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Intuição nas reconstruções da Renascença no século XIX alemão: Goethe, Schopenhauer, Burckhardt e Nietzsche* * Tradução de Saulo Krieger.

Intuition in 19 th Century German Reconstructions of the Renaissance: Goethe, Schopenhauer, Burckhardt, and Nietzsche

Resumo:

A relação de Nietzsche com a imagem de Burckhardt da Renascença foi um meio de praticar a história. Nietzsche compartilhava com Burckhardt a preferência pela tipologia, a crença de que a verdade é alcançada intuitivamente e diz respeito à identidade interna de todas as coisas, e a preferência por grandes objetos e indivíduos históricos. E compartilhava com ele precisamente porque duas de suas influências comuns mais significativas foram Goethe e Schopenhauer. Para além disso, argumento que existem algumas disjunções menores e algumas mais significativas em sua abordagem da historiografia da Renascença. Por último, realizo um esboço do que podemos chamar de a questão do motivo: que a proposta de Burckhardt em construir a Renascença era de fato bem oposta ao olhar mais radical de Nietzsche sobre a história.

Palavras-chave:
Burckhardt; história; método; Renascimento

Abstract:

Nietzsche’s relationship with Burckhardt’s image of the Renaissance was a way of practicing history. Nietzsche shared with Burckhardt the preference for typology, the belief that truth is reached intuitively and concerns the inner identity of all things, and for great cultural historical objects and individuals. And he shared it with him in some part precisely because two of their most significant common influences were Goethe and Schopenhauer. Beyond this, I argue that there are a few minor and a few more significant disjunctions in their approach to the historiography of the Renaissance. I address what we might call the question of motive: that Burckhardt’s purpose in construing the Renaissance was in fact quite opposed to Nietzsche’s more radical gaze upon history.

Keywords:
Burckhardt; history; method; Renaissance

Nietzsche assistiu às aulas de Jacob Burckhardt sobre a Renascença na Universidade da Basileia, bem como a seus cursos “Sobre o estudo da história” no semestre de inverno de 1870 e “História cultural grega” no verão de 1872. O que aprendeu ali frequentes vezes tem sido referido como a explicar a transição no foco histórico de Nietzsche dos gregos para uma preocupação mais ampla com a cultura histórica em geral e com sua aplicação à vida alemã. A bem da verdade, artigos filológicos sobre os corpus de Teógnis ou de Diógenes Laércio ofereciam escassa compreensão da Alemanha de seu tempo. Mas acredito também que a transição no início da década de 1870 tenha sido mais do que uma questão de tópico ou objetivo. Houve uma transição de método que assumiu uma noção distintamente schopenhaueriana de intuição estética ou “Anschauung” como meio de apreender a Ideia dos vários fenômenos da vida grega. A primeiríssima sentença de O nascimento da tragédia indica que a sua apreensão da história grega se dá “não apenas por meio de compreensão lógica, mas por meio da certeza imediata da ‘Anschauung’ [nicht nur logischen Einsicht, sondern zur unmittelbaren Sicherheit der Anschauung]” (GT/NT, 1).1 1 Para uma análise de “Anschauung” em Nietzsche, ver: Jensen, 2012, p. 326-341. Para as transições entre os vários métodos de historiografia de Nietzsche, ver: Jensen, 2013, p. 195-211. Para ver como essas formas e transições funcionam no escopo da filosofia da história mais abrangente de Nietzsche, ver :Jensen u Nietzsche’s Philosophy of History. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. Logo após a publicação de Nascimento da tragédia, seu arcabouço historiográfico passa novamente do tipo de intuição estética para o “real” da história que caracterizou a sua “história” da tragédia grega antiga com base no perspectivismo nascente que encontramos em Da utilidade e desvantagem da história para a vida.

Meus argumentos no presente artigo são os de que, em primeiro lugar, essa noção de “Anschauung” como modo de discernir essências foi extraída por Schopenhauer da morfologia de Goethe dos tipos naturais; em segundo lugar, que a historiografia da Renascença por Jacob Burckhardt adotou precisamente esse modo intuitivo; em terceiro lugar, que a influência de Burckhardt sobre Nietzsche durante esse período versou menos sobre detalhes particulares da Renascença e mais sobre adotar precisamente esse método histórico para se reconstruir intuitivamente a Renascença. Esse método histórico, argumento, teria sido tão atraente para Nietzsche pelo fato de que o próprio Burckhardt tinha derivado a sua sustentação filosófica dos dois filósofos cuja concepção de intuição histórica Nietzsche já havia aceito: quais sejam, Goethe e Schopenhauer. Tendo em vista esses diversos fins, minha estratégia será a de esboçar as concepções por Goethe e Schopenhauer de intuição histórica e mostrar como elas foram incorporadas pelos estudos sobre a Renascença de Burckhardt, e isto ao longo de três linhas: tipologia, verdade e aristocratismo, e finalmente pretendo mostrar como Nietzsche incorporou essas linhas à sua primeira historiografia. Fazer isso contribuirá para entender as afirmações de Nietzsche sobre a história, especialmente nos anos 1870.

Tipologia

Burckhardt não era cientista e não era bem versado na história do então florescente campo da biologia.2 2 Uma leitura erudita e altamente interessante sobre o lugar de Burckhardt nas reconstruções alemãs da Renascença se tem em: Ruehl, 2015. Farei referência à leitura de Ruehl ao longo de todo o artigo. Muito do que ele sabia vinha de suas leituras do quase cientista Goethe. (A propósito, Nietzsche sugere que Goethe seria realmente o último herdeiro da cultura da Renascença já desde obras iniciais, como Richard Wagner in Bayreuth § 10 até o “Incursões de um extemporâneo” § 47, do Crepúsculo dos ídolos). O que influenciou intensamente a concepção por Burckhardt de personagens históricos foi a teoria da morfologia de Goethe. Para Goethe, todos os organismos vivos contêm forças imanentes de crescimento regular, de acordo com o seu Bildungstrieb [impulso de formação] tipológico. Com base nas sementes de vida, organismos cada vez mais complexos crescem por meio do interação competitiva de suas forças nutritivas individuais. O Bildungstrieb não produz mudança ou alteração nem intensificação - Steigerung - do que estava originalmente lá desde o início. No organismo saudável as forças criativas da vida têm de ser guiadas, treinadas e restringidas para que no lugar de algo selvagem um cultivo adequado ou uma Bildung venha a posicionar uma estrutura equilibrada que atinja a sua plena intensificação em beleza. E o mesmo é verdadeiro não apenas para a natureza, mas para qualquer ciência que tentaria ser verdadeira para com a natureza. Em botânica, a Urpflanze poderia ser descoberta em cada folha; e dessa única folha ideal se reconstruiria o inteiro processo de crescimento compensatório que a planta geraria a partir de si mesma e numa versão intensificada de seu si mesmo ideal. Goethe escreve que “a planta primeva [Urpflanze] está para ser a criatura mais maravilhosa [wunderlichste Geschöpf] do mundo, a qual a própria natureza deveria invejar. Com esse modelo e a chave para ele, seria possível seguir ao infinito, inventando plantas e sabendo que sua existência é lógica; isto equivale a dizer, se elas não existem efetivamente, poderiam, já que não são as sombras fantasmagóricas de uma vã imaginação, possuir uma necessidade e uma verdade interiores. A mesma lei será aplicável a todos os demais viventes [auf alles übrige Lebendige]” (HA 11, 324).3 3 Essas passagens estão bem documentadas em: Brady, 1987, p. 257-300. ,4 4 Ao citar os escritos de Goethe, estou utilizando os 14 volumes deJohann Wolfgang von Goethe: Werke (Hamburger Ausgabe), organizados por Erich Trunz et al. Munich: C.H. Beck, 1994, doravante abreviado como HA, seguido por volume e página. Enquanto o trabalho do botânico rastreia o desenvolvimento morfológico dos Urphaenomena [fenômenos primevos], para o bom historiador cabe dar conta dos grandes arquétipos de indivíduos e culturas passadas e atentar à sua intensificação por meio tanto de suas forças vitais competitivas imanentes quanto de suas lutas uns contra os outros. E tal como o amante da arte experimentado vê para além das linhas, cores e figuras particulares e carrega a soma de sua experiência para o reino de uma ideia organizadora universal, e tal como o cientista experimentado traz todos os seus experimentos e observações para uma intuição única do tipo de uma natureza dinâmica abrangente, assim também faz o bom historiador ao olhar para além dos detalhes observáveis do cotidiano - o onde, o porquê e o como - em direção a um Ur-Typ [tipo primevo] universal dinamicamente crescente no seio de um caráter histórico particular. “Somente no mais elevado e no mais geral são a ideia e a aparência [Idee und Erscheinung] trazidas juntas; elas são separadas nos níveis mais baixos de observação e experiência. O mais elevado é a intuição do diverso como idêntico [das Anschauen des Verschiedenen als identisch]; o mais geral é o ato [Tat], a combinação ativa do que está separado em identidade” (HA 12, 366).

