio os amou (Jo 13:34). A reação violenta do homem à demonstração de amor conota não só rejeição ao mandamento como leva o leitor a entender a situação como um caso de aversão ao afeto entre homens.

A terceira charge também se inicia a partir de um intertexto do Evangelho de João. “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” é respondida por uma personagem que retruca com uma paráfrase extraída do mesmo discurso do ex-presidente na ONU, em que o então presidente afirmava que as queimadas na Amazônia eram resultado da ação das comunidades indígenas e ONGs que lá habitavam5 5 Em um dado trecho do discurso, o ex-presidente afirma que o Brasil se tornou alvo de uma “campanha de brutal” de desinformação a respeito dos incêndios na Amazônia. Em suas palavras: “a floresta é úmida e não permite o fogo no seu interior e que os focos de incêndios acontecem no entorno leste da floresta, onde moradores queimam seus lixos em áreas desmatadas” (ONUNEWS, 2020). .

Quero ressaltar aqui como o corpus revela as marcas da heterogeneidade constitutiva, que finca a atenção no Outro ou nos Outros que formam o enunciado da cristofobia nas charges. Como Authier-Revuz (2004)AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Entre a transparência e a opacidade: um estudo enunciativo do sentido. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. explica: “O outro não é um objeto (exterior, do qual se fala), mas uma condição (constitutiva, para que se fale) do discurso de um sujeito falante que não é fonte-primeira desse discurso” (p. 69). É preciso também ressaltar a intertextualidade como uma entre as formas de relação dialógica que se apreende dos discursos de maneira geral e desse corpus, especificamente. A forma como as charges se organizam demonstra como o intertexto ressalta o aspecto heterogêneo do enunciado da cristofobia. O fato de as charges apresentarem um diálogo entre dois sujeitos também ajuda a localizar as vozes que ressoam e permeiam o discurso, o que explica a literalidade ou movimento parafrasiástico das falas. Existe uma oposição em cena, que se mostra impossível de ser solucionada com esse Outro a quem Jesus se dirige. As vozes que falam por essa oposição afirmam, tal qual aquele mandatário, que sim existe cristofobia no Brasil; no entanto, e aí está o valor da charge como objeto de tensionamento das relações dialógicas, os sentidos que emergem dessa interlocução levam a cristofobia para um outro campo de compreensão, distinto daquele que o então presidente utilizou. Cristofóbico é o Outro, são os Outros do alinhamento ideológico-religioso do ex-presidente do Brasil.

A cristofobia das charges instaura uma percepção sobre intolerância religiosa como resultante da agenda política do alinhamento ideológico-religioso do ex-presidente do Brasil. As três charges analisadas até aqui convocam enunciados inscritos nos posicionamentos do então presidente ao longo de sua vida política e os apresentam como cristofóbicos. O uso de violência punitivista (Boldt, 2019BOLDT, Rafael. Crer para destruir: o Punitivismo neoconservador no Brasil. Carta Capital. São Paulo, 03 dez. 2019. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/justica/crer-para-destruir-o-punitivismo-neoconservador-no-brasil/. Acesso em 01 Jul 2023.
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), a homofobia (Portilho, 2022PORTILHO, Amanda. Bolsonaro adota fala homofóbica e defende que 'Joãozinho seja Joãozinho a vida toda'. Folha de S. Paulo. São Paulo, 13 jul. 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/07/bolsonaro-adota-fala-homofobica-e-defende-que-joaozinho-seja-joaozinho-a-vida-toda.shtml. Acesso em 06 Jun 2023.
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) e o recurso das Fake News (Oliveira, 2021OLIVEIRA, Joana. Bolsonaro é “líder e porta-voz” das “fake news” no país, diz relatório final da CPI da Pandemia. El País. São Paulo, 20 out. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-10-20/bolsonaro-e-lider-e-porta-voz-das-fake-news-no-pais-diz-relatorio-final-da-cpi-da-pandemia.html. Acesso em 01 Jun 2023.
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) tecem, a partir dos enunciados dos fanáticos seguidores do ex-presidente, a própria densidade da cristofobia, uma vez que se mostram avessas às lições extraídas do Novo Testamento (NT). Assim, é possível afirmar que o sentido da cristofobia proposto nas charges interessa menos pelo fato particular do discurso da ONU (ou pela tentativa de demonstrar que não existe cristofobia no Brasil nos termos em que o ex-presidente descreve) e mais pela reiteração de uma incompatibilidade entre Cristianismo e o alinhamento ideológico-religioso do ex-presidente do Brasil, esse Outro que se apresenta de múltiplas formas. O sentido de Cristianismo implícito na escolha de textos do NT demarca uma posição discursiva, ou como diria Bakhtin (2002BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002., p. 210), uma “vontade criativa única” do autor, instaurada por “uma posição determinada diante da qual se pode reagir dialogicamente. A reação dialógica personifica toda enunciação à qual ela reage”.

