Abstract
Esse artigo pretende explorar a narrativa de Agostinho acerca de sua adesão ao pensamento gnóstico-maniqueu, livro III das suas Confissões, como momento falacioso do espírito, engenho de simulacro linguístico enganador. O livro III das Confissões de Agostinho de Hipona pode ser lido como análise do filósofo sobre suas próprias condições de assentimento às representações literárias como via de acesso à verdade ou falsidade na medida em que problematiza a via gnóstico- maniqueia outrora trilhada como uma questão de leituras (cf. Conf. III, 4, 7 à III, 5, 10). O jovem leitor denuncia sua pretensão de saber (gnose), uma suposição que o levara ao procedimento de tomar phantasia como referência hipostasiada de significação de verdade. Presume que seja arguto para imaginar e nomear realidades sobre corpos, [que seriam] mais reais do que verdadeiras imagens de corpos, e ao proceder assim nada faz senão imaginar “falsos corpos”, germe de uma perigosa nomeação que chega a pretender pela palavra indicar até mesmo o infinito. Finalmente, um trecho final dos seus Solilóquios II será especialmente esclarecedor para compreender como Agostinho parece apontar para a disposição do espírito por detrás da suposição e significação – para além de simples “sentenças falsas e enganadoras” (cf. Solilóquios II, xv, 29). A perspicácia (acies) do maniqueu faz dele sujeito de uma presunção sedutora, arrogando-se ser capaz de nomear o que está além da possibilidade de qualquer representação ou objetivação. A leitura, no entanto, não será afastada como via de exortação do espírito à verdade, o que lança a hipótese de que outra disposição deva substituir a presunção de saber algo da essência do texto.