Os tipos goethianos serão traduzidos grosso modo em ideias schopenhauerianas uma geração mais tarde. Uma vez que Schopenhauer acreditava que apenas o atemporal e universal poderiam atingir o nível de verdade, ele explicitamente buscou intuir o que seria constante, universal e típico a partir do turbilhão das formas passageiras, ou seja, tem-se a “Ideia” da qual cada fenômeno é compreendido como uma objetificação intelectual.

Reconhecerá a mesma vontade como essência mais íntima não apenas dos fenômenos inteiramente semelhantes ao seu, ou seja, homens e animais, porém, a reflexão continuada o levará a reconhecer que também a força que vegeta e palpita na planta, sim, a força que forma o cristal, que gira a agulha magnética para o polo norte, que irrompe do choque de dois metais heterogêneos, que aparece nas afinidades elétricas dos materiais com atração e repulsão, sim, a própria gravidade que atua poderosamente em toda matéria, atraindo a pedra para a terra e a terra para o sol, - tudo isso é diferente apenas no fenômeno, mas conforme sua essência em si é para se reconhecer como aquilo conhecido imediatamente de maneira tão íntima e melhor que qualquer outra coisa e que, onde aparece do modo mais nítido, chama-se Vontade. (MVR I, 154).

O meio pelo qual Goethe sugeriu ao bom cientista que apreendesse a unidade dinâmica do mundo natural por trás das aparências foi o de um empirismo suave combinado com intuição, imaginação e especulação. Para Schopenhauer, esse método é traduzido numa demonstração transcendental de uma Vontade única da qual toda a multiplicidade e particularidade da realidade seria meramente uma manifestação fenomênica. A série quase infinita de diversos fenômenos no mundo - de forças inorgânicas passando por planta, reinos animal e humano - são meramente as manifestações de um único Ur-Eine [Uno primordial] numênico, a primeira objetificação ou Ideia inteligível do qual ele nomeia a Vontade. Divergindo quanto ao método pelo qual isso se faz estabelecido, Goethe e Schopenhauer não obstante concordam que a Ideia por trás das aparências é aquela na qual o pesquisador científico genuíno deveria se concentrar.

Nem Goethe nem Schopenhauer foram historiadores profissionais. E Schopenhauer é popularmente reconhecido como sendo quase de todo hostil à história.5 5 Para um artigo que combate essa interpretação e argumenta, em vez disso, que Schopenhauer foi bastante reflexivo quanto à história, ver: Jensen, 2018, p. 349-370. A historiografia convencional, na verdade, fia-se quase que exclusivamente na particularidade, no diferente e mutável, e em coletar descrições de acontecimentos, em estando ausente uma lei pela qual eles poderiam ser deduzidos. E isso significava, para Schopenhauer, que ao menos a história acadêmica convencional jamais poderia ser alçada ao nível do conhecimento genuíno, menos ainda ao nível do que ele chama de Wissenschaft [ciência]. Entretanto, Schopenhauer tende a pensar que a história, se praticada como uma espécie de Poiesis, pode ao menos intimar uma percepção da essência interior não temporal e assim sendo não mutável da humanidade, por meio de suas variadas representações fenomênicas. Sobre o que os melhores historiadores podem fazer, Schopenhauer escreve:

Nas diversas formas da vida humana e na mudança incessante de acontecimentos, eles vão considerar somente a Ideia como duradoura e essencial, uma vez que a vontade de vida tem sua qualidade de objeto mais perfeita na Ideia, cujos diferentes aspectos são demonstrados nas qualidades, paixões, erros e forças da raça humana, no egoísmo, ódio, amor, medo, coragem frivolidade, estupidez, malícia, perspicácia, gênio etc. todos convergindo e coalescendo em mil formas diferentes (individuais), a encenar incessantemente a história do mundo tanto em grande quanto em pequena escala (MVR I, § 35/Janaway, 206, ver também MVR I, § 48/Janaway, 257).

A história, quando ela desvia a sua concentração da miríade de formas fenomênicas e em direção à Ideia duradoura de humanidade, pode proporcionar “zwar ein Wissen, jedoch keine Wissenschaft” [embora um saber, não uma ciência] (MRV I, § 14, 88 e MRV II, § 38, Payne, 440).6 6 Para uma discussão acerca da relação da história com a ciência e com a poesia quanto a essa questão, ver: Jensen, no prelo.

Quando Jacob Burckhardt repetidas vezes se desculpa por ter uma mente filosófica pobre, tal se deveu sem dúvida em parte ao fato de que o que a “filosofia da história” significava em seu tempo era completamente dominada pelo hegelianismo. Na verdade, contudo, Burckhardt alimentava convicções filosóficas profundas de que estavam amplamente alinhadas com o que já tinha sido posto por Schopenhauer - à medida que suas concepções, conforme observa um comentador “jamais se formariam sem a filosofia de Schopenhauer”.7 7 Ehrenberg, 1946, p. 55. Para a primeira e, defensavelmente, ainda a melhor abordagem do trio Nietzsche-Burckhardt-Schopenhauer acerca das formas do conhecimento histórico, ver: Cassirer, 1906, IV/16. E existe uma clara influência de Goethe sobre Burckhardt também em termos da convicção de que é acima de tudo o conflito entre forças concorrentes que fomenta o crescimento saudável. Nós vemos o grau em que ambas as influências enformam sua bem conhecida concepção de tipologia historiográfica. Acontecimentos e agentes históricos são, para Burckhardt, instanciações meramente efêmeras de tipos ideais que o historiador intui especialmente a partir de seus conflitos com forças concorrentes. “E mesmo onde o indivíduo se desenvolve, especialmente desde os gregos, ainda lidamos por um longo tempo essencialmente com tipos, isto é, os heróis, os legisladores. Na verdade eles são retratados como grandes indivíduos, e isso é confirmado por sentimento e tradição; mas ao mesmo tempo eles são tanto mais tipos plenos e condensações do característico e do geral”.8 8 Burckhardt, 1999, p. 6. O tratamento mais exaustivo da tipologia de Burckhardt é o de Große, 1997. O campo de batalha de forças que constitui a história em si mesma forma-se no seio dos grandes agentes e pelos grandes agentes da história. Em contraposição à emergente popularidade das historiografias materialistas de Marx a Comte e Weber, para Burckhardt a história deveria se concentrar não nas massas gerais à espera de ser quantificadas pela estatística sociológica, nem deveria se concentrar em supostas leis pelas quais o estado futuro poderia ser previsto, mas acima de tudo nos grandes indivíduos da história - arquétipos - que são assim nomeados à medida que apresentam equilíbrios equalizados entre as forças concorrentes, internamente no âmbito deles próprios e externamente como relação competitiva entre agente e mundo, entre indivíduo e sociedade, entre o espiritual e o positivista, o naturalista e o materialista, entre o objetivo e o ideal.