Como explicam Falcão, Patriota e Rodrigues (2018)FALCÃO, Carolina; PATRIOTA, Karla Regina M. P.; RODRIGUES, Emanuelle Brandão. O lugar de Deus é onde eu quiser: enunciações de religiosidade e sexualidade num evangelho afetivo-midiático. Revista Culturas Midiáticas, v. 11, n. 1, p. 66-81, 2018. Disponível em: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/cm/article/view/40740/20364. Acesso em 21 Jun 2023.
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, a divisão praticamente política que associa os textos do Novo Testamento ao anúncio da Graça em relação aos do Antigo Testamento, em que predomina a observação da Lei, permitiu, sobretudo a partir dos anos 1960, novas leituras sobre as escrituras. Assim, na perspectiva da Graça, o Reino de Deus se apresentaria como proposta tangível e contemporânea, que se atualiza em teologias como a da Libertação, Queer, Feminista etc. Não por acaso, é no NT que uma parte significativa dos movimentos progressistas (religiosos ou seculares) vão buscar suas referências e a expressam no debate público. Contendo 27 livros, o cânon do Novo Testamento é produto da constituição da igreja primitiva em testemunho da vida de Jesus. São quatro os evangelhos canônicos que integram o NT: Mateus, Marcos, Lucas e João, os três primeiros formando o que se chama de “evangelhos sinóticos”, devido às extensas porções que possuem em comum em suas narrativas (GONZAGA, 2020GONZAGA, W. A acolhida e o lugar do corpus joanino no cânon do Novo Testamento. Perspectiva Teológica, [S. l.], v. 52, n. 3, p. 681, 2020. DOI: 10.20911/21768757v52n3p681/2020. Disponível em: https://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/perspectiva/article/view/4461. Acesso em: 9 ago. 2023.
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). Segundo o autor, o Evangelho de João (origem dos intertextos nas três charges analisadas até então) se distingue dos sinóticos tanto pelo estilo narrativo quanto pelo foco em demonstrar a divindade de Jesus, de forma que as pessoas cressem nele como salvador. Há assim, uma espécie de ética messiânica, salvadora, em funcionamento nos textos de João.

Nesse sentido, Malzoni (2018)MALZONI, Claudio Vainney. Evangelho segundo João. São Paulo: Editora Paulinas, 2018. explica que existem várias informações sobre Jesus de Nazaré que só aparecem no evangelho de João e, mesmo nos casos em paralelo com os sinóticos, há diferenças de detalhes e diversidade no tratamento dos temas. Considerado o Quarto Evangelho, em João se percebe a hostilidade aos cristãos, seja por parte das autoridades religiosas judaicas, seja pelo Império Romano. Assim, se concorda que “o Evangelho de João é fruto de uma longa elaboração, escrito num ambiente cultural e eclesial multifacetado. (...) uma releitura da vida de Jesus (...), enfrentando [uma] dupla perseguição” (p. 33). Nas três charges constituídas a partir do intertexto de João, as temáticas do perdão, do amor e da verdade “encontram” os intertextos do alinhamento ideológico-religioso do ex-presidente do Brasil nas temáticas do punitivismo, da homofobia e da Fake News, é o antagonismo desse encontro que promove o particular efeito de realidade à cristofobia na charge. Nessa articulação, a cristofobia existe quando se percebe na intolerância ética que os valores dos fanáticos seguidores do ex-presidente estabelecem em relação aos valores preconizados pelo Cristo a partir do evangelho de João.

2.2 O Evangelho de Mateus e as dimensões econômicas da cristofobia

As duas últimas charges que integram o corpus de análise também seguem a mesma lógica de oposição interdiscursiva entre o Novo Testamento de um lado e os enunciados dos fanáticos seguidores do ex-presidente do outro. No entanto, são extratos do evangelho de Mateus que instauram o diálogo das cenas a seguir. Na primeira charge, publicada em 23 de setembro de 2020, vê-se Jesus proferindo “Mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no reino dos céus”, ao que seu interlocutor, um homem branco e usando gravata, provavelmente um empresário, retruca “Vai pra Cuba”.

Na charge baixo, publicada em 23 de setembro de 2020, Jesus diz “Vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres”, ao que a figura masculina de um pastor evangélico (inferência que será melhor elaborada mais à frente) diz: “está repreendido em nome de tu mesmo”.