Considere uma figura renascentista burckhardtiana como Michelangelo: fisicamente diminuto, mas um gigante criativo, altamente moralista mas propenso a vinganças mesquinhas, de espírito elevado mas visceral, contemplativo e ainda assim produtivo.9 9 Ver: Nachlass/FP verão de 1886 - outono de 1887, 5 [9]; KSA 12, 223s. A competição interna entre os impulsos de Michelangelo encontra harmonia equipolente em sua extraordinária criatividade externa. Ali vemos o equilíbrio tensional que é emblemático do arquétipo de Goethe: as vestes coloridas contrastantes trajadas pelos santos no alto da capela Sistina, olhando para baixo numa imposição a um só tempo física e espiritual, a elegância delicadamente relaxada e o olhar agressivamente atento de “Davi” e, é claro, o melhor exemplo de contrastes tensionalmente equilibrados: a Pietá - sofrimento personificado equilibrado sobre uma graça tranquila. Esses equilíbrios agonísticos são o que, para Burckhardt, marca Michelangelo como o maior dos artistas da Renascença. E o que ele, em sua individualidade singular, fez-se capaz de subsumir foram diversas correntes de cultura contrastantes, concorrentes: a moralidade cristã conservadora, o iluminismo platônico, a vanguarda política de Florença, tudo o que se encontra unido em sua pessoa e por meio de sua expressão. Michelangelo, em sua competição fenomênica de contrariedade, corporifica a espécie de tipo da Renascença a que o verdadeiro historiador que pode intuir Ideias para além de suas aparências pode atentar. Não era o caso que as artes tinham lugar apesar da selvageria política da Renascença, mas na verdade - à medida que Burckhardt viria a espelhar a morfologia compensatória de Goethe - por causa disso.10 10 Na verdade, o fato de que Leonardo da Vinci estava pintando plácidas Madonas, mesmo enquanto seu patrono César Bórgia elucubrava traições políticas não foi passado por alto por Burckhardt. Ver: Burckhardt, 1867, p. 33. O historiador genuíno, para Burckhardt tanto quanto para Schopenhauer e Goethe, intui o tipo ideal por trás de suas circunstâncias fenomênicas variadas e concorrentes.

Em O nascimento da tragédia §19, Nietzsche tipologiza os homens da Renascença assim como a tensão polarizada entre forças concorrentes, tensão esta que vem a ser uma espécie de ciclo eterno.

“Com sua imitação operística da tragédia grega, o homem cultivado da Renascença fez-se conduzir de volta a essa harmonia de natureza e ideal, a uma realidade idílica. Ele usou essa tragédia como Dante usou Virgílio, para ser levado até as portas do Paraíso; mas dali ele continuou por si próprio, e de uma imitação da mais elevada forma de arte grega passou para uma “restauração de todas as coisas” para uma recriação do mundo artístico original do ser humano. [...] explicável somente pela crença consoladora de que o “homem em si” é o herói operístico eternamente virtuoso, o pastor sempre a tocar flauta ou a cantar, que sempre se reencontrará enfim como tal, caso em algum instante se perca realmente por algum tempo... (GT/NT 19; itálico nosso).

Note-se aqui ambos os elementos-chave da tipologia goethiana/schopenhaueriana que Nietzsche interpreta na Renascença de Burckhardt. Por um lado, o tipo do homem da Renascença é uma recorrência a partir da unidade primeva, a repetir-se pela história em sempre novas formas e cores. Ele é uma “cópia” ou “imitação” ou algo universalmente duradouro: nesse caso, o “original mundo da arte”. A figura da Renascença nunca é um gênio original, mas a repetição em formas novas da Ideia original do mundo schopenhaueriano. Por outro lado, vemos que esse tipo é o produto obtido de forças agonisticamente tensionais: a “harmonia de natureza e ideal”, pela qual Dante nos conduz ao Paraíso... somente através do Inferno. A imagem nunca é pura ou simplista, mas tensional e complexa. Essa complexidade tensional de modo algum obstrui a produção criativa da figura da Renascença, mas na verdade é condição necessária para ela.

A mesma tensão agonística de forças expressa os pensamentos de Nietzsche sobre a Renascença numa passagem significativa de Humano, demasiado humano: “A Renascença italiana abrigava em si todas as forças positivas a que devemos a cultura moderna: emancipação do pensamento, desprezo pelas autoridades, triunfo da educação sobre a arrogância da linhagem, entusiasmo pela ciência [...], desgrilhoamento do indivíduo, flama da veracidade e aversão à aparência e ao puro efeito (flama que ardeu numa legião de naturezas artísticas [...])” (MM/HH I 237). Essas forças, tomadas separadamente ou de modo desequilibrado, tinham sido ruinosas para outras culturas - fato que Nietzsche pensa ser provado por sua manifestação comparativamente desequilibrada na Reforma alemã. Umas poucas passagens depois, o mesmo problema de Uebergewicht [desequilíbrio] é estendido a seus contemporâneos alemães. Tal como os homens da Renascença, os tipos alemães apresentam extraordinários inteligência e aprendizado, mas - e este é o contraste-chave - ao ponto de que “uma superexcitação das forças nervosas e intelectuais é agora um perigo universal; as classes cultas dos países europeus estão mesmo cabalmente neuróticas...” (MM/HH I 244). Com os homens da Renascença, tão superiores a seus estudiosos alemães, as notas disparatadas vêm agora juntas em sintonia, formando uma tensão harmônica perfeita - seus impulsos para conhecimento e ciência jamais se tornam neuróticos à medida que seus tipos foram equilibrados por um “reduzir ... esse fardo opressor da cultura” (MM/HH I 244). A cultura, e Nietzsche viria a ecoar seus três predecessores na própria passagem seguinte “se originou como um sino, no interior de uma camisa de material grosseiro e vulgar: falsidade, violência, expansão ilimitada de todos os Eus singulares, de todos os diferentes povos, formavam essa camisa” (MM/HH I 245). Forma bela e atividade violenta, imagem e som, o dobre do sino a se repetir sempre intensificando - mas nunca realmente mudando - a harmonia produzida. Esse foi o tipo da Renascença e, conforme Nietzsche sugere, deveria ser o modelo para toda cultura saudável.

Verdade histórica

Se o tema da história são seus grandes arquétipos, e a intuição os meios teóricos pelos quais os historiadores o investigam, então a questão que surge é precisamente por que tais historiadores pensavam que suas descrições seriam “verdadeiras”. A História cultural da Grécia, de Burckhardt, obra baseada numa série de aulas ministradas durante a estada de Nietzsche na Basileia, tinha como objetivo apresentar “a história dos modos gregos de pensar e intuir [griechischen Denkweise und Anschauungen], a aspirar pelo conhecimento dos poderes [Kräfte] vivos de geração e corrupção que estiveram ativos na vida grega. Não narrativamente, mas historicamente, e em primeiro lugar somente à medida que sua história se constitui como parte da história universal em que observamos os gregos em seu genuíno ambiente...”.11 11 Burckhardt, 1930-4, VIII, 2. Aqui novamente vemos as influências da noção por Schopenhauer de intuição e da noção por Goethe de poderes vivamente tensionais. Assim como ele fez com os italianos da Renascença, o mesmo ele faz com os gregos clássicos, apresentando-os como retratos idealizados em clara justaposição com a historiografia reinante em seu tempo. Tal apresentação não pode ser atingida pela assim chamada historiografia científica - o tipo de procedimento formal cansativo, superficialmente objetivo, realizado por aqueles que Burckhardt referia como os “Lobos do Norte”, isto é, a “Berliner Schule” [escola berlinense] de historiografia. Eles tinham a intenção, ou pelo menos assim o diziam, de mostrar o todo da história completo e livre de vieses subjetivos. E a “verdade” seria o produto dessa apresentação.12 12 Para uma discussão acerca da antipatia de Burckhardt para com a historiografia científica, ver: Jensen, 2013, p. 106-19. Com base em razões epistemológicas, Burckhardt pensava que uma ciência livre de subjetividade era tanto impossível quanto indesejável. Com base em razões pedagógicas, ele pensava que a história científica seria estéril. O historiador genuíno não deveria se preocupar com a repetição cega de todo e qualquer pedaço desenterrável de dados em emulação àquelas ciências, a credibilidade de uma teoria dependendo da exaustividade de sua evidência e da uniformidade de resultados. “O singular”, Burckhardt em vez disso nos diz, “o assim chamado acontecimento somente será mencionado à medida que der testemunho do geral, não em função de si próprio.”13 13 Burckhardt, 1930-4, VIII, 2.

Porém mesmo que esteja claro o contraste entre “historiografia científica” e a tipologia de Burckhardt, por que motivo Burckhardt pensa que esse método seria mais capaz de proporcionar uma abordagem histórica “verdadeira”? A chave, penso eu, reside nessa distinção entre o “abrangente” e o “geral”. O primeiro se refere à exaustividade, onde a evidência é evidência acumulada na esperança de convencer o leitor. O segundo se refere à iluminação da universalidade que puder ser dita em sua inerência como elemento essencial por sob a diversidade de acontecimentos, de pessoas e coisas. A preocupação não está em relatar o passado com um grau inatingível de exaustividade, “wie es eingentlich gewesen ist” [como ele efetivamente foi], como requeria o professor de Burckhardt e, assim como Nietzsche, egresso da escola de Pforta, Leopold von Ranke. Em vez disso, uma “fonte única alegremente escolhida pode”, para Burckhardt, “dar conta de uma inteira pletora de outras fontes possíveis, uma vez que aquele que está realmente determinado a aprender, isto é, a tornar-se rico em espírito, pode, por uma simples função de sua mente, discernir e sentir o geral no particular.”14 14 Burckhardt, 1930-4, VII, 15.

Foi esse desdobramento quase fenomenológico de uma ideia interna mediante um foco contínuo em qualidades fenomênicas externas que Burckhardt considera como sendo o trabalho genuíno do historiador. Mas qual é a faculdade intelectual pela qual essas ideias internas são percebidas? Burckhardt nos relata:

... ao final o que é constante [Konstante] aparece como maior e mais importante do que o momentâneo, uma qualidade aparece maior e mais instrutiva [lehrreicher] do que uma ação; ora, ações são apenas expressões singulares de seu poder interno correspondente que pode se produzir de novo. [...] Porém mesmo se uma ação reportada não aconteceu daquela maneira, a Anschauung [intuição] corporifica-a como algo que aconteceu ou expressa seu acontecimento numa forma determinada de seu valor por meio do que é típico [Typische] de sua representação; a inteira tradição grega abunda em obras desse tipo. O constante, que emerge dessa representação típica, talvez seja o mais verdadeiro “conteúdo real” [“Realinhalt”] do mundo antigo, para não dizer da antiguidade. Aqui nos tornamos familiarizados com os gregos eternos; tornamo-nos familiarizados com uma forma em detrimento de alguns fatos individuais.15 15 Burckhardt, 1930-4, VIII, 3s.

A razão pela qual a tipologia é tão preferível à historiografia crítica é uma razão schopenhaueriana: a verdade genuína, como expressão autêntica da natureza interior imutável do mundo, encontra-se para além das condições transcendentais de intelecção: ou seja, espaço, tempo e causalidade. Os detalhes fenomênicos do mundo são superficiais. O caráter interno do mundo como Vontade é a realidade genuína que está lá para ser intuída pelo que Schopenhauer chama de “Anschauung” [intuição], aquele poder especial que os artistas e santos invocam quando da expressão exacerbada de suas respectivas tarefas. Burckhardt, creio eu, leva a linhagem schopenhaueriana aqui diretamente para o reino da historiografia, embora o faça confessadamente lhe faltando a sofisticação epistemológica. Se podemos provar que tal e tal foi a causa de um acontecimento “x”, se podemos, com argúcia e precisão, explicar quando e onde um acontecimento se deu - essas tarefas empalidecem em comparação com o valor de uma descrição ardilosa que comunica o espírito geral e duradouro das épocas e personalidades sob investigação. Também Burckhardt sustentava que a verdade genuína envolvia a elucidação do cerne interno e atemporal da existência mais do que os fenômenos superficiais e sempre mutáveis com que a maior parte dos historiadores se preocupava. E quanto a Nietzsche, muito embora ele entrasse num desacordo mais profundo com a estética e a epistemologia schopenhaueriana, em Schopenhauer como educador, de 1874, como parte da crítica aos hegelianos “historicizantes”, é de maneira explícita que ele endossa a linhagem Schopenhauer-Goethe-Burckhardt:

Quem entende sua vida como apenas um ponto na evolução de uma espécie ou de um Estado ou de uma ciência e, portanto, quer pertencer totalmente à história do devir, não entendeu a lição que a existência lhe oferece e precisa ouvi-la outra vez. Esse eterno devir é um enganador teatro de fantoches, diante do qual o homem se esquece de si próprio, a verdadeira dispersão que espalha o indivíduo na direção de todos os ventos, o infindável jogo pueril que o tempo, essa grande criança, joga conosco e diante de nós. Aquele heroísmo da veracidade [Wahrhaftigkeit] consiste em um dia deixar de ser brinquedo. No devir [Werden] tudo é oco, enganador, raso e digno de nosso desprezo: o enigma que o homem deve desvendar, ele só pode desvendar a partir do ser [Sein], no ser assim e não de outro modo, no imperecível.16 16 SE/Co. Ext. III § 4, KSA 1, pp. 374s.