Nas charges acima, percebe-se uma outra visada, que ressalta o debatido linguajar econômico presente no evangelho de Mateus. Como explica Lima (2014, p. 24), falar de uma linguagem econômica neste evangelho é ter em mente a economia relacionada à vida urbana do antigo mundo mediterrâneo, em que posse, poder e status demarcavam distinções fundamentais entre os membros das elites urbanas romanizadas (gentias e judaicas). Por isso, explica o autor, termos como esmola, tesouro, recompensas, pobreza, riqueza, humildade, dívida, ou imposto são recorrentes em Mateus. Referência importante na elaboração dessa perspectiva, Vaage (1997)AAGE, Leif. Jesus Economista no Evangelho de Mateus. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana (Ribla), n. 27. Petrópolis: Vozes; São Leopoldo: Sinodal, 1997, p. 111-124. argumenta sobre um “Jesus economista” em Mateus, cujos discursos/aulas/parábolas se organizam em função de dois aspectos importantes: (1) por um lado, a proposta de uma forma de vida discipulada, em que fosse capaz de contentar-se com a provisão de um Deus-Pai, e que para isso pressupõe-se uma prática social de solidariedade; (2) por outro, há um projeto de economia alternativa que se chama, no evangelho de Mateus, o “reino dos céus”; coerente com a vida discipulada essa proposta alcança questões de produção, negócios, contratos e endividamento.

As duas charges em tela trabalham com versículos que integram a “passagem do jovem rico” (Mt19. 16-30), quando na Judeia um jovem pergunta sobre o que é necessário para a vida eterna e Jesus fala sobre obedecer aos mandamentos e o instrui a vender seus bens e dar aos pobres. O jovem se afasta em negativa, demarcando, como explica Lima (2014) “o único texto de todo o Novo Testamento em que alguém responde negativamente ao chamado de Jesus” (p. 126). Ao final, Jesus se dirige aos seguidores que o acompanhavam e lança a metáfora do camelo, demarcando como em Mateus há um “dito radical de condenação aos ricos” (Lima, 2014, p. 126).

Extraídos dessa mesma passagem bíblica, os intertextos presentes nas duas charges reforçam o antagonismo a elementos centrais do projeto político-econômico dos fanáticos seguidores do ex-presidente, demonstrando uma incompatibilidade estrutural entre ambos. “Vai pra Cuba” sintetiza o anticomunismo que sustentou toda a campanha presidencial de 2018 e anos seguintes de governo. É ele mesmo um enunciado de forte apelo junto aos grupos que formam a chamada direita alternativa (alt-right) no Brasil, que se reorganizou em função de um resgate, segundo Santos e Tanscheit (2019)SANTOS, Fabiano; TANSCHEIT, Talita. Quando velhos atores saem de cena: a ascensão da nova direita política no Brasil. Colombia Internacional [Online], 99 | 2019, publicado em 01 de julho de 2019. Disponível em: http://journals.openedition.org/colombiaint/4899. Acesso em: 01 jul. 2023.
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, das “dimensões autoritária e neoliberal que estavam adormecidas no debate público” (p. 161). Como explica Almeida (2019)ALMEIDA, Ronaldo. Bolsonaro presidente: conservadorismo, evangelismo e a crise brasileira. Novos Estudos CEBRAP, v. 38, n. 1, jan-apr 2019. Disponível em: https://doi.org/10.25091/S01013300201900010010. Acesso: 21 Jul. 2023.
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, há a sinergia entre atores sociais da “onda conservadora” que têm entre suas principais características a reivindicação de um Estado mínimo nas questões econômicas, reforçando as afinidades que essa nova direita possui com a agenda neoliberal.

É particularmente relevante que a última charge dessa análise traga como interlocutor do “Jesus economista” a figura de um pastor evangélico. Infere-se essa identidade tanto pela caracterização do personagem (segurando uma bíblia cristã), quanto pela resposta que ele oferece ao ensinamento de Cristo. Ao proferir: “Está repreendido em nome de tu mesmo”, demarca-se uma paráfrase a uma construção amplamente utilizada e observada, no evangeliquês (Atala, 2019): “está repreendido em nome do senhor/Jesus”. Como explica a autora, o evangeliquês é um glossário de formulações linguísticas associado aos sujeitos-evangélicos que “coloca em funcionamento no espaço discursivo religioso um modo de dizer que lhes dão unidade” (p. 50). Com ele, percebe-se como várias cenas discursivas religiosas estão em circulação, tanto no âmbito de situações informais, em rituais de culto e na linguagem oral e escrita das vivências evangélicas. Nessa perspectiva, a expressão “Tá amarrado em nome de Jesus/ Tá repreendido em nome de Jesus” significa “um dizer da ordem do mundo espiritual que supõe anular as forças das trevas/do mal. É também empregado para afastar pessoas ou situações contrárias à vontade de Deus” (Atala, 2019, p. 56).

A ideia de que a riqueza não entrará no reino dos céus contradiz uma das bases de sustentação da Teologia da Prosperidade (TP), que assume a premissa de que a fé verdadeira “desfruta o direito, como uma licença especial conferida pela divindade, de impor e exigir do próprio Deus o cumprimento das bênçãos prometidas no ambiente da aliança” (Almeida Júnior, 2008, p. 156). Tais bênçãos se expressam numa “vida em abundância”, que abarca bens materiais e saúde, por exemplo. Assim, a vida opulenta, ostentada em bens de consumo e conforto não é uma contradição, nem deve ser vista como algo do que se envergonhar; na verdade se trata de verdadeira bênção e intimidade com Deus. Formulação doutrinária moderna, a TP surgiu do puritanismo americano no século XIX e, no Brasil, é o sustento doutrinário das denominações neopentecostais em seu processo expansionista, que ganha corpo a partir da década de 1970 e tem como principal emblema a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), sob o comando do Bispo Edir Macedo. Entende-se que o crescimento das igrejas neopentecostais se ampara em processos de moralização do dinheiro e habilitação do consumo que a TP autoriza. Segundo Almeida (2019)ALMEIDA, Ronaldo. Bolsonaro presidente: conservadorismo, evangelismo e a crise brasileira. Novos Estudos CEBRAP, v. 38, n. 1, jan-apr 2019. Disponível em: https://doi.org/10.25091/S01013300201900010010. Acesso: 21 Jul. 2023.
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, a expansão das postulações da TP se percebe para além do campo evangélico, pois ela estimula uma postura empreendedora que tem como objetivo não só a sobrevivência financeira, mas também o acúmulo material e mobilidade social, o que reforça a prosperidade como um valor dotado de ética econômica (p. 207).

3 Percurso interdiscursivo da cristofobia: de minoria a maioria e suas incompatibilidades e estranhamentos

Tomadas individualmente, as cinco charges se mostram como peças de uma engrenagem ideológico-discursiva que estrutura o enunciado da cristofobia, convocando outros enunciados a quem confronta numa relação dialógica de recortes religiosos, éticos e econômicos, como foi mostrado. Nessa perspectiva, os valores dos fanáticos seguidores do ex-presidente são mostrados como cristofóbicos não porque haja neles uma essência, mas porque assim funciona no discurso o dialogismo, que como explica Fiorin (2018)FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2018., dá forma às relações de sentido que se estabelecem entre dois enunciados; nessa relação “estão presentes ecos e lembranças de outros enunciados, com que ele conta, que ele refuta, confirma, completa, pressupõe e assim por diante” (p. 21, grifo nosso). Ao refutar deliberadamente o sentido de cristofobia pronunciado na ONU, o enunciado nas charges põe em funcionamento outras dimensões, demostrando como as palavras viajam na sua “passagem de um locutor a outro, de um contexto a outro, de uma coletividade social, de uma geração a outra” (Bakhtin, 2011, p. 263).

Para melhor compreender a trajetória interdiscursiva do termo, é preciso ter em conta as transformações sensíveis que ocorreram na cartografia religiosa brasileira em suas feições cristãs. Tais mudanças têm como pano de fundo o crescimento das denominações evangélicas6 6 É preciso entender, porém, que o termo evangélico está longe de encontrar uma definição estável. Compartilho com Burity (2018) o argumento de que “os evangélicos” se constituem num “termo-valise, que expressa um bem-sucedido processo de hegemonização do campo protestante pelos pentecostais” (p. 50). Para o autor, trata-se de uma expressão cuja evidência se dá no crescimento numérico e não numa objetividade estabelecida de antemão. É mais uma prática política hegemônica de nomeação de um grupo diverso do que propriamente uma identidade estável, com contornos e identidade estabelecidos. no curso das últimas quatro décadas, processo a partir do qual se pode explorar a heterogeneidade de práticas e densidades políticas e teológicas com que os evangélicos se movem no espaço público. Essa mudança (de ordem quantitativa) implica uma mudança qualitativa: o declínio da hegemonia católica no país dá espaço a uma configuração diversificada em denominações, que fazem com que o Brasil permaneça um país cristão, mas em outros termos7 7 Como Almeida (2020) explica, trata-se de um quadro marcado pela “laicidade orientada pela pluralidade religiosa concorrencial, que, muito embora ainda seja predominantemente cristã, assume cada vez mais um perfil evangélico” (p. 431). . Nesse sentido, é particularmente pertinente a explicação de Burity e Giumbelli (2020)BURITY, Joanildo; GIUMBELLI, Emerson. Minorias Religiosas: identidade e política em movimento. Religião & Sociedade, v. 40, n. 1, jan-apr 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0100-85872020v40n1editorial. Acesso em 21 Jul 2023.
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sobre o agenciamento da minoritização/maioritização que os diversos grupos evangélicos vêm empreendendo, numa dinâmica muito bem-sucedida de se colocar ora como “contraponto ao católico”, ora como associado a ele na formação de uma “nação cristã” (p. 11). Como explicam os autores, a reivindicação da identidade minoritária se desveste de uma conotação subalternizante e negativa e passa a ser invocada “de modo assertivo, ressignificando positivamente atributos e demandas até então julgadas negativamente de forma discriminatória, condenatória ou violenta” (p. 10). Nessa lógica, se apresentar como minoria não é mais visto como algo inferior, mas como credencial necessária para reivindicar direitos e, assim, permanecer no debate público.