Nietzsche e Burckhardt, e em última instância Goethe, todos acreditavam que o estudo adequado da história poderia revelar precisamente os traços tipológicos em pessoas, formas de personalidades e características de épocas. Conforme Burckhardt escreve, “nosso ponto de partida é a única coisa que dura na história e é seu único centro possível: o homem, esse ser sofredor, empenhado e ativo, tal como ele é e foi e para sempre será.”17 17 Burckhardt, 1930-4, VII, 3. E como Nietzsche ecoa no prefácio ao seu A filosofia na época trágica dos gregos, composto durante seus anos na Basileia, “quero extrair de cada sistema somente o fragmento que é um pedaço de Persönlichkeit [personalidade] e que portanto pertence ao que há de irrefutável e indiscutível, aquilo que a História deve guardar [...].”18 18 PTG/FTG Prefácio; KSA 1, 801s. Na imagem mais individualista de Volker Gerhardt, “o sentido da história é determinado de acordo com o ‘objetivo da vida’”. Ainda assim, esse objetivo não é nada que seja determinado universalmente. Pelo contrário, é tão diverso quanto os próprios indivíduos...” (Gerhardt, 1992, p. 41. Já eu sustento, pelo contrário, que existem muitos mais indivíduos do que tipos para Nietzsche. Se a palavra possui algum sentido, os tipos eles próprios têm de ser um agregado de indivíduos que possuem estruturas pulsionais fisionômicas suficientemente semelhantes. Ver, por exemplo, M/A 168, KSA 3, 150s. Sua avaliação dos pré-platônicos é a de que eles representam “tipos puros”, que é sua tarefa explicar, mesmo se não houver evidência positiva para retratos tipológicos de Parmênides como uma aranha lógica sugadora de sangue19 19 PTG/FTG 10; KSA 1, p. 844. ou de Heráclito como o artista contemplativo que se põe “acima e ao mesmo tempo dentro de sua obra”.20 20 PTG/FTG 7; KSA 1, p. 832. Para uma contextualização histórica do pensamento de Nietzsche sobre Heráclito, ver Jensen, 2010, pp. 55-62. De Sócrates, “é suficiente reconhecer nele um tipo de existência inaudito antes dele: o tipo do homem teórico.”21 21 GT/NT § 15; KSA 1, p. 98. Os filósofos pós-platônicos representam tipos mistos, caracteres confusos.22 22 Ver, por exemplo, PTG/FTG seções 2, 4 e 9. Por toda a parte nas abordagens historiográficas tardias de Nietzsche encontram-se tipos como o “democrático”, o “sacerdotal” e o “decadente”. E tanto para Burckhardt quanto para Nietzsche nessa época, o que mais vale a pena ser referido pela história jamais foram os tipos comum ou mundano de pessoas, mas o tipo do “grande homem”.23 23 Ver Nietzsche para Gersdorff, 7 de novembro de 1870; KSB 3, p. 155. Ver também Nachlass/FP verão-outono de 1873, 29 [52]; KSA 7, p. 649. Para Burckhardt isso significa sobretudo as figuras chaves da Itália renascentista, enquanto para Nietzsche, os pré-socráticos gregos apareceram como gigantes invocando um ao outro no espírito de competição em picos de montanhas elevadas. E é nesse espírito que Nietzsche, em Da utilidade e da desvantagem da história, pensa que se poderia subsumir a inteira cultura renascentista com referência a apenas “cem homens produtivos” (HL/Co. Ext. II § 2). O tipo exaure o objeto em foco; e por essa razão, de novo, é dever do bom historiador examinar aqueles grandes tipos culturais em vez de uma variedade infinita de fatos e acontecimentos que apenas distraem, e jamais educam.

E isso, tanto para Burckhardt quanto para o Nietzsche do período da Basileia, melhor expressou a natureza da “verdade histórica”. Em justaposição a uma concepção de verdade como função da relação lógica entre proposições - uma dedução ou prova ou demonstração de uma conclusão necessária -, “verdade” aqui é a intuição do tipo que se encontra por trás da pletora de aparências que funciona para iluminar algo acerca de nossas próprias vidas interiores. Como um juiz no Hades, Burckhardt descreve a verdade histórica como “aqueles fatos que podem estabelecer uma conexão interna genuína com nosso próprio espírito, e com o qual podemos nos relacionar de um modo real ou como resultado de afinidade ou como resultado de contraste e oposição. O que é lixo é posto de lado”.24 24 BURCKHARDT, 1930-4, VIII, 6.

Aristocratismo

Essa concepção de grandes homens conduz ao terceiro aspecto distintivo da Renascença burckhardtiana, tal como ela se desenvolve com base em Goethe e Schopenhauer. Burckhardt era, como Nietzsche, altamente pessimista acerca da cultura acadêmica e política de seu tempo - e isto em duas vias chaves com respeito à cultura. Em primeiro lugar, Burckhardt seguiu as críticas de Schopenhauer ao otimismo quanto à cultura de massa no âmbito das universidades nacionalistas alemãs. Se Burckhardt era menos radical do que Nietzsche,25 25 Essa questão recentemente suscitou algum debate. A interpretação clássica de Burckhardt como neohumanista antipolítico Altliberal [liberal antigo] e de Nietzsche como o radical estetizador da violência em função da cultura foi cultivada por Kaegi, 1947-85; Ferguson, 1948; e recentemente Gossman, 2000. Com respeito ao contraste dessa interpretação com Nietzsche, ver especialmente Martin, 1948, p. 35-48. Trabalhos recentes desafiam essa visão, mostrando um Burckhardt que parece mais motivado politicamente e um Nietzsche que parece menos radical. Ver, por exemplo, Flaig, 2003, p. 7-39; Sigurdson, 2004, pp. 198-219. em especial no que diz respeito ao valor da simpatia,26 26 O próprio Overbeck acreditava que essa fosse uma das principais razões para a persistente distância de Burckhardt em relação a Nietzsche. Ver: Gossman, 2000, p. 434. ambos compartilhavam aversão similar à visão hegeliana esquerdista do Estado como protetor e garantidor da cultura e ao igualitarianismo marxista. Ademais, eles compartilhavam um endosso aos grandes indivíduos como remédio para a decadência cultural socialista e ao valor do conflito como condição para o florescimento cultural.27 27 Esses e os pontos a seguir são bem apresentados em: RUEHL, 2004, p. 61-86. Para a influência de Burckhardt sobre a concepção de Nietzsche do caráter agonístico dos gregos, ver a abordagem clássica por Andler, 1926, p. 96-102. Tanto Nietzsche quanto Burckhardt rejeitavam a disseminação da educação pública como sendo um catalisador de vários males: o utilitarismo, o materialismo e o socialismo.28 28 Ver Nachlass/FP inverno de 1870-1 - outono de 1872, 8 [57]: KSA 7, 243. Ver também Ruehl, 2004, p. 89. Pelo contrário, a sociedade deveria ser ordenada de tal modo que a grande maioria trabalhasse para o benefício de alguns poucos indivíduos que são por natureza dispostos a fazer contribuições genuínas à cultura.29 29 Ver, para uma discussão, Löwith, 1966, p. 31-4. Tais indivíduos teriam de ser, nas próprias palavras de Burckhardt, uma freie Persönlichkeit, uma personalidade liberta especialmente do serviço a qualquer Estado ou constituição.30 30 Ver: Burckhardt, 1997, p. 219-68. “... Singularidade, Insubstitutibilidade. O grande homem é um homem sem o qual o mundo pareceria a nós incompleto, uma vez que só mesmo por meio dele são possíveis certos grandes feitos em sua era, os quais sem ele são impensáveis.31 31 Burckhardt, 2000, X, p. 275. A própria elevação do grande homem por Nietzsche em seus anos na Basileia claramente não leva em conta a dissolução por Schopenhauer do si mesmo em êxtase estético e ético, como fez o seu endosso da Rangordnung [hierarquia] aristocrática contra o anarquismo liberal de Wagner. A influência de Burckhardt foi provavelmente um fator-chave em ambos.32 32 A esse respeito, ver ambos os artigos de Ruehl, 2008, p. 227-267; e também: Ruehl, 2004, p. 79-97. Contrariamente a Ruehl, cuja tese é original, eu proponho que a interpretação por Nietzsche da cultura grega, sua educação em Pforta e sua longa admiração pelo classicismo de Weimar já o tinham convencido de seu aristocratismo conservador anos antes de ele ter contato com Burckhardt. Eu concordo, porém, que sua proximidade com Burckhardt tenha aguçado esses pensamentos, tendo sido ela própria parte da razão para a relativa aceitação de Nietzsche na hierarquia da velha guarda da Basileia.

Por aristocratismo, contudo, não se deve supor o que Nietzsche, mais do que Burckhardt ou Schopenhauer ou Goethe, teria em mente com o que as massas consideravam grandeza: ou seja, a grandeza política. A política era um turbilhão de acontecimentos, tratados, insinuações, batalhas e casamentos com base nos quais escassa nutrição para a alma poderia ser colhida. Muito mais interessantes são as culturas, e não apenas quaisquer culturas, mas as “grandes” culturas, como a Grécia e a Itália da Renascença. Essas culturas recebem sempre o seu carimbo de indivíduos tipicamente grandes, aqueles que podem equilibrar o político com o artístico, a vida exterior de atividade e a vida interior de contemplação. E o que Burckhardt percebeu é que esses tipos se repetem em novos disfarces ao longo do tempo, algo que, se um estudante de história é corretamente guiado para focalizá-los e esquecer as minúcias triviais da política, tem grande valor edificante como modelo para o desenvolvimento de um indivíduo.

Como Goethe e Schopenhauer, e deve-se aqui acrescentar também J. J. Bachofen, também Burckhardt e Nietzsche pensavam a história em termos de aristocracia, tipologia e com o método morfológico de descobrir “ideias” por trás da fachada superficial de agentes em suas atividades. Dessa maneira, eles se põem juntos como um baluarte único contra as duas vagas da historiografia do século XIX. Já vimos como a tipologia representa a antítese da história científico-sociológica, e a esse respeito não se precisa dizer mais muito aqui. O aristocratismo conservador de Goethe, Schopenhauer, Bachofen, Burckhardt e Nietzsche ademais representa o último esforço remotamente popular de resistir ao movimento historiográfico que responde variegadamente pelos nomes de “volkisch” [popular], “social”, “material” ou - pelo nome de seu fundador: “marxista”. Enquanto a historiografia marxista era, em sua concepção, orientada contra histórias “espiritualistas” ou histórias “metafísicas” do cristianismo até Adam Smith e o hegelianismo, consequência direta foi o seu foco nas “pessoas” e em suas condições. E uma consequência direta disso foi a preocupação com o que hoje é rotulado como “justiça social”, “igualdade” e - como todos os professores da Basileia temiam - a redução do que é “grande” na cultura a uma alegação acerca das condições materiais injustas pelas quais tal grandeza foi atingida. Os historiadores aqui discutidos rejeitam cada uma das premissas marxistas e suas consequências. Se um marxista deseja diminuir a cultura para chegar ao seu mínimo denominador mediante a celebração do lugar comum, assim sentiam os professores da Basileia, tanto pior para o século vindouro. Contudo, se se quiser que os estudantes aspirem à grandeza mediante a leitura dos grandes exemplares, então leiam-se as histórias, os dramas e a biografia de Goethe, as avaliações estéticas de Schopenhauer, as histórias de Burckhardt, e a teoria histórica de Nietzsche.

Da forma ao conteúdo

Mas o fato de se compartilhar essas metodologias formais e orientações de valor não implica que Nietzsche e Burckhardt teriam de compartilhar o conteúdo de suas intepretações da Renascença. Duas diferenças nas perspectivas de Burckhardt e Nietzsche devem sempre ser tidas em mente: a oposição por Burckhardt da Renascença à política contemporânea que envolvia os alemães no período dos anos 1840-60s, enquanto Nietzsche se preocupava com o Estado bismarckiano dos anos 1870s. A diferença não é trivial, embora nas discussões do par tal seja com frequência esquecido. As revoluções de meados do século tinham sido basicamente uma união dos povos contra elites estrangeiras e internas. A revolução dos anos 1870 envolviam unificações estatistas e nacionalistas que desprezavam identidades étnicas e culturais. O que é pensado por “elite” ou “povo” nesses dois diversos contextos varia consideravelmente. Ademais, Burckhardt e Nietzsche têm alvos significativamente diferentes em sua crítica à teleologia. Quando Burckhardt ataca a teleologia, é sobretudo a Hegel e seus seguidores que ele ataca, enquanto em Nietzsche o ataque se volta sobretudo a Eduard von Hartmann. A teleologia marxista, para se ter um claro exemplo, recebe oposição tenaz de Burckhardt - enquanto, no caso de Nietzsche, Marx jamais é nomeado em texto publicado.

As duas maiores diferenças que resultam dessas circunstâncias diferentes, para aqui ao menos apontá-las brevemente, é a estima de Nietzsche e a aversão de Burkhardt pelos “Gewaltigen”: aqueles homens violentos da Renascença como César Bórgia, Lourenço, o Magnífico e outras figuras do período endossadas por Maquiavel. Como humanista, Burckhardt empalidecia diante de atos de violência, enquanto Nietzsche se mostra mais como Goethe ao ver a violência como um catalisador necessário do crescimento. Mas a concepção é um pouco mais complicada do que isso.33 33 Ruehl argumenta que tanto o apoio de Nietzsche quanto a repulsa de Burckhardt aos aspectos violentos da Renascença foram mais exagerados do que realmente era o caso. Eu já penso, pelo contrário, que tal divergência seria essencial, embora procure nuançá-la com as qualificações que seguem. Onde Burckhardt os rejeita, não se trata da violência per se, e sim mais da substituição da violência pelo que poderia ter sido resolvido ou sintetizado por uma manobra política mais inteligente. Onde Nietzsche de fato endossa meios violentos, isso tende a não ser uma aprovação da violência per se, e sim mais o reconhecimento de que a violência é o oposto compensatório da beleza, algo que ele endossa em educação e arte de modo mais geral do que em política aplicada. A violência da Renascença em si mesma não é nada a ser desfrutado, mas o antípoda necessário do sentimento do belo que, somente quando juntos um e outro, permitiriam a intensificação do tipo. Eis aí, observa-se, uma marca em favor do naturalismo compensatório de Goethe, no que o florescimento só pode se manifestar como um efeito colateral da competição entre forças em oposição. Ao omitir a violência da produção da grandeza da Renascença, Burckhardt negligencia o que Nietzsche e Goethe veem como sua condição necessária.

A próxima peça chave de desacordo segue daqui: enquanto para Burckhardt o cristianismo foi a força espiritual necessária para compensar o realismo político da Renascença, para Nietzsche o cristianismo apenas enervava, apenas retardava a agonística interna da Renascença. Como assim? Basta olhar para os grandes edifícios da Renascença: sua graça e sua grandiosidade. Mas qual seria o seu uso - quem seriam seus patronos? Ainda que não todos eles, certamente muitos eram e ainda são usados como espaços públicos para a adoração cristã. Em vez de uma nova criação, o cristianismo tomava o vinho novo dos séculos XIV e XV para derramá-lo em odres velhos. O olho de Bernini para a grandiosidade, o gênio fortemente geométrico de Borromini, as ideias técnicas de Michelangelo aplicadas - a quê? Às mesmas velhas ideias de Maria, Jesus, Moisés, da Criação e do Juízo Final. O que poderia ter sido um nascimento era assim meramente um re-nascimento. O que teria sido o momento mais nobre da história - a grande superação da Europa medieval e o nascimento de ideais genuinamente novos, terminava numa bela, mas em última instância derivativa apresentação dos velhos e cansados valores cristãos. Onde Burckhardt tem a Renascença como um ideal para o qual ele teria visto o retorno da Europa, Nietzsche, em última instância, a vê como um fracasso de que o Iluminismo foi capaz primeiramente para dominar e então arruinar à medida que carecia de criatividade genuína. A Renascença morreu à medida que foi reativa, carecendo daquele esforço ativo por novidade radical que era tão essencial para o naturalismo de Goethe. Por essa razão, a Renascença, para Nietzsche, não representa a solução para a questão da moderna cultura alemã, como para Burckhardt. Em seu fracasso, ela levanta uma questão, na verdade a questão: como é possível, ainda que os maiores homens da Renascença tal não tivessem conseguido, produzir a total Transvaloração dos Valores? “Os alemães destruíram para a Europa a última grande colheita de civilização que a Europa seria capaz de apanhar - a Renascença. Ao final, ter-se-á alguma vez compreendido o que foi a Renascença? A transvaloração dos valores cristãos - uma tentativa, com todos os meios disponíveis, com todos os instintos e com todos os recursos do gênio de produzir um triunfo dos valores opostos, dos valores mais nobres... Essa tem sido a grande guerra do passado; jamais houve questão mais crucial do que esta da Renascença - e é a minha questão também - ” (AC/AC 61).