Ao proferir seu discurso na ONU, aquele mandatário invocou o combate à cristofobia inscrevendo o enunciado num sentido minoritário do termo. O pronunciamento de uma das principais lideranças do governo, a ministra da Mulher Família e Direitos Humanos, demonstra a cadeia de sentidos que essa posição minoritizada propicia. Em matéria publicada pelo site de notícias Gospel Mais, repercutiu-se uma entrevista da então ministra ao jornalista Caio Copolla no canal Jovem Pan. Na matérias, Alves falou da importância de reconhecer a existência da cristofobia no Brasil e arrematou: “como bons cristãos nós sabemos que seríamos perseguidos, humilhados, que nós seríamos envergonhados. Isso faz parte da nossa fé” (Chagas, 2019CHAGAS, Thiago. Cristofobia: “sabíamos que seríamos perseguidos”, diz Damares a Caio Coppolla. Canal Gospel Mais. 19 out. 2019. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/cristofobia-seriamos-perseguidos-damares-alves-124372.html. Acesso em 21 Jul 2023.
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). A sustentação do argumento da ministra se dá nos termos expostos anteriormente a partir de Castelli (2017), articulando uma memória “fora de lugar” dos anos de perseguição cristã, remetendo aos tempos da Igreja Primitiva. Existe nessa cadeia interdiscursiva específica, um “nós cristãos” minoritizado (perseguido e humilhado), que o alinhamento ideológico-religioso do ex-presidente do Brasil delimita e com o qual se identifica, posto contra um “eles”, a quem se deve resistir e mesmo combater.

Por sua vez, ao (re)posicionar a cristofobia na cadeia dialógica dos sentidos, as charges exercitam essa mesma memória “fora de lugar” da perseguição, mas por outros meios. Elas trazem para o centro da cena não os “cristãos perseguidos” que ex-presidente e sua ministra perfilam, mas a figura de Cristo. É o próprio Jesus de Nazaré quem experimenta situações de intolerância e, o que é mais acentuado, a partir do encontro com aqueles que podem ser considerados cristãos hoje, no Brasil. Assim, o sentido majoritário da “nação cristã” de que Burity e Giumbelli (2020)BURITY, Joanildo; GIUMBELLI, Emerson. Minorias Religiosas: identidade e política em movimento. Religião & Sociedade, v. 40, n. 1, jan-apr 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0100-85872020v40n1editorial. Acesso em 21 Jul 2023.
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falam se inscreve, nas charges, a partir dos aspectos éticos e econômicos, que se mostram inconciliáveis com os dizeres de Cristo advindos das passagens do Novo Testamento. Assim, a conotação da cristofobia nesse arranjo desloca a figura do “cristão perseguido” (uma imagem minoritizada, como argumentei) em detrimento da figura de Jesus Cristo, personagem cuja vida é objeto de reflexão e produção de conhecimento tanto na cultura cristã quanto na cultura popular.

O caráter híbrido da personagem (homem e deus) convoca a interpelações fictícias das mais variadas. Nesse sentido, Jesus pode ser lido como um revolucionário ou como um pacifista. Carmolinga (2008)CARMOLINGA, Rafael. O Cristo da fé: fé teológica x fé poética. In: FERRAZ, Salma; MAGALHÃES, Antônio; CONCEIÇÃO, Douglas; BRANDÃO, Eli; TENÓRIO, Waldecy (orgs.). Deuses em poéticas: estudos de literatura e teologia [online]. Belém: UEPA; Campina Grande: EDUEPB, 2008. 364 p. ISBN 978-85-7879-010-3. Disponível em: https://books.scielo.org/id/pdkdq/08. Acesso em 05 Jul 2023.
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explica que aspectos históricos, teológicos, dogmáticos, criativos e literários se entrelaçam de forma substantiva, produzindo imagens do “filho de Deus” que podem se apresentar tanto ficticiamente na literatura8 8 O Jesus de Saramago em “O evangelho segundo Jesus Cristo”. , no cinema9 9 O Jesus de Mel Gibson, para citar um exemplo entre as várias produções cinematográficas (seculares ou não) que representam ou parafraseiam a vida do personagem. , quanto associado a personagens da história de um país10 10 Um exemplo disso é o caso de Tiradentes, cuja imagem foi fortemente cristanizada a ponto de que suas feições se parecessem com as representações ocidentais de Jesus Cristo, para o debate sobre essas representações, ver Oliveira (2020). . Para o autor, “o Jesus da literatura é certamente mais empolgante que o da teologia” (p. 152), pois se trata de uma personagem em que sonhos, obsessões e desejos se projetam numa forma humana. Ele explica também que o Jesus recorrente na imaginação popular revela uma presença humilde, semelhante à de sua primeira estada na Terra, como o Jesus de Nazaré do cânone cristão. Assim, a tradição literária (e também da cultura popular) se detém num Jesus mais humano que, mesmo sendo filho de Deus, deseja viver como um homem. Isso abre a possibilidade de pensar, fora das escrituras, o caráter polissêmico da figura de Cristo, que dá voz e sentido não a pessoas encarnadas, mas a posições sociais e políticas que podem ser utilizadas no debate público.

Assim, entendo que o Jesus que é alvo da cristofobia é mais uma posição nessa constelação de sentidos que a personagem convoca nas suas múltiplas interpelações. Posição especificamente irônica na enunciação da charge, uma vez que demonstra o dinamismo com que a literalidade implícita na cristofobia se movimenta na charge entre “eles” e “nós” tão diferentes em valores (fanáticos seguidores do ex-presidente ou dos evangelhos do NT) e em escalas (minoritárias e majoritárias). Nas charges, os cristãos são um “eles majoritários”, um Outro identificado ao alinhamento ideológico-religioso do ex-presidente do Brasil pelos valores éticos e econômicos, que perseguem um Jesus que, como vimos, atravessa um imaginário de humildade e simplicidade na cultura popular. Também é importante salientar como o recorte ético e econômico que é atribuído a esse “eles majoritário” reverbera significativamente o fundamento dos fanáticos seguidores do ex-presidente, “conservador nos costumes e liberal na economia”, capaz de articular as agendas neoliberal e neoconservadora. A variação de figuras a se oporem a Cristo indicam essa possibilidade: o homem de meia-idade, o homem violento, o empresário, o pastor e a mulher que acredita em Fake News apresentam o “caleidoscópio dos fanáticos seguidores do ex-presidente” que o autor das charges deseja inventariar. Cada um desses sujeitos e enunciados se opõe a uma passagem do Novo Testamento, consolidando a incompatibilidade e o estranhamento entre essas posições conservadora-liberais. A ironia contida nas charges desata sentidos sobre a cristofobia que vieram a ser outros, inusitados, diferentes dos que se constataram na Assembleia da ONU, num processo que se estabelece entre o que é explicitamente dito e o que é implicitamente significado na relação entre um Cristo e seus (per)seguidores.

Considerações finais

Assumir a charge como materialidade de análise é ter como ponto de partida o princípio dialógico dos sentidos, uma vez que “todo discurso é orientado para a resposta e ele não pode esquivar-se à influência profunda do discurso da resposta antecipada” (Bakhtin, 2011, p. 89) É esse princípio que ajuda a delimitar e compreender ao quê (e como) responde a cristofobia que se desenha nos traços do artista André Lafayete. Além disso, na charge pôde-se compreender (1) as escalas majoritárias e minoritárias da identidade cristã e (2) o jogo discursivo de incompatibilidade e estranhamento que produz um Outro. Ambos os vetores são fundamentais para que o enunciado da cristofobia funcione na charge. Assim, a cristofobia nas charges responde a uma “memória fora de lugar” do cristianismo, que aciona seu estágio primitivo, quando era uma religião perseguida pelo Império. Essa memória se expressa no discurso do ex-presidente como um “nós minoritário” que, como se viu, não faz sentido histórico ou censitário no Brasil, mas ativa posicionamentos estratégicos de visibilidade e legitimidade políticas. Como se pôde observar no próprio discurso na ONU, esse nós minoritário, além de cristão é também conservador e preza pela família, valores que pautam a atuação na esfera pública de uma certa agenda cristã hegemônica (liberal e conservadora ao mesmo tempo) no Brasil.