Conclusão

A última linha indica o que eu tomo como a diferença mais significativa nas atitudes de Nietzsche e Burckhardt - e esta diferença nos traz de volta à questão certa vez posta por Goethe e também por Schopenhauer. Por que, em última instância, historicizamos a Renascença? Se expandimos para cobrir Goethe e Schopenhauer, podemos perguntar por que viemos a historicizar os grandes indivíduos e culturas. Nenhum de nossos autores aqui se encontra nem de longe contente com a simples afirmação aristotélica sobre a benevolência inerente da “admiração”. Para Goethe, a resposta parece ter duas vias: primeiramente, como evidência de que a excelência é o epifenômeno da competição entre polaridades compensatórias, tanto no mundo natural quanto no mundo humano; em segundo lugar, como um sinal para o tipo de cultura saudável que a Alemanha pôde emular. Para Schopenhauer, a Renascença, como todas as épocas e eras históricas foi um fenômeno passageiro, e para além de suas intrigas e tramas um historiador de orientação poética pode, não obstante, intuir a ideia eterna da autoconsciência da humanidade em geral. Para Burckhardt, a resposta é em ampla medida a seguinte: “relembrar a grandeza do passado e contribuir para a sua restauração no futuro”. A cultura em ampla medida caiu em desordem nas mãos daqueles que careciam de um conhecimento apropriado de história. E Burckhardt, em ampla medida, viu como tarefa sua, creio eu, corrigir isso ao máximo por meio de sua escrita e, mais ainda, mediante a sua pedagogia na Universidade da Basileia. Enquanto ainda estava na Basileia, e em proximidade com Burckhardt, Nietzsche concordou sumamente com o famoso “Ceterum Censeo” que o próprio Goethe havia disposto: estudamos história somente à medida que tal nos vivifica e deixamos o resto de lado. O que nos vivifica não é a adoração das grandes figuras do passado, sejam elas gregos antigos ou italianos da Renascença, mas uma espécie de competição espiritual com tais figuras: um reconhecimento da grandeza tal que se possa ser ainda maior. Após o seu período na Basileia, o uso da história por Nietzsche parte mais amplamente de Burckhardt. Ele rejeita a reforma gradual em função da revolução radical. Em especial mais adiante em sua carreira, Nietzsche usa seu método genealógico não para refinar ou reformar a moralidade, mas para se revoltar contra a moralidade convencional, para em última instância desfazer a moralidade convencional. O seu Anticristo é uma “maldição” sobre o cristianismo, não uma tentativa de reformá-lo.

Eu aqui propus que a relação de Nietzsche com a imagem de Burckhardt da Renascença não foi tanto sobre uma tese ou afirmação sobre o passado, e sim foi mais um meio de praticar a história. A preferência pela tipologia, a crença de que a verdade é alcançada intuitivamente e diz respeito à identidade interna de todas as coisas, e a preferência por grandes objetos e indivíduos históricos - tudo isso Nietzsche compartilhava com Burckhardt. E compartilhava com ele precisamente porque duas de suas influências comuns mais significativas foram Goethe e Schopenhauer. Para além disso, eu também argumentei que existem algumas disjunções menores e algumas mais significativas em sua abordagem da historiografia da Renascença, em especial no que diz respeito aos papéis da violência e do cristianismo. Por último, apenas procedi a um esboço do que podemos chamar de a questão do motivo: que a proposta de Burckhardt em construir a Renascença era de fato bem oposta ao olhar mais radical de Nietzsche sobre a história. Fez-se célebre o lamento de Burckhardt pelo fato de ele “não poder seguir” os passos de Nietzsche dado o caráter vertiginoso de seus argumentos. O mais provável - em que pesem seus arcabouços meta-históricos profundamente compartilhados -, os dois filósofos da história eram motivados por duas finalidades muito diferentes: a reforma e a revolução.