Nas charges o enunciado da cristofobia se apresenta como acontecimento responsivo. Aqui, não se trata mais de um discurso sobre um “nós minoritário” perseguido, mas de ressaltar a incompatibilidade mesma que sustenta a ideia de cristofobia. O conjunto de cinco charges reforça assim uma mesma cena de incompatibilidade: os valores cristãos estão de um lado; os fanáticos seguidores do ex-presidente, do outro. A dimensão da ironia no material analisado se situa justamente na colisão de alteridades que a relação dialógica prescreve e da qual precisa para poder fazer sentido. Dito de outra forma, a charge da cristofobia argumenta sobre uma incompatibilidade na mesma medida em que constrói um estranhamento. Para a primeira funcionar, é preciso a segunda. A incompatibilidade se expressa no recurso dos intertextos que opõem trechos do Novo Testamento a enunciados amplamente reconhecidos e atribuídos ao alinhamento ideológico-religioso do ex-presidente do Brasil. Assim, amor, perdão, verdade, caridade e humildade estão em colisão contra a homofobia, o punitivismo, as Fake News, a prosperidade e o anticomunismo.

O recurso à repetição, nas cinco charges, da figura de Jesus Cristo em oposição a variações de figuras e enunciados do discurso dos fanáticos seguidores do ex-presidente encaminha a estratégia de ressaltar a incompatibilidade entre ambos. Por outro lado, também abre espaço para a expressão de alteridades que vão se constituindo, seja na figura do homem de meia-idade, do empresário, do pastor, do homem violento, da mulher que acredita em Fake News. Reside nessa estratégia a construção do estranhamento entre a base de sustentação dos fanáticos seguidores do ex-presidente em sua diversidade ideológica e os valores cristãos em suas postulações extraídas dos evangelhos de João e Mateus. Desse quadro de estranhamento percebe-se a criação de um “eles majoritário”, um Outro cristofóbico e, aí está a ironia da charge, possivelmente cristão. Como explica Teixeira (2005)TEIXEIRA, Luís Sérgio. Sentidos do humor, trapaças da razão: a charge. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2005., “a charge produz uma ruptura a partir da qual uma nova verdade vem à tona sem qualquer vínculo de racionalidade” (p. 80). Isso não significa, explica o autor, que a verdade inscrita na charge esteja apartada do real, mas sim inserida em condições de existência que prescindem do real. O enunciado da cristofobia na charge se situa nessa dinâmica sobre uma verdade irônica em seu inusitado: a cristofobia é um traço do alinhamento ideológico-religioso do ex-presidente do Brasil, que se valeu de uma forte base cristã, no Brasil, para dar forma a “onda conservadora” (Almeida, 2019ALMEIDA, Ronaldo. Bolsonaro presidente: conservadorismo, evangelismo e a crise brasileira. Novos Estudos CEBRAP, v. 38, n. 1, jan-apr 2019. Disponível em: https://doi.org/10.25091/S01013300201900010010. Acesso: 21 Jul. 2023.
https://doi.org/10.25091/S01013300201900...
).

Por fim, cabe ressaltar como nessa análise a cristofobia interessa muito mais pela forma como se apresenta discursivamente inusitada do que pela sua capacidade de formular um conceito, ou de apreender a realidade. Além disso, as relações dialógicas que o enunciado ativa na charge requerem disposição para ir e vir nas enunciações, sentidos e escalas, movimento que atenta aos ruídos deixados na materialidade analisada. Assim, o “nós minoritário” que se reveste de contradições e impossibilidades no discurso do ex-presidente e o “eles majoritário” que é cristão e também cristofóbico participam da mesma teia discursiva, um dialético de estranhamento e incompatibilidade. Esse nós e esse eles não estão a priori nem certos, nem errados: estão posicionados e se relacionam, antecipando-se ou interditando-se. Não há o segundo sem o primeiro e não haverá outros, os seguintes, que não levem em conta os que já passaram. Isso porque a dinâmica que desloca e atravessa ditos e significados também se move num contexto dialógico ilimitado, que se estende ao passado e ao futuro, igualmente sem limites (Bakhtin, 2002BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.). Seguindo esse direcionamento, há por vir tantas posições sobre a cristofobia quantas forem as situações de interação que as convocarem, fazendo com que a palavra-enunciado seja (re)elaborada ou (re)apropriada em função dos sentidos e escalas que se esperam dela numa dada enunciação (da ONU ao Instagram). Uma coisa é certa nesse movimento de expansão dialógica: tanto é impossível precisar a primeira palavra dita quanto prever a última sobre a cristofobia.