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  • SIGURDSON, R. Jacob Burckhardt’s Social and Political Thought Toronto: University of Toronto Press, 2004.
  • *
    Tradução de Saulo Krieger.
  • 1
    Para uma análise de “Anschauung” em Nietzsche, ver: Jensen, 2012______. “The Centrality and Development of Anschauung in Nietzsche’s Epistemology,” Journal of Nietzsche Studies 43 [2], 2012, p. 326-341. , p. 326-341. Para as transições entre os vários métodos de historiografia de Nietzsche, ver: Jensen, 2013______.Nietzsche’s Philosophy of History. Cambridge: Cambridge University Press, 2013., p. 195-211. Para ver como essas formas e transições funcionam no escopo da filosofia da história mais abrangente de Nietzsche, ver :Jensen u Nietzsche’s Philosophy of History. Cambridge: Cambridge University Press, 2013.
  • 2
    Uma leitura erudita e altamente interessante sobre o lugar de Burckhardt nas reconstruções alemãs da Renascença se tem em: Ruehl, 2015RUEHL, M. The Italian Renaissance in the German Historical Imagination, 1860-1930. Cambridge: Cambridge University Press, 2015. . Farei referência à leitura de Ruehl ao longo de todo o artigo.
  • 3
    Essas passagens estão bem documentadas em: Brady, 1987BRADY, R. “Form and Cause in Goethe’s Morphology”. In: AMRINE, F/ZUCKER, F./WHEELER, H. Goethe and the Sciences: A Reappraisal. Dordrecht: D.Reidel, 1987., p. 257-300.
  • 4
    Ao citar os escritos de Goethe, estou utilizando os 14 volumes deJohann Wolfgang von Goethe: Werke (Hamburger Ausgabe), organizados por Erich Trunz et al. Munich: C.H. Beck, 1994, doravante abreviado como HA, seguido por volume e página.
  • 5
    Para um artigo que combate essa interpretação e argumenta, em vez disso, que Schopenhauer foi bastante reflexivo quanto à história, ver: Jensen, 2018______. “Schopenhauer’s Philosophy of History,” History and Theory 57 [3], 2018, p. 349-370., p. 349-370.
  • 6
    Para uma discussão acerca da relação da história com a ciência e com a poesia quanto a essa questão, ver: Jensen, no prelo______. “Zwar ein Wissen, jedoch keine Wissenschaft: Schopenhauer’s Ambivalent Philosophy of History”. In: Woods, D. The Schopenhauerian Mind. London: Routledge, no prelo..
  • 7
    Ehrenberg, 1946EHRENBERG, Victor. Aspects of the Ancient World: Essays and Reviews. Oxford: Blackwell, 1946. , p. 55. Para a primeira e, defensavelmente, ainda a melhor abordagem do trio Nietzsche-Burckhardt-Schopenhauer acerca das formas do conhecimento histórico, ver: Cassirer, 1906CASSIRER, E. Das Erkenntnisproblem in der Philosophie und Wissenschaft der neueren Zeit, 4 vols. Berlin: Verlag Bruno Cassirer, 1906., IV/16.
  • 8
    Burckhardt, 1999BURCKHARDT , J. Judgments on History and Historians. Trad: Harry Zohn. Indianapolis: Liberty Fund, 1999, 6. , p. 6. O tratamento mais exaustivo da tipologia de Burckhardt é o de Große, 1997GROßE, J. Typus und Geschichte. Eine Jacob Burckhardt-Interpretation. Köln: Böhlau Verlag, 1997..
  • 9
    Ver: Nachlass/FP verão de 1886 - outono de 1887, 5 [9]; KSA 12, 223s.
  • 10
    Na verdade, o fato de que Leonardo da Vinci estava pintando plácidas Madonas, mesmo enquanto seu patrono César Bórgia elucubrava traições políticas não foi passado por alto por Burckhardt. Ver: Burckhardt, 1867_______. Kultur der Renaissance in Italien. Wien: Phaidon Verlag, 1867., p. 33.
  • 11
    Burckhardt, 1930-4______. Gesamtausgabe. Stuttgart/Berlin/Leipzig: Deutsche Verlaganstalt, 1930-4., VIII, 2.
  • 12
    Para uma discussão acerca da antipatia de Burckhardt para com a historiografia científica, ver: Jensen, 2013______.Nietzsche’s Philosophy of History. Cambridge: Cambridge University Press, 2013., p. 106-19.
  • 13
    Burckhardt, 1930-4______. Gesamtausgabe. Stuttgart/Berlin/Leipzig: Deutsche Verlaganstalt, 1930-4., VIII, 2.
  • 14
    Burckhardt, 1930-4______. Gesamtausgabe. Stuttgart/Berlin/Leipzig: Deutsche Verlaganstalt, 1930-4., VII, 15.
  • 15
    Burckhardt, 1930-4______. Gesamtausgabe. Stuttgart/Berlin/Leipzig: Deutsche Verlaganstalt, 1930-4., VIII, 3s.
  • 16
    SE/Co. Ext. III § 4, KSA 1, pp. 374s.
  • 17
    Burckhardt, 1930-4______. Gesamtausgabe. Stuttgart/Berlin/Leipzig: Deutsche Verlaganstalt, 1930-4., VII, 3.
  • 18
    PTG/FTG Prefácio; KSA 1, 801s. Na imagem mais individualista de Volker Gerhardt, “o sentido da história é determinado de acordo com o ‘objetivo da vida’”. Ainda assim, esse objetivo não é nada que seja determinado universalmente. Pelo contrário, é tão diverso quanto os próprios indivíduos...” (Gerhardt, 1992GERHARDT, V. “Geschichtlichkeit bei Hegel und Nietzsche”. In: DJRUIĆ, M./SIMON, J. (orgs.). Nietzsche und Hegel. Würzburg: Königshausen & Neumann, 1992., p. 41. Já eu sustento, pelo contrário, que existem muitos mais indivíduos do que tipos para Nietzsche. Se a palavra possui algum sentido, os tipos eles próprios têm de ser um agregado de indivíduos que possuem estruturas pulsionais fisionômicas suficientemente semelhantes. Ver, por exemplo, M/A 168, KSA 3, 150s.
  • 19
    PTG/FTG 10; KSA 1, p. 844.
  • 20
    PTG/FTG 7; KSA 1, p. 832. Para uma contextualização histórica do pensamento de Nietzsche sobre Heráclito, ver Jensen, 2010, pp. 55-62.
  • 21
    GT/NT § 15; KSA 1, p. 98.
  • 22
    Ver, por exemplo, PTG/FTG seções 2, 4 e 9.
  • 23
    Ver Nietzsche para Gersdorff, 7 de novembro de 1870; KSB 3, p. 155. Ver também Nachlass/FP verão-outono de 1873, 29 [52]; KSA 7, p. 649.
  • 24
    BURCKHARDT, 1930-4______. Gesamtausgabe. Stuttgart/Berlin/Leipzig: Deutsche Verlaganstalt, 1930-4., VIII, 6.
  • 25
    Essa questão recentemente suscitou algum debate. A interpretação clássica de Burckhardt como neohumanista antipolítico Altliberal [liberal antigo] e de Nietzsche como o radical estetizador da violência em função da cultura foi cultivada por Kaegi, 1947-85KAEGI, W. Jacob Burckhardt: Eine Biographie. Basel: Scwabe & Co., 1947-85.; Ferguson, 1948FERGUSON, W. The Renaissance in Historical Thought. Boston: Houghton Mifflin, 1948.; e recentemente Gossman, 2000GOSSMAN, L. Basel in the Age of Burckhardt: A Study in Unseasonable Ideas. Chicago: University of Chicago Press, 2000.. Com respeito ao contraste dessa interpretação com Nietzsche, ver especialmente Martin, 1948MARTIN, A. Burckhardt und Nietzsche: Philosophieren über Geschichte. Krefeld: Scherpe Verlag, 1948. , p. 35-48. Trabalhos recentes desafiam essa visão, mostrando um Burckhardt que parece mais motivado politicamente e um Nietzsche que parece menos radical. Ver, por exemplo, Flaig, 2003FLAIG, E. “Jacob Burckhardt, Greek Culture, and Modernity”. In: Gildenhard, I./Ruehl, M. (orgs.). Out of Acardia. London: Institute of Classical Studies, 2003., p. 7-39; Sigurdson, 2004SIGURDSON, R. Jacob Burckhardt’s Social and Political Thought. Toronto: University of Toronto Press, 2004., pp. 198-219.
  • 26
    O próprio Overbeck acreditava que essa fosse uma das principais razões para a persistente distância de Burckhardt em relação a Nietzsche. Ver: Gossman, 2000GOSSMAN, L. Basel in the Age of Burckhardt: A Study in Unseasonable Ideas. Chicago: University of Chicago Press, 2000., p. 434.
  • 27
    Esses e os pontos a seguir são bem apresentados em: RUEHL, 2004, p. 61-86. Para a influência de Burckhardt sobre a concepção de Nietzsche do caráter agonístico dos gregos, ver a abordagem clássica por Andler, 1926ANDLER, C. Nietzsche: Sa vie et sa pensée. Basel: Laupp, 1926., p. 96-102.
  • 28
    Ver Nachlass/FP inverno de 1870-1 - outono de 1872, 8 [57]: KSA 7, 243. Ver também Ruehl, 2004, p. 89.
  • 29
    Ver, para uma discussão, Löwith, 1966LÖWITH, K. Jacob Burckhardt: Der Mensch inmitten der Geschichte. Stuttgart: W. Kohlhammer Verlag, 1966., p. 31-4.
  • 30
    Ver: Burckhardt, 1997______. Bilder des Ewigen: Ein kulturgeschichtliches Lesebuch. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1997., p. 219-68.
  • 31
    Burckhardt, 2000______. Werke: Kritische Gesamtausgabe. München: C.H. Beck, 2000., X, p. 275.
  • 32
    A esse respeito, ver ambos os artigos de Ruehl, 2008RUEHL, M. “‘An Uncanny Re-Awakening’: Nietzsche’s Renascence of the Renaissance out of the Spirit of Jacob Burckhardt”. In: Dries, Manuel (Org). Nietzsche on Time and History. Berlin/New York: De Gruyter 2008., p. 227-267; e também: Ruehl, 2004, p. 79-97. Contrariamente a Ruehl, cuja tese é original, eu proponho que a interpretação por Nietzsche da cultura grega, sua educação em Pforta e sua longa admiração pelo classicismo de Weimar já o tinham convencido de seu aristocratismo conservador anos antes de ele ter contato com Burckhardt. Eu concordo, porém, que sua proximidade com Burckhardt tenha aguçado esses pensamentos, tendo sido ela própria parte da razão para a relativa aceitação de Nietzsche na hierarquia da velha guarda da Basileia.
  • 33
    Ruehl argumenta que tanto o apoio de Nietzsche quanto a repulsa de Burckhardt aos aspectos violentos da Renascença foram mais exagerados do que realmente era o caso. Eu já penso, pelo contrário, que tal divergência seria essencial, embora procure nuançá-la com as qualificações que seguem.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Out 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2022
  • Aceito
    12 Abr 2022
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