  • 1
    “A liberdade é o bem maior da humanidade. Faço um apelo à toda comunidade internacional: pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia” (ONU NEWS, 2020), foram as palavras do ex-presidente no discurso.
  • 2
    Neste trabalho, usarei o termo “memória fora do lugar” para nomear esse processo de evocação de memórias sobre uma “Igreja Perseguida”, remontando ao momento do Cristianismo em seu estágio primitivo, enquanto religião minoritária, perseguida pelas forças do Império Romano. Hoje, o Cristianismo ainda é considerada a maior religião do mundo com cerca de 2.4 bilhões de adeptos no mundo (Hackett; Mcclendon, 2017HACKETT, Conrad; MCCLENDON, David. Christians Remain World’s Largest Religious Group, But They Are Declining in Europe. Pew Reserach, 2017. Disponível em: https://www.pewresearch.org/short-reads/2017/04/05/christians-remain-worlds-largest-religious-group-but-they-are-declining-in-europe/ Acesso em 05 Jun 2023.
    https://www.pewresearch.org/short-reads/...
    ).
  • 3
    No momento em que finalizo esse texto, acompanhamos as notícias sobre o assassinato de Mãe Bernadete, Yalaorixá.
  • 4
    É importante ressaltar como o alinhamento ideológico-religioso do ex-presidente do Brasil tratado no texto revela muito mais um arranjo do que propriamente personaliza uma força política.
  • 5
    Em um dado trecho do discurso, o ex-presidente afirma que o Brasil se tornou alvo de uma “campanha de brutal” de desinformação a respeito dos incêndios na Amazônia. Em suas palavras: “a floresta é úmida e não permite o fogo no seu interior e que os focos de incêndios acontecem no entorno leste da floresta, onde moradores queimam seus lixos em áreas desmatadas” (ONUNEWS, 2020ONUNEWS. Em discurso na ONU, Jair Bolsonaro pede combate à “cristofobia”. 2020. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2020/09/1727002. Acesso em 01 Jun 2023.
    https://news.un.org/pt/story/2020/09/172...
    ).
  • 6
    É preciso entender, porém, que o termo evangélico está longe de encontrar uma definição estável. Compartilho com Burity (2018)BURITY, Joanildo. A onda conservadora na política brasileira traz o fundamentalismo ao poder? In: ALMEIDA, Ronaldo; TONIOL, Rodrigo (orgs.). Conservadorismos, fascismos e fundamentalismos: análises conjunturais. Campinas: Editora da Unicamp, 2018, p. 15-66. o argumento de que “os evangélicos” se constituem num “termo-valise, que expressa um bem-sucedido processo de hegemonização do campo protestante pelos pentecostais” (p. 50). Para o autor, trata-se de uma expressão cuja evidência se dá no crescimento numérico e não numa objetividade estabelecida de antemão. É mais uma prática política hegemônica de nomeação de um grupo diverso do que propriamente uma identidade estável, com contornos e identidade estabelecidos.
  • 7
    Como Almeida (2020)ALMEIDA, Ronaldo. Evangélicos à direita. Horizontes Antropológicos, v. 26, n. 58, Sep-Dec 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-71832020000300013. Acesso em 01 Jul 2023.
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    explica, trata-se de um quadro marcado pela “laicidade orientada pela pluralidade religiosa concorrencial, que, muito embora ainda seja predominantemente cristã, assume cada vez mais um perfil evangélico” (p. 431).
  • 8
    O Jesus de Saramago em “O evangelho segundo Jesus Cristo”.
  • 9
    O Jesus de Mel Gibson, para citar um exemplo entre as várias produções cinematográficas (seculares ou não) que representam ou parafraseiam a vida do personagem.
  • 10
    Um exemplo disso é o caso de Tiradentes, cuja imagem foi fortemente cristanizada a ponto de que suas feições se parecessem com as representações ocidentais de Jesus Cristo, para o debate sobre essas representações, ver Oliveira (2020).
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.

Declaração de disponibilidade de conteúdo

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

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  • TONIOL, Rodrigo. Cristofobia e a captura dos Direitos Humanos. Estado da Arte, Estadão São Paulo, 17 out. 2020. Disponível em: https://estadodaarte.estadao.com.br/toniol-cristofobia-direitos-humanos/?fbclid=IwAR32ZOpg0xZ29rHSiPitLaS_gMWUcop-Q-eH4BZS0HG7sheaSIAfYJaPzpA Acesso em: 01 jul. 2023.
    » https://estadodaarte.estadao.com.br/toniol-cristofobia-direitos-humanos/?fbclid=IwAR32ZOpg0xZ29rHSiPitLaS_gMWUcop-Q-eH4BZS0HG7sheaSIAfYJaPzpA

Parecer 1

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer 1

O texto está muito bem escrito e cumpre com todas as características de um artigo científico. A temática sobre a construção do sentido em discursos em redes sociais é relevante para a atualidade por carecermos de aprofundarmos nossos olhares críticos sobre o que nos chega em nossos aparelhos. A escrita demonstra apropriação dos conceitos básicos e utiliza-os coerentemente nas análises. A metodologia é igualmente coerente, apresentando justificativas para a eleição do corpus. Dessa forma, dou minha aprovação ao artigo. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    15 Set 2023

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2023
  • Aceito
    27 Out 2023
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